No dia em que se completou meio século do discurso histórico que acelerou o golpe militar de 1964, três senadores reapresentaram, em conjunto, duas propostas que faziam parte das chamadas reformas de base que o então presidente João Goulart pretendia implantar no Brasil. Em 13 de março de 1964, Jango discursou para 200 mil pessoas na Central do Brasil, no Rio. Durante uma hora, ele defendeu a implantação de uma série de medidas e reformas de caráter nacionalista. Ontem (13 de março de 2014), exatamente 50 anos depois, os senadores Roberto Requião (PMDB-PR), Pedro Simon (PMDB-RS) e Cristovam Buarque (PDT-DF) apresentaram uma proposta de reforma agrária e outra de retomada da definição de empresa de capital nacional nos moldes defendidos pelo ex-presidente. Ele foi deposto pelo golpe militar em 31 de março de 1964 – menos de 20 dias depois do famoso discurso que provocou a reação de segmentos da sociedade, como empresários, industriais e grandes fazendeiros.
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Para os três senadores, as propostas de Jango, como era mais conhecido, continuam atuais. Promover o debate sobre essas reformas e aprová-las seriam uma reparação histórica e a melhor forma de homenagear o ex-presidente, defendem. Na primeira proposta, Requião, Simon e Cristovam retomam a ideia de João Goulart de desapropriar as margens improdutivas de ferrovias e rodovias para instalar, no lugar, agricultores familiares, voltados à produção de alimentos. Já o segundo projeto recupera a definição de empresa nacional, alterada em 1995 pelo governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
“Cinquenta anos depois, as reformas de base lançadas por Jango no comício da Central ainda são um programa revolucionário de governo. E tal qual meio século atrás, continuam necessárias e urgentes,para que o país se desenvolva, torne-se menos desigual e firme sua independência”, disse Roberto Requião, responsável pela iniciativa, que também tem o apoio de Simon e Cristovam. Ontem, no plenário, os dois peemedebistas provocaram os demais senadores a levar adiante o debate sobre as propostas do ex-presidente. “Vamos ver o que pensa o PT sobre essas matérias, o que pensa o nosso MDB”, provocou Simon, referindo-se ao partido da presidenta Dilma e à sua própria legenda. “Quem era João Goulart à época e quem somos nós hoje no Congresso Nacional?”, emendou Requião.
Problemas atuais
Na apresentação do texto, os três senadores destacam que a proposta de reforma agrária apresentada não é transcrição literal do decreto de Jango, que causou reação de empresários e grandes fazendeiros. Trata-se, segundo eles, de uma adaptação que preserva o ponto central do decreto de 1964, ou seja, a declaração do interesse social, para fins de desapropriação destinada à reforma agrária, de áreas rurais improdutivas. A luta pela terra, lembraram, continua atual. “Cinquenta anos depois, a reforma agrária permanece não implementada e como elemento essencial para um programa de reformas necessário na luta por justiça social em nosso país”, escreveram na justificativa da proposta.
No caso do projeto sobre empresas nacional, os senadores propõem que a palavra final sobre o assunto seja da sociedade, por meio de referendo popular, a ser convocado após decisão do Congresso Nacional. “Recupera-se, assim, a definição de empresa brasileira de capital nacional como aquela cujo controle efetivo esteja em caráter permanente sob a titularidade direta ou indireta de pessoas físicas domiciliadas e residentes no país ou de entidades de direito público interno, entendendo-se por controle efetivo da empresa a titularidade da maioria de seu capital votante e o exercício, de fato e de direito, do poder decisório para gerir suas atividades”, explicam.
PublicidadeSuspeita e reparação
No último ano, o governo e o Congresso tomaram iniciativas para resgatar a memória de João Goulart. A Comissão Nacional da Verdade apura a suspeita de que o ex-presidente foi assassinado por militares enquanto vivia exilado na Argentina, na década de 1970. Para a família, Jango foi vítima de envenenamento, como parte da Operação Condor, ação coordenada entre os regimes militares de países sul-americanos contra seus opositores.
No dia 18 de dezembro, os parlamentares devolveram, simbolicamente, o mandato de Jango. A cerimônia, que contou com a presença da presidenta Dilma Rousseff, de ministros de Estado e dos comandantes das Forças Armadas, ocorreu após deputados e senadores anularem a vacância do cargo em 21 de novembro de 2013. Por decisão do então presidente do Congresso, senador Auro de Moura Andrade, em 2 de abril de 1964, o Parlamento aprovou um ato para depor Jango formalmente após o golpe militar de dois dias antes. Ele estava no Rio Grande do Sul e teve a localização informada pelo então deputado Tancredo Neves. Mesmo assim, Andrade declarou a vacância do cargo com a justificativa de que o paradeiro do presidente era desconhecido.
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