Tia Eron*
A história reserva à mulher momentos peculiares. Historicamente, em qualquer momento em que a ela se recorra, a presença da mulher emerge como ícone delimitador de transformações e avanços sociais, econômicos e políticos. Ilustro isso com o Dia da Mulher Negra da América Latina e do Caribe. Trata-se do dia 25 de julho, instituído pelas Nações Unidas, como o Dia Internacional da Mulher Afrodescendente.
Dia que eu não poderia deixar passar invisível ou renegada visto que tal festividade existe desde 1992, ano em que se reuniram na República Dominicana mulheres afrolatinoamericanas e caribenhas. Estima-se que mais de oitenta milhões de mulheres se reconhecem como afrodescendentes na América Latina, e o ponto em comum entre elas é a certeza de que a mulher negra até hoje ainda sofre com o terrível e hodiendo crime de racismo que não reconhece nossos grandes valores culturais e sobretudo nossa sabedoria.
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Outra razão para celebrar este dia foi o descobrimento científico em 1986, confirmado depois com análise de DNA, sobre os seres humanos de todos os continentes. A África é a Pátria Mãe da Humanidade. Isso quer dizer que todos e todas nós somos afrodescendentes.
A pesquisa comprovou que o primeiro grupo humano que se tem registro viveu na África Oriental, hoje Etiópia, Kênia e Tanzânia cerca de cento e cinquenta mil anos atrás, posteriormente migrando para as regiões da Ásia e Europa.
Estes fatos fizeram com que a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, proclamasse em 18 de dezembro de 2009, o ano de 2011, como o ano Internacional dos Afrodescendentes. Isso significa dizer que, oficialmente, “os afrodescendentes representam um setor definido da sociedade cujos direitos humanos devem ser promovidos e protegidos”.
Um grupo, em cujo meio há ainda outro grupo de vítimas específico, identificado como o das mulheres negras cuja luta e resistência nos permite afirmar que jamais vão assassinar a utopia que nos faz acreditar que é pela organização das mulheres negras que vamos firmar uma consciência na população que há discriminação em todos os níveis, o sexismo e o machismo haverão de ser extintos como legado histórico e uma nova relação social há de surgir.
Esta luta também persiste no Brasil, basta olhar por dentro, ou para além do discurso silenciador que não há racismo ardil e velado, perversidades de um machismo e um preconceito que matam, crucificam, brutalizam e desintegram mulheres negras. Exemplo: Se estou com uma roupa de marca, um bom sapato, vestida de acordo com o formato que o padrão social impõe, vão achar que não pertenço àquele ambiente, causo desconfiança. Se estou no topo comandando, julgam-me como arrogante, problemática, subiu pra cabeça e, quando não, despreparada. Se entro numa grife então, jamais serei a cliente em condições de consumo e sim a vendedora. Se possuo um carro, esse também jamais me pertenceu!
Assim é o preconceito do Brasil, conforme dados divulgados no Geledes. Os casos de violência contra a mulher, na maioria das situações, a vítima é negra em mais da metade das ocorrências. Esses dados reforçam o mundo inseguro em que vivem e justifica o porque ocupam no ranking nacional da cadeia de vulnerabilidade social. Fora os 12 milhões de mulheres que já sofreram algum tipo de ofensa verbal em 2016 – 5,2 milhões foram assediadas e humilhadas publicamente no transporte público; 4,4 milhões sofreram alguma violência física como tapa, chute ou soco; e 1,4 milhões foram espancadas ou sofreram tentativa de estrangulamento. Em 61% dos casos a violência foi praticada por conhecidos. E o pior dos dados: 52% dos episódios silenciaram e nada fizeram.
A maioria das mulheres negras possui em suas memórias as terríveis marcas da opressão avivadas pelo sexismo todos os dias. Rememorar esse dia é reconhecer, descortinar a história das mulheres negras que devem estar no centro do Panteão cultural brasileiro, que infelizmente pouco se conhece sobre nossas heroínas negras: Maria Felipa, Dandara, Zeferina, Luíza Mahin, Carolina de Jesus, Firmina Reis, Laudelina Mello, Tereza de Benguela e tantas outras.
Essas negras trouxeram uma nova ordem cultural que contrapõe a “contracultura” existente e que pulsa pelo respeito, pela solidariedade e pela isonomia nas relações entre homens e mulheres, desde o ambiente doméstico ao ambiente laboral, passando pelos espaços de participação político, acadêmico e cultural, dentre outros.
Romper a “contracultura” consiste na quebra dos paradigmas, superar preconceitos, por fim a todas às formas de discriminação. São esses os contemporâneos desafios, postos para a consolidação de uma nova ordem cultural, cuja base estará fincada na igualdade e na equidade como condição necessária.
Assim, o dia 25 de julho vem como um momento épico para reafirmar a luta por melhores condições. Condições que serão efetivadas quando a sociedade, o Estado e cada uma de nós, formos capazes de entender o sentido, o aspecto e o significado das palavras da embaixadora argentina nas Nações Unidas, Marita Perceval: “¡Negra soy, pero bonita!” dice el Cantar de los Cantares y así digo yo, negra, con ovários”
E eu digo, Salve as Negras Pensantes !
*Tia Eron é deputada federal pelo PRB da Bahia, licenciada da Secretaria de Promoção Social e Combate a Pobreza.
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