A entrevista de Bob King foi respondida por e-mail. Veja a íntegra abaixo:
Congresso em Foco – De que forma a nova realidade mundial, com a economia globalizada e a intensificação das relações entre os países, precariza as relações de trabalho?
Para aumentar seus lucros, um grande número de empresas transnacionais tem conseguido transferir sua produção para lugares onde podem se aproveitar de legislação trabalhista fraca para pagar salários mais baixos, oferecer menos benefícios e solapar a capacidade dos trabalhadores de formar sindicatos fortes. Elas têm conseguido também jogar os trabalhadores de um país contra os trabalhadores de outro. E em alguns países, como os Estados Unidos, elas têm se deslocado para regiões com médias salariais mais baixas e uma cultura política anti-trabalhador e anti-sindical. Em alguns lugares, tais empresas têm usado sua influência política para enfraquecer a legislação trabalhista e ambiental. Nos Estados Unidos, se aproveitando da legislação trabalhista fraca, elas têm conseguido amedrontar os trabalhadores e as comunidades, ameaçando-os com o fechamento e deslocamento de fábricas. Estas táticas de medo têm enfraquecido o poder dos trabalhadores e derrubado o padrão de vida não apenas dos trabalhadores sindicalizados, mas também de comunidades inteiras. É por isso que acreditamos firmemente que precisamos de um movimento global de solidariedade. As empresas de grande porte operam globalmente há algum tempo; é chegada a hora dos sindicatos e movimentos sociais operarem globalmente também. Se uma empresa está violando os direitos humanos em um país, e o direito à livre associação se caracteriza como direito humano, ela deve ser confrontada em todos os países. Assim poderemos ter economias mais justas em todos os países.
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Há alguns casos de trabalhos que já se tornam exemplares no que diz respeito à contratação de mão-de-obra em outros países para atuação mundial, como, por exemplo, os call-centers em inglês, concentrados em países como a Índia. Há outros exemplos parecidos?
Nos Estados Unidos, segmentos inteiros da indústria de transformação saíram do país. Por exemplo, quase não existem mais confecções no país. Todas se mudaram para outros países — frequentemente para baixar custos de pessoal e evitar a sindicalização. O mais comum é que nos novos países as empresas não paguem salários dignos ou permitam o fortalecimento ou mesmo a existência de sindicatos.
Como o problema se dá no caso de produtos manufaturados, como os automóveis?
Empresas estadunidenses fecharam muitas unidades fabris nos Estados Unidos e levaram-nas para países com salários mais baixos como México e China. Quando empresas transnacionais do Japão, Coréia e Alemanha abriram fábricas nos Estados Unidos, elas foram para partes do país com baixos níveis salariais e de benefícios, e com histórico fraco de sindicalização. E quando os trabalhadores tentaram formar sindicatos, estas empresas se valeram da legislação trabalhista fraca dos Estados Unidos, combatendo e derrotando os esforços de sindicalização dos trabalhadores. Isso a despeito dessas mesmas empresas serem sindicalizadas em suas sedes e frequentemente trabalharem bem com os sindicatos em seus países, o que é no mínimo paradoxal. Então no caso dos Estados Unidos, a indústria automotiva que era 100% sindicalizada, hoje tem taxa de sindicalização de 55% nas montadoras e 15% nos fornecedores. Por causa disto, as empresas não-sindicalizadas têm conseguido achatar os salários de todos os trabalhadores industriais e contribuir para a crescente desigualdade nos Estados Unidos. É por isso que um dos objetivos principais do UAW é ajudar os trabalhadores não-sindicalizados empregados por empresas transnacionais nos Estados Unidos que queiram se juntar para ter um sindicato e, assim, uma voz coletiva mais forte em seus locais de trabalho. Devido ao fato de que estas empresas operam em âmbito global, nós temos que construir uma rede global de trabalhadores e aliados para pressionar as empresas a respeitar o direito humano básico dos trabalhadores de se juntarem e formar um sindicato. O UAW está trabalhando em parceria com sindicatos mundo afora para construir essa rede, e em países como o México onde há sindicatos corruptos, pelegos, estamos ajudando os trabalhadores construir seus sindicatos autênticos. Temos o compromisso de apoiar outros sindicatos e trabalhadores que estejam tentando se organizar onde quer que possamos. Também buscamos o apoio de outros sindicatos para a luta dos trabalhadores não-sindicalizadas nos Estados Unidos pela conquista do direito a ter um sindicato.
Que impacto tal realidade está tendo na economia norte-americana?
Nas décadas de 1960 e 1970, cerca de 35% dos trabalhadores nos Estados Unidos eram sindicalizados. Os benefícios obtidos por meio da negociação coletiva estabeleciam o padrão para todos os trabalhadores e ajudavam a fortalecer a economia, com uma numerosa classe média. Como resultado da globalização e de uma estratégia consciente das transnacionais e seus aliados políticos para destruir os sindicatos, hoje somente 7% dos trabalhadores do setor privado estadunidense são sindicalizados. O declínio da representação sindical levou a uma queda da renda e, consequentemente, do padrão de vida de quase todos os trabalhadores do nosso país. Desde a década de 1920 que a desigualdade não é tão pronunciada quanto é hoje nos Estados Unidos. A classe média está desaparecendo rapidamente. Há também uma deterioração na educação e serviços públicos em geral, e na infraestrutura. Este problema é tão sério que nós achamos que a única maneira de impedi-lo e começar a construir uma sociedade mais justa é trabalhando em solidariedade com gente de todo o mundo. Como as empresas transnacionais são globais, a nossa luta por justiça também precisa ser global. A globalização dos interesses do capital, deve ser contraposta a globalização dos interesses dos trabalhadores.
Como impacta em outros países do mundo, como o Brasil?
Não sou especialista em Brasil, mas vejo que o país adotou um modelo diferente para lidar com a crise econômica. Sob a liderança do Presidente Lula e continuando nos dias de hoje, o Brasil vem demonstrando que se pode fazer uma economia crescer em função do aumento do padrão de vida de milhões de pessoas, protegendo os direitos dos trabalhadores de se organizar e negociar coletivamente. As políticas econômicas e sociais do Brasil têm contrastado nitidamente com o modelo de austeridade adotado na Europa e nos Estados Unidos, e a população e economia brasileiras têm prosperado — isto é fato. Mas eu temo que se as empresas tiverem êxito em destruir os sindicatos e enfraquecer o poder político do povo trabalhador nos Estados Unidos, elas quererão exportar este modelo pelo mundo afora. Eu já vejo sinais no Brasil de transnacionais reclamando que os trabalhadores ganham demais e que os sindicatos são um problema. Foi assim que começou nos Estados Unidos há trinta anos. Então eu fico ainda mais convencido de que o resto do mundo tem algo a aprender com o modelo de desenvolvimento econômico do Brasil. A única maneira dos trabalhadores de todo o mundo compartilharem do sucesso das empresas que os empregam é se tivermos um movimento de solidariedade internacional forte, que luta pelo direito dos trabalhadores à sindicalização e à negociação coletiva, que luta por igualdade e justiça para todos. Temos observado que é muito difícil lutar contra empresas transnacionais em um só país de cada vez.
No caso brasileiro, setores muito afetados têm sido os de vestimentas e calçados. Há, de fato, uma concorrência desleal entre países com precarização das relações de trabalho e outros com sindicatos mais fortes e trabalhadores com mais direitos?
Novamente, não sou especialista em Brasil, e não sei grande coisa sobre estas indústrias, mas em termos gerais creio que é possível as empresas crescerem e prosperarem sem tentar constantemente achatar salários e benefícios para os níveis mais baixos possíveis. Isto é uma receita para uma economia fraca e uma sociedade desigual. A nossa tarefa, como movimento sindical global, é ajudar a elevar o padrão de vida dos trabalhadores em todos os países e indústrias, e não permitir que os trabalhadores de um país sejam jogados contra os trabalhadores de outro país, enquanto as empresas realizam lucros enormes. Eu sei bem — a partir de nossas experiências na indústria automotiva dos Estados Unidos — que trabalhadores e sindicatos trabalhando em conjunto com empresas têm como enfrentar tempos economicamente difíceis. Os trabalhadores membros do UAW fizeram grandes sacrifícios para preservar as empresas automotivas estadunidenses — mas eles se dispuseram a isso porque as empresas compartilharam o sacrifício. E quando os tempos melhorarem, nossos membros também compartilharão os benefícios. Este é um modelo que pode funcionar em todo e qualquer lugar — trabalhadores e gestores trabalhando juntos pelo êxito da empresa.
Talvez, porém, os interesses de países desenvolvidos como os Estados Unidos e países em desenvolvimento como o Brasil não sejam idênticos. Nesse sentido, pode prosperar a sua iniciativa de estabelecer uma “globalização do sindicalismo”? Afinal, não foram poucos os momentos em que os próprios trabalhadores norte-americanos pressionaram por atitudes protecionistas do governo para proteger as empresas e os empregos locais na competição com outros países…
As empresas transnacionais têm sido muito eficazes em jogar os trabalhadores de um país contra os trabalhadores de outro país de modo a aumentar seus lucros. É por isso que elas têm conseguido arrochar o padrão de vida dos trabalhadores estadunidenses. É um modelo que não funciona para as pessoas. O UAW formou parcerias globais com sindicatos que representam trabalhadores das mesmas empresas em vários países do mundo. Desta maneira, os trabalhadores de cada país em que a empresa opera se juntam para tratar de uma agenda comum com a empresa. Ao mesmo tempo, podemos defender posições na condição de rede global em nome de trabalhadores que ainda não têm sindicatos em seus países. Os sindicatos brasileiros têm liderado campanhas por redes sindicais mundiais e por acordos globais com as empresas transnacionais. Temos testemunhado isso funcionando na prática, e acreditamos ser essa a única maneira para os trabalhadores alcançarem um senso de justiça ao confrontar empresas globais.
Paralelo a tudo isso, há a crise econômica mundial, que afeta mais os países desenvolvidos e parece dar margem ao crescimento de novas economias, como a chinesa e também a brasileira. Não haverá aí uma janela de oportunidade para esses novos países crescerem? Ou a crise mundial afeta todo mundo?
O Brasil tem se saído melhor que outros países com relação à crise econômica mundial porque não adotou medidas de austeridade e continua a retirar as pessoas da pobreza e a proteger os direitos trabalhistas. Se mais países adotassem tais políticas, creio que a economia mundial estaria em melhor forma do que está agora. Entretanto, como a economia é global, ninguém pode escapar totalmente da desaceleração. O Brasil tem navegado nesses mares revoltos melhor que quase qualquer outro país, mas imagino que se a economia mundial continuar a estagnar o Brasil se verá diante de grandes desafios. E o meu medo é que algumas empresas tentem se valer dessa crise para forçar o Brasil a adotar mudanças que venham a significar uma erosão dos direitos trabalhistas, a causar danos à economia e à prosperidade de longo prazo. Essa é uma das razões pelas quais queremos trabalhar intimamente com sindicatos e movimentos sociais no Brasil e em outros países, continuando a construir o nosso movimento global por justiça. Não queremos que os avanços do Brasil e de outros países se percam por causa da crise econômica.
Em alguns setores – caso, por exemplo, da informática –, os tempos modernos têm possibilitado uma cooperação entre pessoas de vários lugares do mundo ao mesmo tempo. Esse desenvolvimento conjunto de estudos e projetos parece acelerar conclusões e baratear produtos. O senhor considera tal aspecto positivo? Como avalia?
O crescimento da tecnologia, as mudanças na produção e a criação de indústrias completamente novas é fato consumado. A questão é saber se conseguiremos nos ajustar às mudanças e tirar proveito das coisas boas que elas trazem, sem sacrificar a justiça econômica e social. O desafio é como mudamos nossa indústria de transformação e outros setores, ao mesmo tempo nos certificando de que não estamos destruindo as vidas de milhões de pessoas por meio da eliminação de postos de trabalho ou do rebaixamento dos padrões de vida. Trata-se de um desafio de grandes proporções e creio que um fator chave no empreendimento de uma mudança seja que os trabalhadores tenham uma voz, de forma a fazê-la funcionar para todos. O nosso sindicato já se viu obrigado a se ajustar a muitas mudanças tecnológicas em nossa indústria, e com estes processos nós aprendemos muito. Mas também temos visto que quando os trabalhadores não fizeram parte do processo, a mudança tecnológica devastou comunidades e destruiu vidas. Então, ao nos adaptarmos a mudanças, devemos sempre enfocar o impacto sobre os seres humanos, sobre as comunidades e sobre a justiça social — e não apenas a tecnologia.
No Brasil, há um grande debate sobre as relações de trabalho e previdenciárias. Empresários costumam argumentar que a legislação é muito rígida e encarece demais cada posto de trabalho, desestimulando a criação de novos empregos. Sobre a previdência, argumenta-se muito que é necessária uma reformulação em face do aumento da expectativa de vida das pessoas. Como o senhor avalia tais argumentos?
Uma vez mais, não sou especialista em Brasil e não conheço as especificidades do debate. Mas de um modo geral, e com demasiada frequência, as lideranças empresariais reclamam que os empregos custam caro e que as regras são injustas porque querem lucrar mais. Os lucros das grandes empresas nunca foram tão altos e assim mesmo eu ouço as lideranças empresariais reclamando sobre isso. A tendência é que tais argumentos sejam usados para corroer o padrão de vida dos trabalhadores e enfraquecer os sindicatos. A experiência brasileira mostra que quando o setor empresarial, os sindicatos e o governo trabalham conjuntamente, todos podem prosperar. Eu encararia com muito ceticismo qualquer argumento que buscasse debilitar esse princípio.
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