Uma comissão externa da Câmara criada para acompanhar o desenrolar das investigações sobre a execução de Marielle Franco, vereadora do Psol fluminense, e de seu motorista Anderson Gomes exigirá que o diretor-presidente da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), Laerte Rímoli, explique os pedidos de restrição na cobertura do caso feitos nos últimos dias. Como este site mostrou ontem (quarta, 20), dois chefes de reportagem enviaram aos subordinados ordens expressas para que fosse reduzido o noticiário sobre o assassinato, que desde a noite da última quarta-feira (14) movimenta as ruas em diversas cidades brasileiras do Brasil e do mundo.
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Entre sexta-feira (16) e ontem (segunda, 19), ao menos dois e-mails foram enviados a um grupo de jornalistas com ordens expressas contra a veiculação de notícias sobre o assunto. A ideia é evitar, segundo uma das mensagens, que o Psol fizesse uso político da execução. Em outro e-mail, a determinação, dirigida ao trabalho de uma repórter, era para que fosse diminuída a cobertura de manifestações de protesto e homenagem à memória de Marielle, que estariam “repetitivas e cansativas” segundo o remetente – o gerente-executivo da Agência Brasil (uma das subsidiárias da EBC), Alberto Mendonça Coura.
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Apresentado pelo deputado Jean Wyllys (Psol-RJ), o Requerimento de Informações 2/2018 “requer a oitiva do Sr. Laerte Rímoli, Diretor-Presidente da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), para esclarecer esta Comissão sobre a orientação dada pela gerência de redação da Agência Brasil no sentido de reduzir a cobertura jornalística sobre os assassinatos da Vereadora Marielle Franco e do Sr. Anderson Gomes”. Mais cedo, na primeira reunião da comissão de acompanhamento do caso, o parlamentar anunciou que será concebido “uma espécie cronômetro” com os desdobramentos detalhados das investigações.
“Um cronômetro público que vá informando à população o que cada uma das instituições envolvidas na investigação tem de resposta”, informou o parlamentar fluminense, reclamando da disseminação de mentiras sobre Marielle compartilhadas em redes sociais por autoridades como o deputado Alberto Fraga (DEM-DF) e a juíza Marilia Castro Neves, do Rio de Janeiro. Ambos foram alvo de ações no Conselho de Ética da Câmara e no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), respectivamente.
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“A gente não pode esquecer que uma das origens das fake news ou, se não a origem, pelo menos o que impulsionou a fake news a circular foi a publicação de um tuíte de um deputado desta Casa. E outro deputado desta Casa, em entrevista à [rádio] Jovem Pan, tratou com um certo desdém, com desprezo à dignidade de Marielle e sua família, à sua dor, tratou o caso com descaso. Nós, como comissão, temos que pedir ao presidente [da Câmara], Rodrigo Maia [DEM-RJ], que contenha os discursos de ódio contra ela, sobretudo no plenário da Câmara. E a gente sabe que vão se suceder”, lamentou Jean.
Ação e reação
Como reação às imposições da chefia de reportagem, repórteres e editores da EBC resolveram denunciar a situação. Ontem (terça, 20), alguns deles resolveram confeccionar e exibir uma faixa em que se lê: “Não vão nos calar! Marielle presente!” (foto abaixo). Nas redes sociais, profissionais de imprensa se solidarizaram com os colegas da EBC e manifestaram repúdio à conduta da chefia de reportagem, compartilhando conteúdo relativo à linha editorial do grupo de comunicação pública.
“Trata-se de uma clara violação à liberdade de expressão e dos princípios que regem a comunicação pública no país, sendo mais um caso de interferência do governo federal na EBC. Temer tenta desde 2016 acabar com o caráter público da empresa, tornando-a mera assessoria do planalto. Ainda não há data para o depoimento de Rímoli”, manifestou-se mais cedo o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal, que ontem já havia repudiado a postura da empresa por meio de nota.
A reportagem do Congresso em Foco tem recebido relatos sobre restrições impostas aos repórteres e editores desde a troca de comando da empresa, em maio de 2016, quando estava em curso o processo de impeachment da então presidente Dilma Rousseff. Naquele mês, Dilma foi afastada provisoriamente e Michel Temer, então vice da petista e presidente nacional do MDB, assumiu provisoriamente a Presidência da República, onde seria efetivado em 31 de agosto daquele ano. O comando da EBC nega a tese de cerceamento de liberdade jornalística.
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