Deputados e senadores denunciaram nesta segunda-feira (19), nos plenários da Câmara e do Senado, o que classificaram como manobra para promover uma espécie de anistia a candidatos que praticaram caixa dois em campanhas eleitorais, em gestões anteriores. De acordo com as reclamações, o acerto promoveria alterações no Projeto de Lei 1210/2007. Apresentado em maio daquele ano pelo então deputado Regis de Oliveira (PSC-SP), a matéria altera o Código Eleitoral para definir regras sobre “pesquisas eleitorais, o voto de legenda em listas partidárias preordenadas, a instituição de federações partidárias, o funcionamento parlamentar, a propaganda eleitoral, o financiamento de campanha e as coligações partidárias”.
O projeto fixa na legislação eleitoral punição específica e direcionada para o uso de dinheiro em campanhas sem a devida declaração à Justiça, dando margem a todo tipo de jogo de interesses entre parlamentares e empreiteiros – que, não raro, financiam pleitos e depois pedem a aprovação de projetos que beneficiem interesses particulares, como “fatura” a ser paga pelo apoio financeiro dado. Segundo a redação pretendida pelo defensores do projeto, dois objetivos principais estão em jogo: a concessão de anistia por prática de caixa dois até então, valendo-se do princípio de que lei não pode retroagir para prejudicar o réu; e impor uma espécie de freio na Operação Lava Jato, cuja tendência crescente é tipificar como corrupção, sem desvio de conceito, a receptação de recursos não contabilizados legalmente, na Justiça Eleitoral. Assim, na hipótese de aprovação do projeto, os casos já apurados de caixa seriam enquadrados nessa nova legislação, mas sem que fossem definidos como propina e livre de punição, que só valeria para as próximas ocorrências.
A possibilidade de anistia seria enxertada no referido projeto de lei (1210/2007), desengavetado justamente com o propósito de livrar investigados por caixa dois na Lava Jato. O acordo foi costurado por deputados do PSDB e do PP, legenda com o maior número de investigados no petrolão, e causou indignação na maioria dos parlamentares em plenário. Para a sessão, aliás, não houve convocação de deputados com definição da matéria em pauta – a ideia era concluir a tramitação da Lei de Diretrizes Orçamentárias em deliberação do Congresso – ou discussão antecipada sobre os termos do projeto. Diversos deputados alegaram que sequer sabiam o que estava em debate naquele momento.
Por sua vez, o deputado Beto Mansur (PRB-SP), que presidia a sessão deliberativa, argumentou que a proposição foi incluída na pauta de plenário de maneira legítima. E que, havendo quórum para deliberações, o texto poderia ser discutido e votado normalmente. Mansur, que havia suspendido a sessão, reiniciou os trabalhos e pautou a matéria – segundo acerto de “votação casada” fechado com Renan, hoje os deputados votariam a matéria e, amanhã (quarta, 19), senadores a aprovariam por meio de acordo.
O principal temor de deputados interessados na aprovação do projeto é a divulgação da lista, em março, de uma planilha listando mais de 300 beneficiários de recursos ilegais pagos pela Odebrecht, uma das empreiteiras flagradas em contratos fraudulentos com a Petrobras – na quase totalidade, políticos, candidatos e ex-políticos. Executivos da empresa estão em processo de negociação de acordo de delação premiada com os investigadores da força-tarefa, no que é considerada a mais importante colaboração judicial do petrolão.
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Poço de suspeitas
“Está correndo um boato de que esta sessão foi mobilizada para a apresentação de urgência urgentíssima e a votação, hoje ainda, do projeto que anistia o chamado caixa dois de campanha eleitoral. Isso é uma inutilidade”, declarou o decano da Casa, Miro Teixeira (Rede-RJ), um dos críticos do projeto, assegurando aos pares que não haverá votação sem obstrução sistemática. “Nós não estamos aqui para nos lançarmos em um poço de suspeitas. A Câmara não pode ser emasculada por um ato desse tipo!”, acrescentou.
Líder da Rede, o deputado Alessandro Mollon (RJ) engrossou o coro contra a matéria. Segundo Molon (RJ), o objetivo é mesmo a anistia à prática de caixa dois em pleitos eleitorais. “Corre um boato de que uma emenda aglutinativa está sendo preparada para permitir a anistia de caixa dois”, declarou ao microfone, apelando aos colegas parlamentares para que a proposição não fosse votada. Mas um requerimento de retirada de pauta foi posto em votação.
Por seu turno, o deputado Joaquim Passarinho (PSD-PA) disse considerar preocupante que a Câmara analise um projeto de outra legislatura, com mais de sete anos de tramitação, sem um debate adequado. “Como vamos votar uma coisa que ninguém discutiu? Isso não pode! Isso é uma brincadeira!”, protestou Joaquim.
“Paremos por aqui, que isso não vai terminar bem!”, voltou a protestar Molon, diante de uma gritaria geral. “Isso é golpe! Golpistas!”, vociferou Esperidião Amin (PP-SC).
“Isso aqui é um escândalo, um escárnio, uma bandalheira para livrar centenas e talvez milhares de deputados, e de empreiteiros também”, bradou o líder do Psol, Ivan Valente (SP), o primeiro e único a subir à tribuna para discutir a matéria. Diante da revolta geral, Mansur retirou o projeto de ofício, sem precisar que fosse votado o requerimento de retirada de pauta. Naquele momento, a quase totalidade do plenário se manifestava contra a proposição, e Mansur não teve alternativa.
“Retirei o projeto de ofício porque não há acordo em plenário”, anunciou.
“Nós pedimos votação nominal para ficar registrado no painel quem quer anistia a caixa dois, que é crime!”, acrescentou Ivan.
A grita geral foi ouvida e repetida no Senado, onde o líder da Rede, Randolfe Rodrigues (AP), disse que a matéria é um atentado ao conjunto de medidas contra a corrupção encampadas pelo Ministério Público Federal e já em tramitação na Câmara, subscrita por mais de dois milhões de assinaturas. “É a apresentação de um projeto de lei que – pasmem, senhoras e senhores senadores – na prática anistia todos aqueles que cometeram o crime de caixa dois, e criminaliza o caixa dois só a partir de agora. Isso é um verdadeiro acinte, é buscar aqueles que cometeram delitos e fazer, em prol deles, do limão uma limonada. Isso deforma tanto as medidas de combate à corrupção como qualquer iniciativa para banir do país o instituto do caixa dois em definitivo”, discursou o senador.
Preparativos
Mais cedo, com sessão do Congresso (deputados e senadores) convocada, o plenário do Senado chegou a aprovar a medida provisória que recriou o Ministério da Cultura – a pasta havia perdido status nas primeiras decisões do então governo interino de Michel Temer, que se viu obrigado a recuar diante da má repercussão da medida. Depois da votação da matéria e em meio a alguma discussão sobre procedimentos, o presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), anunciou a suspensão da reunião plenária.
O foco se voltou para a Câmara, onde deputados aprovavam o repasse de R$ 2,9 bilhões para o Rio de Janeiro, com o objetivo de cobrir gastos do estado com segurança pública durante os Jogos Olímpicos e Paralímpicos, e se preparavam para votar a anistia ao caixa dois. Mas, para a frustração dos alvos da Lava Jato, o assunto repercutiu mal e deve ser duramente enfrentado quando voltar à pauta.