Na prática, e em resumo, o projeto permite que o Planalto troque a economia prevista anteriormente pelo investimento no PAC e pelas isenções tributárias. Com a alteração orçamentária, o governo deve cumprir sem problemas a nova meta superávit, que é a economia do governo para o pagamento da dívida pública (hoje, a dívida líquida está em 33,6% do Produto Interno Bruto). Para a oposição, trata-se de uma manobra governista para impedir que a presidenta Dilma Rousseff seja enquadrada em crime de responsabilidade, por supostamente ter desrespeitado a Lei de Responsabilidade Fiscal. Deputados e senadores oposicionistas anunciaram obstrução da votação em plenário, a ser realizada pelo Congresso na noite desta terça-feira (25).
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Para tanto, o governo vai ter de garantir o entrosamento de seus atores durante o dia. Do contrário, corre o risco de sofrer nova derrota – como a que foi registrada em 19 de novembro, quando viu o projeto ser rejeitado, mesmo contando com maioria de membros na CMO. Constam da pauta de votações 38 vetos presidenciais pendentes de deliberação, em situação de trancamento das deliberações. Assim, para que o Congresso possa votar o PLN 36/14, é necessário um acordo para acelerar a votação desses 38 vetos e, assim, liberar a pauta para as demais matérias.
Como este site mostrou em 12 de novembro, o governo recuou da ideia de acelerar a aprovação do PLN aceitando a derrubada dos vetos de Dilma, muitos dos quais com conteúdo que significa aumento de gastos para a União. Como os que permitem a criação, fusão e incorporação de municípios. Em duas oportunidades, Dilma rejeitou integralmente as propostas aprovadas pelo Congresso com esse teor, por receio do impacto orçamentário que a proposta poderia gerar. Uma das negativas presidenciais tranca a pauta do Legislativo desde o início do ano.
Na novamente tumultuada votação da CMO, o relator geral do orçamento, senador Romero Jucá (PMDB-RR), defendeu-se por diversas vezes das acusações da oposição, algumas delas aos gritos. “Não estamos aqui desonerando a meta. Estamos ampliando a banda de redução do superávit primário”, defendeu, acrescentando que o projeto significa um “ajuste” nas contas do governo.
Na última sexta-feira (21), o governo se comprometeu, em documento encaminhado ao Congresso, a alcançar R$ 10,1 bilhões de superávit primário. Para tanto, a equipe econômica terá de registrar um abatimento total, no ano fiscal de 2014, de R$ 106 bilhões sobre a meta oficial de superávit. Dizendo que tal abatimento permanece submetido a um teto (a soma dos gastos com o PAC e as renúncias fiscais), ao contrário da versão oposicionista de “cheque em branco” sem limite para o governo, Jucá lembrou que o Congresso já aprovou cinco mudanças de meta fiscal entre 2007 e 2014.
Novo tumulto
Minoritária, a oposição recorreu a todo e qualquer prerrogativa regimental para impedir a aprovação da matéria. Tentou vencer pelo cansaço, por meio de seguidos pedidos de uso da palavra, encaminhamento, verificação de votos e questões de ordem. Mas, depois de alguns tropeços nas últimas semanas, a base aliada conseguiu se mobilizar em torno do projeto.
A sessão transcorreu em meio a tumulto, discussões acaloradas, troca de acusações e ameaças de acionamento do Judiciário. Proibida de entrar na sala de audiências pelo comando da CMO, na Câmara, uma claque bradava palavras de ordem como “vergonha!” – “uma militância paga”, disse o deputado Silvio Costa (PTB-PE), que votou com a base governista, ao pedir aos pares para “dar um carão na oposição”.
“Vocês estão votando hoje para receber ministérios da presidente da República! Veja a que ponto chegou o balcão de negócios do governo!”, bradou o líder da oposição no Congresso, deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO). O oposicionista goiano chegou a ler, no final da sessão, notícia publicada no blog do jornalista Gerson Camarotti (G1/Globonews), na noite desta segunda-feira (24), dando conta de que “aliados condicionam votação de mudança na LDO à definição de ministérios”, segundo o título da reportagem. Para Caiado, a aprovação do projeto se trata de “barganha” por cargos que vai deixar “sub judice” a sessão desta noite.
“Lamentavelmente uma das mais tristes noites da história do Congresso Nacional”, emendou o líder do DEM na Câmara, Mendonça Filho, dizendo que o governo “rasgou a Constituição”, promoveu um “estelionato eleitoral” em relação às contas públicas e desrespeitou a Lei de Responsabilidade Fiscal. “Amanhã, vamos obstruir a votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias.”
Seu colega tucano foi além. “Essa sessão não vai acabar aqui. Deve acabar em algum tribunal, pela forma com que vocês a estão conduzindo. Vocês estão rasgando o regimento”, fustigou Nilson Leitão (PSDB-MT), para quem Jucá, em vez de relator, era o “ditador” da CMO.
Recuo
A exemplo do que já aconteceu no último dia 19, quando o presidente do Congresso, o senador Renan Calheiros (PMDB-AL), cancelou a aprovação do projeto, o comando da CMO anulou a votação da matéria sob protestos da oposição. Presidente do colegiado, Devanir Ribeiro (PT-SP) determinou o reinício do procedimento, ignorando o argumento oposicionista de que não houve discussão de mérito e encaminhamento de bancada.
Na retomada da votação, houve novo debate, agora sobre a apresentação de 39 destaques para votação em separado. A oposição queria votar a maioria dessas emendas individualmente, o que alongaria o período de discussão madrugada adentro. A base governista, então, impôs sua vantagem numérica e conseguiu aprovar a votação dessas emendas “em globo”, ou seja, todas elas agrupadas para receber a rejeição ou o acatamento. Na prática, o agrupamento significou a derrubada dos textos extras – Jucá, obviamente, deu parecer pela rejeição deles.
“Eu nunca vi tamanha agressão ao plenário [da CMO]”, disse o deputado Izalci (PSDB-DF), avisando que vai insistir na apreciação individual de suas emendas no plenário do Congresso. “Temos emendas aqui que podem aumentar a participação dessa Casa [na LDO].” Izalci se dirigiu às telas da TV Câmara, que transmitiam a sessão ao vivo, e exortou a população a comparecer à votação de plenário para protestar contra a ofensiva governista.
A base aliada insistiu na pertinência da matéria. O discurso governista foi de que a situação fiscal brasileira estaria com a situação melhor do que diversos países desenvolvidos. Ex-ministra da Casa Civil, a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), por exemplo, argumentou que o Brasil tem condição fiscal mais organizada do que países como França e Itália.
“Nossos fundamentos fiscais são muitos sólidos. Na América Latina, somos um dos únicos países que praticam há vários anos superávit primário”, lembrou o deputado Claudio Puty (PT-PA).