Frente Nacional dos Prefeitos *
“Brasília, 1º de setembro de 2014.
Prezado (a) Senhor (a),
O Brasil vive um momento político que precisa ser observado sob um olhar diferenciado do habitual. Essa nova conjuntura expressa as transformações sociais e econômicas ocorridas nas últimas décadas. Recentemente, manifestações populares nas cidades mais populosas questionaram a forma de atendimento aos cidadãos pelos serviços públicos, exigindo mais qualidade no funcionamento do Estado.
Essa conjuntura revela um déficit na capacidade de funcionamento do Estado brasileiro, apontando inconsistências da gestão pública e evidenciando a importância estratégica dos governos locais na oferta dos serviços públicos.
Para que sejam oferecidas respostas concretas, estruturantes e republicanas a essa nova situação, e que ao mesmo tempo estimulem o desenvolvimento ambiental, social e econômico de forma sustentável, faz-se necessária uma revisão das relações entre as diferentes esferas de governo configuradas no pacto federativo de 1988.
Os Municípios brasileiros, elevados à condição de entes federados pela Constituição, receberam, simultaneamente, vários encargos que, antes, eram próprios da União e dos Estados. A par das novas atribuições, também foram submetidos por lei a controles e equilíbrios firmes em suas finanças, de maneira que seus gastos não ultrapassem as receitas.
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Nos últimos anos, contudo, a União tem adotado medidas que, mesmo acertadas na concepção, exigem dos municípios recursos não disponíveis para o seu cumprimento, podendo inviabilizar o papel relevante que a Constituição Cidadã lhes reservou.
Ou seja, é preciso equilibrar as atribuições dos entes federados com o financiamento das políticas públicas sob suas responsabilidades e viabilizar mecanismos de coordenação e cooperação da ação estatal.
O desenvolvimento e a execução das políticas públicas do Estado brasileiro têm sido precariamente pactuados entre União, estados e municípios. Existe um descompasso entre a responsabilidade pública municipal e o financiamento da atuação do poder público nos municípios. E esse descompasso tem se intensificado.
Como agravante desse cenário, os prefeitos e seus governos estão sendo submetidos a uma crescente judicialização e criminalização de suas funções. No caso específico dos municípios, o cenário é pernicioso, pois não há no ordenamento jurídico brasileiro qualquer sistema de pesos e contrapesos entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, como os existentes nos casos da União e dos estados.
Assim, ganha significado instituir marco jurídico que ofereça o devido reconhecimento para a atuação das entidades de representação federativa. Ao mesmo tempo, para dar sustentabilidade a uma agenda de inovação em curso, é necessário também constituir marco regulatório que reconheça e sustente juridicamente a cooperação internacional dos governos locais, com o objetivo de compartilhar boas práticas de gestão, além de permitir acesso a financiamento e assistência técnica internacional e efetiva participação nos fóruns de integração regional.
Ademais, considerando que até setembro de 2015 a ONU definirá as metas e os indicadores que comporão os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), defendemos a participação das autoridades locais nesse processo. Estipulada a nova agenda mundial, será indispensável a criação de um programa federal de apoio aos municípios brasileiros para a implementação e monitoramento das ações visando o alcance dos ODS.
Destacamos, por outro lado, que a diversidade, as assimetrias e as desigualdades entre os municípios brasileiros não podem dificultar o processamento da agenda federativa. Pelo contrário, é preciso tratar os municípios desiguais de forma diferenciada. É o caso da agenda dos municípios populosos e com alta vulnerabilidade socioeconômica, conhecidos como g100.
Apesar dos avanços conquistados, é preciso reconhecer que a capacidade institucional dos municípios brasileiros, além de muito desigual, tem frequentemente se mostrado inadequada para oferecer respostas a desafios públicos estratégicos. Recorrentemente diversos municípios apresentam dificuldades como: elaboração e acompanhamento na execução de projetos; planejamento e controle fiscal; gestão de processos e da informação. É preciso construir saídas para o enfrentamento desse desafio, pois as ofertas disponíveis para auxiliar os municípios na superação de tais debilidades institucionais são flagrantemente insuficientes.
A cooperação e a solidariedade entre os entes federados devem prevalecer sobre a disputa federativa predatória, que tem na guerra fiscal – seja entre estados, seja entre municípios – seu exemplo mais emblemático. Da mesma forma, defendemos a promoção de novas culturas de gestão que incentivem a participação social, a transparência, a prevenção e o combate à corrupção, a inovação e a qualidade dos gastos e dos serviços públicos.
Diante disso, prefeitos e prefeitas de todo o país, reunidos na 65ª Reunião Geral da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), nos dias 19 e 20 de maio de 2014, em São Paulo, deliberaram por elaborar e encaminhar essa carta, dirigida a todos os candidatos à presidência da República.
Criada em 1989, no bojo da nova Constituição Federal, a FNP comemorou em São Paulo seus 25 anos. Na ocasião, prefeitos e prefeitas reafirmaram seu elevado compromisso público com a democracia, destacando a defesa incondicional dos princípios da autonomia municipal enunciados pela Carta Magna.
O objetivo da FNP com esta iniciativa é incidir na agenda programática dos candidatos à Presidência da República, elencando elementos para a revisão do pacto federativo, a partir de discussões acumuladas entre prefeitos e prefeitas das capitais, das médias e grandes cidades, dos municípios das regiões metropolitanas, dentre outros. Guardamos expectativa da gentil manifestação dos candidatos a respeito das nossas reivindicações, especificando prazos para o eventual atendimento dos diversos pontos a seguir detalhados.
Além das necessárias e inadiáveis reformas estruturantes para o país, dentre as quais as reformas política, fiscal e tributária, destacamos:
1) Aprimorar o pacto federativo e fortalecer o municipalismo brasileiro
Instalar uma mesa federativa plena (União, estados e municípios) coordenada pela Presidência da República;
Aprovar lei que institua o Comitê de Articulação Federativa;
Promover e aprimorar canais de diálogos federativos permanentes entre os municípios e o executivo federal nas diversas áreas, assegurando a participação das representações dos prefeitos;
Instalar o Conselho de Gestão Fiscal, previsto no artigo 67 da Lei Complementar 101/2000, a LRF;
Estimular a atuação dos Consórcios Públicos e adotar as medidas necessárias que permitam a contratação de operações de crédito por esses arranjos federativos;
Observada a autonomia municipal, conquista democrática da Carta Magna de 1988, promover a articulação da ação pública metropolitana;
Promover a solidariedade entre os entes federados de modo a enfrentar as assimetrias institucionais, sociais e econômicas, objetivando minimizar as diferenças entre os municípios brasileiros;
Criar mecanismos compensatórios emergenciais com o objetivo de diminuir a desigualdade entre os municípios brasileiros, em especial em relação ao g100;
Desburocratizar as relações entre os setores público e privado, sem prejuízo do inafastável rigor na execução dos orçamentos públicos.
2) Mobilidade urbana e de caráter metropolitano:
Garantir investimentos permanentes em infraestrutura para assegurar qualidade, eficiência e barateamento das tarifas para o transporte coletivo motorizado;
Assegurar investimentos permanentes para o transporte público não motorizado;
Instituir o Regime Especial de Incentivos para o Transporte Coletivo Urbano e de Caráter Urbano de Passageiros – Reitup;
Municipalizar a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico – CIDE;
Revisar a legislação que institui o Vale Transporte para elevar a contribuição do setor empresarial no financiamento do sistema de transporte público;
Pactuar fontes de financiamento para as gratuidades e benefícios tarifários para usuários do transporte público.
3) Adotar medidas que garantam o equilíbrio fiscal dos entes subnacionais:
Conforme preconiza a própria LRF, condicionar a entrada em vigor de novas despesas aprovadas pelo Congresso Nacional à indicação clara e precisa das respectivas fontes de receitas, sejam elas relativas à criação de pisos salariais e seus respectivos critérios de reajustes, redução ou alteração de jornada de trabalho, instituição de novas atribuições, dentre outras;
Aumentar a participação dos municípios no bolo tributário nacional, aperfeiçoando os critérios de partilha do Fundo de Participação dos Municípios – FPM;
Aumentar a participação da União nas despesas de custeio da saúde pública;
Repactuar a dívida dos estados e municípios com a União, alterando o indexador e os juros incidentes, retroagindo seus efeitos;
Construir alternativas exequíveis para o pagamento de precatórios que contemplem o direito dos credores e a capacidade de pagamento dos entes públicos;
Atualizar a legislação nacional do ISS e do IPTU, aprimorando a prerrogativa constitucional de arrecadação própria dos municípios;
Promover mudanças na legislação sobre terrenos de marinha e áreas acrescidas (desoneração das taxas, critérios de demarcação e conversão do regime precário de ocupação em aforamento);
Compartilhar informações fiscais com o objetivo de melhorar a arrecadação tributária;
Dessa forma, ao agradecer a atenção dispensada, gostaríamos de contar com Vosso permanente compromisso com a promoção do diálogo democrático entre os entes federados.
Desde já, convidamos Vossa Senhoria para participar da 66ª Reunião Geral da Frente Nacional de Prefeitos, que, a convite do prefeito Jonas Donizette, será realizada em Campinas/SP, nos dias 10 e 11 de novembro próximo.
Atenciosamente,
Frente Nacional de Prefeitos
* A Frente Nacional de Prefeitos (FNP) é composta atualmente por 250 municípios filiados. Esse grupo inclui a participação de 26 capitais brasileiras e de mais de cem cidades de médio e pequeno porte.
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