Bráulio Santiago Cerqueira *
As declarações do assessor especial do Ministério do Planejamento Arnaldo Lima Jr. destacadas na reportagem “Governo não vai aumentar quadros”, da edição de 6 de setembro de 2017 do Correio Braziliense, ensejam alguns contrapontos.
O assessor especial afirma que “não há por que aumentar o quadro de pessoal do Governo Federal, que gira em torno de 650 mil servidores ativos”, uma vez que “o tamanho atual do governo está dentro do que consideramos ideal”. Mas tamanho ideal em relação ao quê? Se o ideal for o quantitativo de servidores federais de meados dos anos 1990, marcados pela reforma gerencialista do Estado, então os números agregados apontam insuficiência de pessoal na ativa. De acordo com o Boletim Estatístico de Pessoal do Ministério do Planejamento, entre 1994 e 2015, o número de servidores civis ativos do governo federal, incluindo os três poderes, cresceu de 654 mil para 716 mil, aumento de 9,4%. Nesse mesmo intervalo, a população brasileira saltou de 156 milhões para 204 milhões de habitantes, aumento de 30%.
Por outro lado, se o ideal corresponder à prestação de serviços públicos na quantidade e qualidade exigidos pela população, em linha com a prática dos países da OCDE de renda mais elevada, os números da força de trabalho revelam que o Brasil ainda possui um longo caminho a percorrer. Considerando as três esferas de governo, estudo da OCDE em 2010 revelava que, no Brasil, os servidores públicos civis ativos, que atendem diretamente a população e respondem pelo funcionamento da máquina pública, representavam 12% da força de trabalho, enquanto que nos países da OCDE – organização a qual o Brasil pretende se integrar – chegavam a 22% da força de trabalho.
Noutra parte da reportagem, o assessor do ministro do Planejamento “lembrou, ainda, que os servidores federais que negociaram reajustes salariais em quatro anos, até 2019, ganharam aumento real em torno de 2%, enquanto os trabalhadores da iniciativa privada tiveram redução de renda”. O dado mais recente, contudo, encobre as perdas reais impostas a estes servidores – que incluem especialistas em gestão de políticas públicas, técnicos do Ipea, auditores federais de finanças e controle, analistas de planejamento e orçamento, dentre outros – entre 2010 e 2016: 19,5%. Daí a assinatura no ano passado com o governo atual, após dois anos de negociações, de acordo plurianual de recomposição parcial dos vencimentos, acordo chancelado em lei pelo Congresso e agora unilateralmente rompido pela administração. Pela medida provisória enviada ao Congresso, as parcelas de reajuste devidas em janeiro de 2018 e janeiro de 2019 serão adiadas em 12 meses, ou seja, o governo atual procura deslocar para o próximo governo o cumprimento de um acordo que ele mesmo não cumpriu.
Por fim, sobre a limitação do salário de entrada do servidor com nível superior a R$ 5 mil, o assessor especial justifica a medida por meio da comparação com o setor privado: “A formação dos nossos servidores é mais em administração, direito, economia e contabilidade. E o salário inicial dessas pessoas no setor privado é menos que R$ 5 mil.” No entanto, omite-se que R$ 5 mil correspondia ao salário de entrada nas carreiras típicas de Estado em 2003, e que entre aquele ano e hoje a inflação acumulada foi de 137%. Além disso, desconsideram-se as especificidades do trabalho no serviço público federal em atividades de alta complexidade e responsabilidade, e a idade média de ingresso do servidor no governo federal, mais elevada que a do primeiro emprego no setor privado.
Debater e ouvir a população, como recomenda o assessor do Planejamento no caso dos servidores, é necessário – ainda que seja essa a prática do governo em tantos outros temas de interesse do país, como na aprovação do novo regime fiscal que congela o gasto público por 20 anos reduzindo a oferta de serviços básicos em saúde, educação e assistência, na aprovação da terceirização e da reforma trabalhista que precarizam o emprego, nas privatizações anunciadas etc. Mas também importa informar, e não apenas desinformar, a opinião pública, assim como honrar a palavra, os acordos, as leis e a Constituição Federal.
* É auditor federal de finanças e controle e integrante do Sindicato Nacional dos Auditores e Técnicos Federais de Finanças e Controle (Unacon Sindical).
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Nada que se relacione às mazelas do serviço público deve ser levado em consideração e tratado com respeito, se não se trouxer à discussão a mais infame, mais clamorosa injustiça representada pela diferença drástica de remuneração entre áreas (órgãos? Poderes?) envolvendo servidores do mesmo nível de qualificação em áreas diferentes e até mesmo igualdade de remuneração entre agentes de qualificação e responsabilidades diferenciadas, dentro de um mesmo setor. A institucionalização de servidores de 1ª, 2ª e 3ª categorias enxovalha o sistema político. frauda o contribuinte e engana o cidadão. O soturno silêncio autorrepressivo sobre o assunto, principalmente nos meios de comunicação, traduz um verdadeiro tabu, se não um mecanismo de defesa coletivo ante a vergonha e a repugnância de um problema que, enquanto não equacionado, ainda que a prazo, haverá de sempre solapar a legitimidade do sistema político-administrativo como um todo, tornando impossível um mínimo de lealdade por parte da maioria do funcionalismo.