No Executivo, o ano de estréia da primeira mulher a comandar a Presidência do Brasil será lembrado pela queda recorde de ministros (sete, seis dos quais substituídos após denúncias). No Judiciário, 2011 começou com a frustração causada pelo adiamento da Ficha Limpa e terminou com um cenário de guerra declarada entre os magistrados por conta da atuação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). No Legislativo, o corporativismo que absolveu a deputada Jaqueline Roriz (PMN-DF), flagrada recebendo dinheiro de um esquema de corrupção, arrefeceu as esperanças que costumam cercar todo início de legislatura. Problemas não faltaram para os três Poderes em 2011.
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Mas não deixe se enganar por essas lembranças. O ano foi produtivo no Congresso, embora pouca gente tenha percebido. Esta é a avaliação de quem acompanha os bastidores da Câmara e do Senado há quase três décadas, o analista político Antônio Augusto de Queiroz. Diretor de Documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antônio Augusto afirma que a surpresa positiva ficou por conta da qualidade das leis aprovadas por deputados e senadores.
“Apesar da percepção generalizada do fraco desempenho do Congresso, os avanços foram muitos e significativos, tanto nos campos econômicos e regulatórios, quanto na transparência da gestão e na área social”, observa. “Foi o ano dos contrastes. O Congresso continuou sendo visto como desimportante. Mas votou políticas públicas de maior significado”, acrescenta.
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Para o diretor do Diap, o Congresso produziu bastante, em quantidade e qualidade. Mas isso não foi devidamente passado pela imprensa à opinião pública. Na área econômica, viraram lei, por exemplo, a política permanente de recuperação do salário mínimo, a constituição da empresa individual de responsabilidade limitada, a política de atualização da tabela do Imposto de Renda e o programa de inclusão digital com incentivos fiscais para a produção dos tablets.
Depois de uma longa batalha com a oposição, o Planalto conseguiu prorrogar por mais quatro anos a vigência da Desvinculação de Receitas da União (DRU), mecanismo que permite ao governo federal aplicar livremente, sem obrigação de investimento em determinados setores, 20% das receitas previstas no orçamento. A emenda constitucional, promulgada no último dia 21, permitirá ao governo manejar livremente R$ 63 bilhões.
Também no final do ano, o Planalto venceu a oposição na queda de braço pela regulamentação da chamada Emenda 29, que prevê mais recursos para a saúde. A oposição queria que o percentual de investimento mínimo fosse 10%, conforme a proposta original. O texto aprovado não definiu aumento de taxa mínima para a União (permanecem os 7% atuais) e manteve os números impostos a estados (12%) e municípios (15%) para investimento na saúde.
No campo da regulação, avançaram propostas de aperfeiçoamento do sistema econômico, como o Cadastro Positivo, a ampliação e correção do Supersimples, a criação do Sistema de Defesa da Concorrência (SuperCade) e a nova Lei da TV a Cabo. Na área social, o Congresso aprovou, por exemplo, a certidão negativa de débito trabalhista, o aviso prévio proporcional de até 90 dias, a inclusão previdenciária do microempreendedor individual e das donas-de-casa, o Minha Casa, Minha Vida II e o Programa Nacional de Acesso Técnico e Emprego (Pronatec).
Na área da transparência e controle da gestão, foram aprovadas a Lei Geral de Acesso à Informação, a Lei da Comissão da Verdade, destinada a apurar violações aos direitos humanos entre 1964 e 1988, especialmente durante a ditadura militar.
“Pauta negativa”
Mas essa agenda positiva ficou encoberta pela “pauta negativa” da imprensa e da própria oposição, avalia Antônio Augusto de Queiroz. “São leis extremamente importantes com reflexo de modo positivo na vida das pessoas. Mas o que prevaleceu foi isso: você tem dez gestos positivos e um negativo. O negativo se sobrepôs ao positivo”, entende.
Conduzidos pelo noticiário e sem pauta definida, os oposicionistas foram os grandes derrotados neste primeiro ano do governo Dilma, avalia Antônio Augusto. E, se não corrigirem o rumo, correm o risco de se esvaziarem cada vez mais.
“O PSDB e o DEM enveredaram pelo caminho do denuncismo. Isso trouxe enorme prejuízo à oposição. Ela se anulou, seja numericamente, porque diminuiu drasticamente a bancada, seja ao não colaborar no aperfeiçoamento de políticas públicas. A oposição não criou CPI e não se apresentou como alternativa real de poder. Foi um enorme tiro no pé. Cometeu exageros e ficou a reboque da mídia”, critica.
Vitórias de Dilma
Sem uma oposição consistente, a presidenta Dilma conseguiu sair-se vitoriosa no Congresso em seu primeiro ano de mandato, segundo o analista político. Para Antônio Augusto, a petista fez concessões para atender a aliados, mas não cedeu a chantagens, e fechou 2011 sem sofrer nenhuma derrota significativa no Parlamento. Mesmo assim, não conseguiu fazer avançar as reformas política e tributária, anunciadas como prioritárias em seu discurso de posse.
“A derrota de que falam no Código Florestal na Câmara ainda pode ser revertida agora, quando os deputados voltarem a analisar o projeto. Além disso, ela tem poder de veto”, observa o analista. A presidenta ficou contrariada com a aprovação na Câmara de dispositivos que garantem anistia a desmatadores, transfere para os estados poderes ambientais e autorizam plantações e criações em áreas de beiras de rios (APPs). Como sofreu alterações no Senado, o texto volta à Câmara em 2012.
“Diferentemente da época do Lula, não há nada que evidencie que ela tenha cedido a chantagem. Ela não cedeu dentro dos limites que o presidencialismo de coalizão permite. Fez concessões a setores da base, mas transigiu bem menos do que os presidentes anteriores, de José Sarney para cá”, avalia.
Incompreensão
Para Antônio Augusto, a sensação de que o ano foi pior do que realmente se apresentou também embaça a imagem que ficou dos outros dois Poderes. “O STF será lembrado por ter enterrado a Ficha Limpa, mas também tomou decisões importantes em relação à liberdade de imprensa, ao reconhecimento de união civil, à regulamentação de direito constitucional. No Executivo, o que ficou evidente foi a queda reiterada de ministros, mas não se considerou o fato de que o governo acertou ao antecipar a retomada da queda de juros de olho no crescimento da economia em 2012”, considera o analista.
Para ele, parte do problema está no desconhecimento generalizado do papel das instituições. “Isso é uma tragédia do ponto de vista da cidadania”, afirma.
Polêmicas da Copa
Além do novo Código Florestal – defendido por ruralistas e atacado por ambientalistas -, outra proposta causou grande polêmica no Congresso. Foi a medida provisória que estabelece regime diferenciado para as licitações relacionadas a obras da Copa do Mundo, da Copa das Confederações e da Olimpíada de 2016.
Como antecipou o Congresso em Foco, o Ministério Público foi ao Supremo Tribunal Federal (STF) questionar a legalidade da lei. Uma nota técnica de um grupo de trabalho de procuradores avaliou que a norma, bancada pelo governo de Dilma Rousseff para apressar as obras para os eventos esportivos, permitia “graves desvios de verbas” e superfaturamentos.
O procurador geral da República, Roberto Gurgel, ajuizou uma ação direta de inconstitucionalidade dizendo que a lei não esclarece corretamente os objetos da obras, uma porta aberta para subjetivismos. O Ministério Público viu ilegalidades na criação da Lei 12.462/11 e pediu ao Supremo que, liminarmente, suspenda a norma.
O Ministério Público ainda criticou o fato de que, a rigor, qualquer coisa poderá ser considerada obra da Copa e das Olimpíadas. Para isso, bastará o desejo do Poder Executivo, já que a Lei 12.462/11 dá margem para que todo empreendimento seja considerado necessário aos dois eventos esportivos. O STF, porém, não se manifestou sobre o assunto até o momento.
O Congresso também não conseguiu desatar outro nó relacionado à organização da Copa do Mundo. A chamada Lei Geral da Copa acabou tendo sua votação adiada para o início de 2012. A proposta enfrenta resistência da Fifa, que pressiona para que o governo brasileiro arque com qualquer prejuízo de segurança e fatos alheios aos jogos.
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