Istoé
O valerioduto ainda opera
O publicitário Marcos Valério é considerado um dos maiores arquivos vivos da história recente do País. Acusado de ser o operador do esquema de corrupção que escoou milhões em recursos públicos para o caixa de partidos e políticos, Marcos Valério certamente é, entre os 38 réus do processo do mensalão, o que teria mais a revelar. No entanto, nos últimos sete anos, apesar de ter sido preso, desmoralizado publicamente e vivido às voltas com processos de cobrança na Justiça de uma dívida de pelo menos R$ 83 milhões, Valério manteve-se em silêncio.
Novas investigações, que correm em sigilo, e o cruzamento de contratos públicos feitos por ISTOÉ indicam que Marcos Valério segue faturando alto, operando de forma mais discreta com a ajuda de novos intermediários e empresas. Uma das principais conexões do Valerioduto, segundo o MP, é a empresa T&M Consultoria, que pertence ao advogado Rogério Tolentino, velho amigo, ex-sócio, um dos réus do mensalão e parceiro de Marcos Valério nos esquemas de corrupção. Documentos em poder do Ministério Público de Minas Gerais indicam que, apesar de não serem mais sócios formais, Valério e Tolentino dividem os lucros das consultorias e serviços prestados pela T&M a empresários interessados em vencer licitações em órgãos públicos.
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O Ministério Público investiga os passos de Marcos Valério em outras fontes também. Segundo um procurador que pede anonimato, o publicitário tem se movimentado para operar ainda nos setores de petróleo e construção civil, de olho principalmente na reforma de aeroportos, como o de Confins. Prospecta igualmente oportunidades de negócios com a Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016.
Karina a testemunha esquecida
Em junho de 2005, a então secretária Fernanda Karina Somaggio revelou pela primeira vez os nomes e o papel de cada um dos principais envolvidos no esquema do mensalão. Ela trabalhava nas agências de Marcos Valério e em entrevista concedida à revista ISTOÉ Dinheiro relatou como José Dirceu, Delúbio Soares, Sílvio Pereira e José Genoino, dentre outros, se relacionavam com o publicitário. Afirmou ter visto malas de dinheiro saindo do escritório da SMP&B, em Belo Horizonte, para os vários destinos indicados pelos líderes petistas. Na Polícia Federal e na CPI dos Correios, Karina reafirmou o que dissera à revista e seus depoimentos foram fundamentais para a descoberta do modus operandi do valerioduto. Na tarde da quinta-feira 2, enquanto milhões de brasileiros assistiam pela tevê ao início do julgamento do mensalão, no interior de São Paulo, Karina acompanhava os debates no STF sem muito entusiasmo. “Isso não vai dar em nada”, disse, incrédula.
Pena imediata
Desde que o processo do mensalão caiu em suas mãos para ser relatado, o ministro Joaquim Barbosa passou a alimentar uma única certeza: os 38 réus do maior escândalo de corrupção da história recente do País só seriam julgados se o caso tivesse prioridade sobre os milhares de ações que tramitavam no Supremo Tribunal Federal. Para isso, foi necessário mudar a rotina processual, alterar ritos e driblar a burocracia jurídica tão bem explorada pelos advogados de defesa. Nesse caminho, Barbosa foi acusado de atropelar a lei e jogar para a plateia, ao se submeter à pressão da sociedade. Agora, o ministro prepara uma nova cartada polêmica. Vai propor que a sentença contra quem for condenado seja cumprida imediatamente. Isso significa que ao término do julgamento, que começou na quinta-feira 2, os réus poderiam ser surpreendidos com o cumprimento de mandados de prisão em suas residências, onde hoje assistem às sessões da corte confortavelmente pela tevê.
PGR pede condenação de 36 réus do mensalão
O pelego que parou o país
O presidente do Movimento União Brasil Caminhoneiro (MUBC), Nélio Botelho, detém uma tradição. A cada 13 anos, ele encabeça uma ação que paralisa o País. Da sede do MUBC, disparou, com a ajuda de seu staff, milhares de mensagens eletrônicas conclamando os companheiros a pararem as rodovias brasileiras no dia 25 de julho. Enquanto selava, em Brasília, um acordo com o ministro dos Transportes, Paulo Sergio Passos, na terça-feira 31, ele já tinha parado as principais vias de ligação do País e os motores de 80% da frota nacional de caminhões.
Tamanho sucesso das investidas de Nélio Botelho, segundo lideranças do setor, explica-se pela sua proximidade com os patrões. O próprio Nélio não esconde a relação. “Existe interesse patronal, sim. Mais de 75% deles estão a caminho da falência com a situação atual. Estão nos apoiando”, diz. “As empresas pararam mais de 50% dos seus caminhões”, complementa. Botelho justifica que o setor vive um período tão conturbado que exige a união dos dois lados.
Passado contestado
No fim de semana que antecedeu o início do julgamento do mensalão, o ex-ministro José Dirceu se recusou a participar de uma solenidade destinada a festejar um período obscuro de seu passado. O ato público, convocado por organizações de esquerda, pretendia relembrar o Movimento de Libertação Popular (Molipo), um grupo formado por 28 exilados brasileiros que treinavam guerrilha em Cuba nos anos 70. Dirceu, que era um deles, achou mais prudente evitar a aparição pública. Além do ex-ministro, só há mais dois sobreviventes do Molipo: o juiz aposentado Sílvio Mota e o mestre-de-obras, também aposentado, Otávio Ângelo. Todos os demais foram mortos pela repressão quando retornaram ao Brasil. Sílvio Mota, contemporâneo das andanças cubanas de Dirceu, acha que o ex-companheiro fez bem em evitar as homenagens: “Ele nunca combateu de verdade”, diz Mota.
Sílvio Mota sente-se à vontade para desconstruir a imagem combativa do petista em sua passagem pela ilha de Fidel Castro. Ele guarda na memória a figura de um militante indisciplinado e cheio de privilégios. Segundo Mota, enquanto os integrantes do Molipo participavam dos exercícios militares pesados, Dirceu levava uma boa vida, protegido por autoridades cubanas. “Ele preferia passar seu tempo nas salas de cinema”, conta. José Dirceu refugiou-se em Cuba em 1969, depois de ter sido preso no Congresso da UNE, em Ibiúna, no interior de São Paulo, e trocado pelo embaixador americano Charles Elbrick. Em pouco tempo, tornou-se íntimo do então presidente do Instituto Cubano de Arte e Indústria Cinematográfica, Alfredo Guevara, amigo de Fidel Castro. De acordo com o relato de Mota, Dirceu passou, então, a se aproveitar dos poderes de seu protetor para fugir do treinamento guerrilheiro. “Dirceu era indisciplinado. Não combateu no Molipo, como também não havia combatido na ALN (Aliança Libertadora Nacional) no Brasil”, diz Mota.
Época
Onze juízes em nome do Brasil
As atenções dos brasileiros se voltam, desde a última quinta-feira, dia 2 de agosto, para nove homens e duas mulheres sentados em volta da mesa em “U” do plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), na Praça dos Três Poderes, em Brasília. Em circunstâncias normais, os 11 representantes de toga da instituição máxima da Justiça no país despertam pouco interesse na população. Circulam incógnitos pelas ruas sem ser reconhecidos. Desde a semana passada, eles se transformaram em estrelas do mais peculiar, complicado e simbólico julgamento da história do Supremo. Pelo número e relevância dos réus, pelo volume das investigações e pela complexidade das denúncias, o julgamento do mensalão supera todas as decisões anteriores do STF. Os brasileiros acompanham pela televisão o destino dos envolvidos com o maior escândalo político da história recente do país.
Os 11 escolhidos para decidir o destino dos 38 réus do mensalão percorreram caminhos distintos e sinuosos antes de chegar ao momento máximo da carreira. A começar por quem os indicou – cinco presidentes da era democrática do país. Dos atuais integrantes do STF, dois foram indicados por Dilma Rousseff, seis por Luiz Inácio Lula da Silva, um por Fernando Henrique Cardoso, um por Fernando Collor de Mello e um por José Sarney. No cargo, alguns se comportam em sintonia com seu padrinho. Outros repelem o estabelecimento de sintonia com os presidentes.
Uma observação atenta da biografia dos ministros do Supremo permite concluir que eles formam um colegiado eclético também na origem e na formação profissional. Dos 11, três nasceram no Rio de Janeiro, uma em Porto Alegre e os outros sete em cidades do interior. Pelo critério de naturalidade, representam as cinco regiões brasileiras. Entre eles, estão juízes de carreira, advogados e integrantes do Ministério Público. Há um ex-petista, um ex-assessor do governo Collor e um amigo da família do ex-presidente Lula.
Como a acusação do mensalão foi montada
No começo da manhã de 13 de julho de 2005, uma quarta-feira que mudaria a história política do Brasil, uma equipe da Polícia Federal invadiu o prédio de número 380 na Avenida João Azeredo, em Belo Horizonte. Funcionava ali o arquivo do Banco Rural; começava naquele momento o dia mais difícil da carreira daqueles sete delegados e agentes. Pesava sobre eles a responsabilidade de encontrar e apreender os documentos que comprovariam o recém-descoberto esquema do mensalão. Com papéis, havia mensalão. Sem papéis, havia somente as palavras iracundas de Roberto Jefferson – o deputado do PTB que confessara como o governo do PT comprara os partidos da base aliada no Congresso.
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