IstoÉ
Agora, José Dirceu
Em cinco semanas do julgamento do mensalão, com 23 sessões que somaram 200 horas, o Supremo Tribunal Federal já definiu muita coisa sobre o escândalo político denunciado sete anos atrás. Com os votos proferidos até agora, os ministros do STF mostraram que o esquema de corrupção foi abastecido com dinheiro público e que uma “sofisticada organização criminosa” se valeu de empréstimos fictícios no Banco Rural e recorreu a esquemas de lavagem de dinheiro para esconder seus delitos. Três réus foram condenados por gestão fraudulenta, oito por lavagem de dinheiro e em cinco casos o Tribunal entendeu que os acusados cometeram crimes de peculato e corrupção passiva. Agora, a partir desta semana, chegou a vez de mirar o chamado “núcleo político” do mensalão identificado pela Procuradoria-Geral da República. Ou seja, é a hora H para uma turma de homens públicos liderados, conforme a acusação, pelo ex-todo-poderoso ministro da Casa Civil do governo Lula José Dirceu. Depois de descrever como funcionava o conluio do mensalão, os ministros do Supremo vão mostrar quem mandava nele. De início, o Tribunal vai tratar do pagamento de propinas a políticos da base aliada do governo. Nesse capítulo, Dirceu será julgado por corrupção ativa.
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Só na última semana do julgamento, o STF partirá para o crime de formação de quadrilha. A sistemática que vem sendo adotada no julgamento e o conteúdo dos votos dos ministros do STF não favorecem José Dirceu. Pelo contrário. Seguindo a eficiente estratégia de “fatiar” o julgamento, proposta pelo relator, ministro Joaquim Barbosa, o Supremo aceitou os principais pontos da tese da denúncia. Com o processo analisado por capítulos, cada condenação acabou dando lógica e suporte ao julgamento do item seguinte. Por isso, na semana passada, pela primeira vez, Barbosa já vinculou Dirceu ao repasse de dinheiro do esquema, influenciando também os demais ministros. Como se vê, seu futuro não parece nada alvissareiro.
O horizonte sombrio da provável condenação já é admitido pelo próprio José Dirceu em conversas com amigos e advogados. Ele acredita até na possibilidade de ser preso. Para não se abater por completo, no entanto, o ex-ministro tem intensificado articulações para buscar saídas e se manter ativo politicamente no PT. Ele ainda é influente no partido e nunca deixou de ter poder no governo. No mês passado, por exemplo, apesar de toda a exposição negativa de seu nome, Dirceu fez movimentos para emplacar aliados em postos-chaves da administração federal. Entre eles o cobiçado cargo de secretário-executivo da Secretaria de Comunicação da Presidência da República. Recentemente também indicou afilhados políticos para os setores de energia, telecomunicações, transporte e fundos de pensão. A maioria dessas tentativas, no entanto, foi em vão. Apesar de manter uma boa relação no plano pessoal com o ex-ministro, a presidenta Dilma Rousseff não quer Dirceu influenciando seu governo. “Há alguns ministros que já nem retornam suas ligações”, diz um aliado do petista.
A perda de espaço de Dirceu no governo faz parte de um processo de esvaziamento de poder que começou no início do governo Dilma e se intensificou nos últimos meses. Técnicos do PT confirmaram à ISTOÉ que o total de funcionários do primeiro ao terceiro escalão, considerados da cota de Dirceu, caiu de aproximadamente 1,5 mil indicados para menos de mil. A derrota mais recente do ex-ministro no coração do poder em Brasília foi a tentativa dele de colocar um apadrinhado no posto de secretário-executivo da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, comandada pela ministra Helena Chagas. Com a aposentadoria da funcionária de carreira do Banco do Brasil Yole Mendonça, Dirceu procurou emplacar o deputado André Vargas (PT-PR), secretário de Comunicação do PT. Fez isso de olho na gestão dos milionários contratos de publicidade institucional do governo. Mas fracassou. Helena Chagas prefere negar a ofensiva. “Garanto que ele nunca me telefonou ou fez qualquer tipo de gestão”, disse ela. Vargas, por sua vez, saiu pela tangente. “Houve um buchicho de que eu queria o lugar da Yole, mas estou feliz como deputado”, afirma. “Defendo a frente parlamentar de mídia regional. Faço um debate, mas não para participar do governo.” O cargo, por desejo de Dilma, foi entregue a Roberto Messias, um técnico.
Unidos contra o código penal
A proposta do novo Código Penal que começou a ser discutida há três meses no Senado trouxe ao cenário político a possibilidade de, finalmente, o País punir crimes praticados na internet, enriquecimento ilícito e uso da máquina pública para eleger candidatos. Propostas inovadoras como estas, destinadas a modernizar uma norma em vigor há mais de 72 anos, correm forte risco, no entanto, de serem barradas por uma guerra de poder entre os parlamentares. Bancadas de vários tipos se articulam nos bastidores contra artigos do projeto que consideram danosos aos próprios interesses e aos setores que representam. A bancada evangélica é a principal opositora ao projeto. Ao travarem uma luta contra o avanço da discussão sobre o aborto e a eutanásia, além do enquadramento da homofobia como crime, congressistas evangélicos ameaçam impedir a votação da reforma do código. A primeira manobra já está em curso. Orientados por parlamentares como o deputado Anthony Garotinho (PR-RJ) e o senador Magno Malta (PR-ES), integrantes da bancada lotaram o debate do texto original de emendas e forçaram a prorrogação dos prazos para a análise do projeto.
Os ruralistas também fazem lobby contra o projeto. A bancada quer impedir a aprovação da proposta que transforma trabalho escravo em crime hediondo e a que isenta o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) de crimes de terrorismo. Outro grupo de parlamentares resiste especialmente ao artigo que prevê o fechamento de empresas que tenham cometido crime contra a economia popular. A norma atingiria grandes empresários e financiadores de campanha política. “Essa mobilização e o número de emendas apresentadas, por certo, vão adiar os prazos iniciais sobre a tramitação”, resume o relator do projeto na comissão especial, Pedro Taques (PDT-MT). O plano original do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), de ver a votação concluída ainda neste ano tende a se inviabilizar. A movimentação de lobbies não surpreende o presidente da Comissão de Juristas que elaborou o anteprojeto da nova lei, ministro do Superior Tribunal de Justiça Gilson Dipp. “Fizemos uma proposta ousada e as reações eram esperadas. Admitimos a possibilidade de que as divergências adiem a aprovação de alguns temas”, diz.
O telemarketing de Bezerra
Em meio às eleições municipais, o ministro da Integração, Fernando Bezerra, deu de ombros à orientação do Palácio do Planalto e extrapolou os limites da legislação eleitoral para se engajar de maneira escancarada na campanha de seu filho Fernando Coelho (PSB) à Prefeitura de Petrolina. Nos últimos dias, de posse de um poderoso banco de dados com os números de telefone de toda a cidade pernambucana, com população de 293 mil habitantes, a campanha do deputado licenciado Fernando Coelho contratou uma empresa de telemarketing para disparar telefonemas. Nas gravações, a voz que aparece é a de Fernando Bezerra. Ele se apresenta como ministro da presidenta Dilma Rousseff e pede votos garantindo que, com a família no poder, Petrolina terá vez e voz no governo federal. “Eu sou Fernando Bezerra, ministro do governo Dilma e três vezes prefeito de Petrolina. Estou colocando o nome do meu filho Fernando Coelho Filho à disposição de vocês.” Até mesmo um dos cinco ramais do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) da cidade tocou com a ligação do ministro pedindo votos. A prática contraria frontalmente a lei eleitoral. Nas eleições deste ano, o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Rio de Janeiro analisou denúncia de abuso do poder econômico na utilização do telemarketing e chegou à conclusão de que a compra de banco de dados para ligar para eleitores que não forneceram os dados espontaneamente é irregular.
A hora da verdade de Marta
Desde que deixou a Prefeitura de São Paulo em dezembro de 2004, após perder a reeleição para o tucano José Serra, Marta Suplicy trabalha para recuperar o seu fôlego político. Alçada a ministra do Turismo no governo Lula, teve uma gestão discreta, não condizente com a sua trajetória. Como senadora eleita em 2010, fazia um mandato comum, apesar de ocupar a vice-presidência da Casa, até a última semana. Na quinta-feira 13, porém, Marta recebeu oficialmente uma nova chance para voltar a figurar entre as principais estrelas petistas. Passou a integrar o primeiro escalão da presidenta Dilma Rousseff, substituindo no Ministério da Cultura a desgastada Ana de Hollanda. O principal desafio de Marta Suplicy será saber usar o seu capital político para conseguir atrair recursos e solucionar problemas de um ministério que sempre sofreu pela escassez de verbas para investimento. Nesse cenário, a sorte dela e da pasta estão intrinsecamente ligadas. E, como se pôde depreender das primeiras ações de Marta, a petista sabe que chegou a hora da verdade para ela.
Antes mesmo de assumir o cargo oficialmente das mãos de Dilma Rousseff, Marta Suplicy se movimentou para mudar o panorama da Cultura no País. Na quarta-feira 12, trabalhou nos bastidores para que os colegas de Senado desengavetassem e aprovassem por unanimidade em dois turnos a Proposta de Emenda à Constituição que cria o Sistema Nacional da Cultura. A ex-prefeita de São Paulo era relatora da proposta. O texto foi aprovado e seguiu para promulgação da presidenta da República. Trata-se de uma antiga reivindicação do setor. Além de ampliar progressivamente os recursos investidos em projetos culturais, o projeto organiza a gestão de políticas públicas da área em diferentes esferas de poder. No mesmo dia, Marta conversou reservadamente com os colegas de partido na Câmara dos Deputados e pediu para que acelerassem a votação de outra medida de incentivo considerada primordial pela classe artística: o vale-cultura. Idealizado na gestão Lula e até hoje no papel, a proposta prevê que trabalhadores da iniciativa privada, servidores públicos e estagiários recebam um auxílio mensal de R$ 50 dos empregadores para irem a shows e peças. A intenção é que a proposta seja aprovada até o fim do ano.
Os filhos do preconceito
Aos 6 anos de idade, a assistente social Maria Teresa da Silva Oliveira, hoje com 56, sofria com um pesadelo recorrente. Ela se via como espectadora em uma sala de parto de um hospital, onde uma mulher gritava de dor enquanto pessoas de branco, unidas por cordas, se aglomeravam ao redor dela. A cena, que na época não passava de um tormento noturno para a pequena Teresa, hoje poderia ser interpretada como a única memória que ela guarda da mãe biológica. Separada da progenitora logo após nascer, ela foi adotada aos quatro meses de vida por outra família, na qual cresceu sem saber sua origem. Apesar da consciência de que era filha adotiva, há apenas oito anos, após confrontar o irmão de criação, ela pôde finalmente conhecer parte de sua história. Batizada originalmente como Maura Regina, Teresa é filha de uma portadora de hanseníase (doença também conhecida como lepra) que vivia internada em um hospital-colônia no interior do Estado de São Paulo. Para sua surpresa, sua trajetória se assemelha à de milhares de brasileiros que, entre 1920 e 1980, foram brutalmente retirados dos braços de suas mães doentes e enviados para internatos onde faltavam comida e afeto, mas sobravam maus-tratos. Agora, essa população que cresceu marginalizada, sofrendo com a desestruturação familiar e a falta de oportunidades, busca uma reparação do governo brasileiro.
Época
Dinheiro na mão (do PP) é vendaval
Aos 64 anos, o pernambucano Pedro Corrêa exibe um currículo roliço. Foi deputado federal por quase três décadas e chefiou o Partido Progressista (PP), o partido de Paulo Maluf, por cinco anos. Fez de tudo em Brasília, até ser dedurado pelo colega Roberto Jefferson, do PTB, no escândalo do mensalão. Corrêa era presidente do PP no começo do governo Lula, em 2003, e negociou a venda do partido ao governo. Por meio do valerioduto, Corrêa e seus correligionários receberam R$ 4,1 milhões para fechar com o PT e o Palácio do Planalto. Corrêa foi cassado, seus direitos políticos foram suspensos até 2014 e ele virou réu no processo do mensalão. Sumiu de Brasília. Voltou a Pernambuco, onde gasta o que amealhou na vida política – a experiência gerencial, bem entendido – tocando uma locadora de carros, sua fazenda, administrando a Associação Brasileira dos Criadores de Cavalo Pônei e cuidando do mandato da filha, Aline, deputada federal que integra a direção do PP. Mesmo de longe, porém, Corrêa ainda tem seu peso na cena política brasileira.Nesta semana, o ministro Joaquim Barbosa, relator do mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF), pediu a condenação de Corrêa por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. Um dia depois, o ministro revisor, Ricardo Lewandowski, também condenou-o por corrupção passiva – embora o tenha absolvido por lavagem de dinheiro. No mesmo dia, Corrêa apareceu em outro processo. A presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministra Cármen Lúcia, enviou à Polícia Federal, ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas da União cópias de um relatório em que Corrêa surge como um dos responsáveis por sumir com R$ 20,1 milhões em dinheiro público – uma verba do fundo partidário recebida pelo PP para custear suas atividades, entre 2000 e 2005.Esses recursos desapareceram quando Corrêa presidiu o PP. O valor corresponde a um terço de tudo o que o PP recebeu do fundo partidário entre 2000 e 2005. O dinheiro deveria ser usado para bancar custos básicos de manutenção das legendas, como aluguel de escritórios, despesas com telefone e salários de funcionários. No caso do PP, ao que parece, o dinheiro do mensalão não era suficiente – o valor desviado soma cinco vezes o total recebido do valerioduto. Nas mãos de dirigentes de um partido que tem entre suas estrelas o ex-prefeito Paulo Maluf (SP) – apontado pela Justiça como responsável por desviar cerca de R$ 200 milhões de obras públicas –, dinheiro é vendaval.
O rombo começou a ser descoberto pela Receita Federal em 2007, ao examinar, por amostragem, as contas de seis partidos políticos. Os auditores depararam com um verdadeiro manual de como desfalcar dinheiro público (leia o quadro). Os dirigentes do PP usaram documentos falsos. Usaram notas frias. Usaram notas emitidas por empresas fantasmas. Os auditores perceberam que muitas notas fiscais tinham números em sequência – indício claro de fraude. Descobriram também que a caligrafia de s uma mesma pessoa aparecia em notas fiscais que teriam sido dadas por 28 empresas. As notas fiscais de 34 das fornecedoras do PP foram preenchidas na mesma máquina. Essas evidências grosseiras levaram a Receita a crer que as despesas foram criadas pelo partido para forjar gastos e sumir com o dinheiro.
ONG que trata usuários de crack é acusada de desviar verba
Um dos mais controversos programas de combate ao crack completará um ano e meio de atividade. Adotado pela prefeitura do Rio de Janeiro, em maio de 2011, como resposta ao avanço de uma epidemia com graves impactos sociais, é o único no país que prevê internação compulsória de menores viciados. O caso do Rio conta com o apoio do governo federal e é apontado como inspiração para programas de combate ao crack em todo o Brasil – país que lidera o consumo de cocaína fumada no mundo, segundo uma pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).Boa parte dos recursos municipais destinados ao programa está indo para a conta de uma ONG suspeita de superfaturar compras e de não executar parte dos serviços, de acordo com o Tribunal de Contas do Município (TCM) e com fiscais da própria prefeitura. A gravidade das suspeitas levou o Ministério Público do Rio de Janeiro a instaurar um inquérito para investigar o caso. A ONG chama-se Casa Espírita Tesloo. Fundada em 2002 por Sergio Pereira de Magalhães Junior, um PM reformado, com sede em Magalhães Bastos, na Zona Norte do Rio, tornou-se a principal parceira da prefeitura carioca na área social. A entidade administra três dos quatro abrigos municipais usados para o acolhimento compulsório de viciados, mas sua atuação vai além do crack. Desde 2005, a Tesloo assinou convênios que somam R$ 80 milhões. Pelo menos metade já foi paga à entidade. Essa profícua parceria com o Poder Público não aparece na página da ONG na internet. Nela, lê-se que toda doação é bem-vinda, pois a Tesloo diz que não recebe “nenhum subsídio garantindo a continuidade dos serviços por nós prestados à comunidade”.
A semana em que Joaquim Barbosa falou sozinho
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Dá para ter amigos de verdade na era do Facebook?
A internet e as redes sociais estão tornando as amizades superficiais? Para responder a essa pergunta, a escritora americana Arlynn Presser, de 51 anos, optou por uma solução radical: conhecer pessoalmente, um a um, todos os seus 325 amigos virtuais. Ela tomou a decisão ao terminar um casamento de 23 anos, no mesmo momento em que vivia a síndrome de “ninho vazio” – seus dois filhos, Joseph, de 23 anos, e Eastman, de 19, haviam saído de casa para iniciar a vida de adulto. “Eu me senti desconectada de minha família e percebi que dependia de meus amigos do Facebook”, disse Arlynn a ÉPOCA. “Mas quem eram aquelas pessoas? Seriam amigos de verdade, mesmo que eu não os visse com frequência ou, em alguns casos, sem nunca tê-los conhecido pessoalmente?”. De janeiro a dezembro de 2011, Arlynn deixou a pequena Winnetka, município de 12 mil habitantes no Estado americano de Illinois, e viajou por 51 cidades em 11 países. Em seu périplo, fez 45 voos, encontrou 292 amigos e superou um terrível inimigo interior – Arlynn sofre de um distúrbio de ansiedade que, nos últimos anos, a impedira de sair de casa. Ela reencontrou colegas dos tempos de escola e conheceu cara a cara seus adversários nos jogos virtuais. Alguns “amigos” não acharam tempo para Arlynn. Um exigiu que ela fosse sozinha a sua casa. Arlynn recusou. No balanço, diz que a experiência foi enriquecedora: “Senti-me muito próxima de algumas pessoas, mas percebi que sempre fica uma distância imposta pela internet”.
Veja
Mensalão: agora, Lula se cala – e o PT fica desnorteado
Na edição passada, uma reportagem de VEJA revelou com exclusividade parte das confissões feitas pelo empresário Marcos Valério, o operador financeiro do mensalão, sobre as engrenagens do maior escândalo de corrupção política da história do país. Além de confirmar a participação decisiva no suborno a parlamentares dos petistas José Dirceu e Delúbio Soares, que figuram como réus no processo em curso no Supremo Tribunal Federal (STF), Valério implicou o ex-presidente Lula no esquema — e no papel de protagonista. Valério diz que Lula era o verdadeiro comandante da organização criminosa denunciada pelo Ministério Público. Afirma que a quadrilha do mensalão contava com um caixa de 350 milhões de reais, o triplo, portanto, do valor identificado pela Polícia Federal. Além disso, ressalta que desde a eclosão do escândalo, em 2005, teve Paulo Okamotto como interlocutor no PT. Amigo do peito e pagador de contas pessoais do ex-presidente da República, Okamotto era fiador de um acordo que previa a impunidade em troca do seu silêncio. O empresário desabafou: “Não podem condenar apenas os mequetrefes. Só não sobrou para o Lula porque eu, o Delúbio e o Zé não falamos”.
Valério sempre ameaçou relatar em detalhes o funcionamento do mensalão. E sempre foi contido – segundo contou a pessoas próximas – pela promessa do ex-presidente e do PT de ajudá-lo na Justiça. Esse acordo se manteve de pé até o início do julgamento no STF. Já condenado por corrupção ativa, peculato e lavagem de dinheiro, crimes que podem resultar numa pena de mais de 100 anos de prisão, Valério resolveu compartilhar seus segredos com um grupo seleto de confidentes. A revelação dessas conversas por VEJA desnorteou o PT, conforme mostra reportagem publicada na edição desta semana. Lula, um notório entusiasta do debate em público, preferiu o silêncio ao ser confrontado com as novas informações. Não rechaçou o que Valério contou nem tentou desqualificá-lo. Dirceu e Delúbio seguiram o chefe. Não foi à toa. Segundo aliados, Lula não quer desafiar Valério, que não teria mais nada a perder. Além disso, teme que o empresário revele mais detalhes se provocado. Rebatê-lo agora, sem saber do arsenal à disposição de Valério, seria uma estratégia de altíssimo risco. A palavra de ordem é não comprar briga com o pivô financeiro do mensalão. Contra-ataques, só em cima dos alvos de sempre, aqueles aos quais os petistas recorrem, como uma conveniente muleta, toda vez que são pilhados em irregularidades.
Essa estratégia foi seguida à risca. Na segunda-feira, o PT divulgou uma nota conclamando a militância para “uma batalha do tamanho do Brasil” – no caso, a defesa do partido e do ex-presidente. O texto não faz menção às confissões de Valério. Ou seja: não explica do que Lula deve ser defendido. Na quinta-feira, outra nota foi publicada. Ela retoma a tese de que o mensalão e seus desdobramentos não passam de uma conspiração urdida pela oposição e por setores da imprensa para tirar o PT do comando do país por meio de um golpe. Esse golpe seria alimentado com a divulgação de denúncias sem provas. Quais denúncias? A redação petista não teve coragem, de novo, de citar as confissões de Valério, providencialmente esquecido. Fala de uma “fantasiosa matéria veiculada pela Revista Veja”. Fantasiosa, por ora, só a nota do PT. Ela foi elaborada pelo presidente da sigla, Rui Falcão. Em seguida, ele ligou para os presidentes de cinco partidos e pediu-lhes que subscrevessem o texto. Não se tratou de uma solidariedade espontânea. Muito pelo contrário. O presidente do PMDB, senador Valdir Raupp, assinou sem ler e nem sequer consultou seus correligionários — entre eles, o vice-presidente da República, Michel Temer. “Não concordo com a nota, mas não podia recusar um pedido do presidente Lula”, revelou um dos signatários.
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