Com a entrada em vigor da Lei de Acesso a Informação, há quase dois meses, era de se esperar que os órgãos públicos estivessem mais atentos às novas regras, e sobretudo, se mostrassem mais abertos à nova cultura da transparência. No entanto, a situação nos municípios brasileiros é preocupante. Um levantamento inédito, realizado pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e divulgado com exclusividade pelo Congresso em Foco, mostrou que, de 133 cidades com mais de 200 mil habitantes, apenas 16 foram capazes de responder a um simples pedido de informação.
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Para fazer o Mapa do Acesso 2012, a mesma pergunta foi feita a todas as prefeituras e ao Distrito Federal: quem são, quanto recebem e que cargos ocupam todos os funcionários que foram indicados pelo poder Executivo local. São pessoas que estão em postos de chefia, direção ou assessoria, e que não precisam, necessariamente, fazer concurso público para assumir o cargo. Elas são indicadas e podem ser exoneradas a qualquer momento.
As cidades que responderam foram: Brasília (DF), Londrina (PR), Cariacica (ES), Caucaia (CE), Sorocaba (SP), Serra (ES), São Carlos (SP), Florianópolis (SC), Blumenau (SC), Novo Hamburgo (RS), Belo Horizonte (MG), Taubaté (SP),Campinas (SP), Curitiba (PR), Caxias do Sul (RS) e Porto Alegre (RS).
Segundo a coordenadora do projeto, Ivana Moreira, a lei é apenas um passo. “A luta de toda a sociedade brasileira agora é no sentido de fazer a lei pegar, ou seja, pressionar os governos para quem cumpram as novas regras”. Ela já esperava que os municípios demonstrassem dificuldade em responder à pergunta. “A experiência do Mapa do Acesso nas edições anteriores mostrou que a esfera municipal é sempre a de respostas piores. Enquanto no nível federal já existe um comprometimento com a política de transparência, nos municípios, mesmo na capital, não existe nem a cultura nem o investimento nas ferramentas que facilitam o acesso”, disse ao Congresso em Foco.
PublicidadeO que impressionou, porém, foram as respostas para as negativas. “Apesar de não termos nos surpreendido com os números, as alegações para não prestar as informações é que foram chocantes. Isso é preocupante porque mostra que o agente público não trabalha em prol do cidadão. Existe uma cultura de controle da informação. Como se o governo fosse uma instituição privada que só presta satisfação aos seus acionistas – no caso, os membros do próprio governo”, disse.
Proibidos pelos prefeitos
Alguns secretários e assessores chegaram a dizer que tinham consciência sobre a nova legislação que preza pela transparência, mas que estavam proibidos pelos prefeitos de passar tais informações. Segundo registrou o levantamento, a prefeitura de Betim, em Minas Gerais, informou que, em ano de eleição, a informação requerida não podia ser prestada sem antes ser dada uma explicação ao secretário sobre como e qual a necessidade de divulgar tais dados.
Já um secretário da prefeitura de Gravataí, no Rio Grande do Sul, trocou e-mails com uma das pessoas que ajudaram no levantamento dizendo estar “realmente curioso em saber (sic) para que vão lhe servir os nomes [escrito em caixa alta] de pessoas que residem tão longe do alcance de tal rádio”. Em Petrópolis, no Rio de Janeiro, foi informado que o levantamento de todos os servidores da prefeitura demoraria um ano e que tal solicitação poderia ser feita novamente no final deste ano, quando “talvez” já fosse possível responder ao pedido.
As prefeituras foram questionadas em dois momentos. No primeiro, foi informado que os dados solicitados seriam usados em reportagem. No segundo, foi dito que as informações seriam utilizadas para consolidar o levantamento. De acordo com a Abraji, a metodologia adotada é uma forma de perceber se os órgãos públicos entendem que o acesso a informação é um direito de todos ou se fornecem o que foi pedido de acordo com a finalidade do uso de tais dados.
As respostas consideradas satisfatórias foram aquelas em que os órgãos realmente enviaram planilhas com as informações requeridas. Grande parte das administrações, no entanto, omitiu o nome dos funcionários, que foram identificados apenas pelo número de matrícula. Também foram consideradas satisfatórios os casos em que a prefeitura já havia publicado os dados em seu site ou em seu Portal da Transparência.
A informação não vem mastigada
Mesmo no caso das cidades que a Abraji considerou que responderam à pergunta solicitada, a resposta não veio necessariamente com o grau de detalhamento e clareza ideal. Nada como uma lista única contendo nome, cargo e remuneração completa, no formato recomendado pela presidenta Dilma Rousseff no decreto que regulamentou a Lei de Acesso. A prefeitura de Novo Hamburgo (RS), por exemplo, possui todas as informações pedidas, mas não num único arquivo.
Em ponto destacado da página inicial do site de Novo Hamburgo, no alto da coluna à esquerda, há com destaque um link para a Lei de Acesso à Informação. Ali, além de detalhes sobre a lei, há explicações ao cidadão sobre como pode fazer um pedido de informações. No canto direito da página inicial, há um link, também destacado para o Portal da Transparência. E, ali, numa coluna à esquerda, encontra-se o link para todas as informações sobre a folha de pessoal da prefeitura. Mas elas estão em quatro arquivos diferentes. Um tem a lista de todos os servidores municipais. Outro tem a lista de cargos com seus respectivos salários. Um terceiro define o padrão salarial de cada carreira. E o último as vagas ocupadas. Para, portanto, saber quem são os funcionários e quanto cada um deles ganha é preciso cruzar os dados das quatros listas.
É relativamente fácil, porém, saber, de acordo com as informações, que o prefeito de Novo Hamburgo, o petista Tarcísio Zimmermann, recebeu R$ 16,5 mil por mês para administrar a cidade.
Histórico do mapa de Acesso
Este é o quinto Mapa do Acesso que a Abraji realiza, e o primeiro durante a vigência da Lei de Acesso a Informação. Os objetivos dos estudos são medir o grau de acesso a informação no país e verificar a aceitação da legislação vigente como argumento.
Os levantamentos são sempre realizados em duas fases. Na primeira, as informações que deveriam ser de domínio público são solicitadas por um repórter sem mencionar o estudo. Na segunda fase, as mesmas informações são novamente solicitadas, exceto se já tiverem sido respondidas anteriormente. Neste momento, os pesquisadores informam que elas embasaram um estudo da Abraji e citam a legislação vigente.
Em 2007, a associação questionou 120 órgãos dos três poderes no âmbito estadual. Apenas 5,8% dos órgãos responderam completamente. Outros 40% enviaram respostas parciais e mais da metade não respondeu nada. A região Sudeste foi a menos transparente, sendo que no Rio de Janeiro nenhum dos órgãos atendeu à demanda. No Nordeste, todos os estados deram algum tipo de resposta.
No ano seguinte, o estudo abarcou os poderes Executivo e Legislativo das 26 capitais. Ao todo, 52 órgãos foram contatados. Foram solicitados os salários dos prefeitos e secretários municipais, além da relação dos vereadores e chefes de gabinete. Foi pedido também o valor gasto com verba de representação nos últimos quatro anos nas câmaras e nas prefeituras. Neste caso, mais de 85% dos órgãos não respondeu.
Em 2009, a Abraji quis saber quem eram os ocupantes de cargos efetivos e comissionados com os respectivos salários na Presidência da República, na Câmara dos Deputados e no Senado, no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça. Apenas o STF respondeu de forma completa ao questionamento. A Presidência informou parcialmente suas informações e os demais órgãos não deram qualquer tipo de resposta.
Em 2010, os poderes Executivo e Legislativo estaduais voltaram a ser testados devido a entrada em vigor da Lei Complementar 131, conhecida como Lei da Transparência, que obriga União, estados e municípios com mais de 100 mil habitantes a divulgar informações sobre a execução orçamentária. Foram questionados os valores gastos com diárias de viagem pagas ao governador e aos titulares das secretarias, os valores gastos com publicidade pela Secretaria de Governo e o quanto se gastou com verba de representação de parlamentares. Todos os dados foram pedidos no período entre 2007 a 2009. Mesmo com uma lei mais específica em vigor, 60% não respondeu e o restante deu respostas incompletas.
No ano passado, as secretarias de Segurança Pública e de Justiça também voltaram a ser testadas. Foram perguntados quantos detentos estavam nas unidades prisionais e o quanto se gastou com cada uma das unidades, durante os anos de 2007 a 2010. Mais da metade dos estados, 14 deles, deram respostas insatisfatórias. Os outros, simplesmente ignoraram as solicitações.
O Mapa do Acesso 2012 será apresentado neste sábado (14) no 7º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo, em São Paulo.
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