Em 2009, o Senado foi sacudido por uma das mais fortes crises da sua história. O escândalo dos atos secretos revelou a existência de uma estrutura inchada, pouco eficiente, cheia de privilégios e caixas-pretas, que consome mais de R$ 3 bilhões do orçamento da União a cada ano. Combalida e acuada, naquele ano a instituição reconheceu seus erros e, no esforço para recuperar sua imagem, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), encomendou à Fundação Getúlio Vargas dois estudos, que custaram R$ 250 mil cada um. Nos estudos, a FGV recomendou a extinção de várias diretorias, um profundo enxugamento da estrutura funcional e vários outros cortes. Uma subcomissão de senadores, no âmbito da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), foi criada para implementar a reforma, tendo como relator o senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES). Quase três anos se passaram do escândalo e do anúncio da contratação da FGV e nada de concreto foi até agora feito no Senado. Mais grave: ao contrário das recomendações sugeridas, a reforma patina. Mais grave ainda: em vez de enxugar a estrutura e diminuir os gastos, o Senado aumenta as suas despesas.
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Dadas as dificuldades em implementar restrições à estrutura institucional, senadores envolvidos com a reforma demonstram desânimo e resignação – e mesmo indignação – diante da chance de obter avanços.
Chateado com o esforço até agora perdido, e com a pressão que sofreu dos servidores mais antigos – “e poderosos” –, o relator do projeto aprovado em julho no âmbito da subcomissão especial, Ricardo Ferraço (PMDB-ES), Ferraço recorreu à música para traduzir o que se passa na chamada Câmara Alta. “É uma Casa que só tem cacique, não tem índio, não é? Na prática, tem-se uma estrutura moldada para beneficiar essa corporação, em lugar de beneficiar o interesse da população brasileira. É como aquela música que fala do ‘avesso do avesso do avesso’. Ou como o enredo do cachorro que balança o rabo. No Senado, é o rabo balançando o cachorro”, metaforizou o senador. “O avesso do avesso do avesso” é uma imagem criada por Caetano Veloso na letra de sua canção “Sampa”.
“Acho profundamente constrangedor que nada tenha sido feito. Esse tema está presente na agenda do Senado já há alguns anos. Lamento profundamente. E procurei, como relator, fazer o que podia ser feito. Nosso relatório sinaliza economia da ordem de 150 milhões de reais ao ano, muito em linha com esse momento que nós estamos vivendo, de crise global conjuntural, que exige economia e austeridade”, lamentou Ferraço, referindo-se à manutenção – e, em alguns casos, à ampliação – das despesas, enquanto a reforma em curso tenta estabelecer o contrário.
Perdendo oportunidades
Mesmo decepcionado, Ferraço insiste na reforma e diz que o Senado precisa servir de referência aos demais níveis do Legislativo, como modelo de gestão institucional. “Estamos perdendo a oportunidade de nos tornarmos referência. Mas acho precipitado falar em frustração”, acrescentou, garantindo ter a “promessa” do presidente da Comissão de Constituição e Justiça, Eunício Oliveira (PMDB-CE), e do relator da matéria depois da subcomissão, Benedito de Lira (PP-AL), de que o parecer a ser votado, que teria sido entregue na última sexta-feira (9) a Eunício, entraria em pauta amanhã (quarta, 14). “Pode ser que eu tenha a oportunidade de ver essa matéria tramitando na quarta-feira. No plenário… Bom, nada é difícil no Senado quando há vontade política”, diz ele, para sem seguida constatar desanimado: “Mas não vai dar”.
Opinião semelhante tem Randolfe Rodrigues (Psol-AP), membro da CCJ e crítico recorrente dos gastos excessivos. “A ideia de reforma administrativa tem de ter coerência. Obviamente, se ocorreram atos que vão no sentido contrário ao que está previsto na reforma, acho até que esses atos devem ser anulados”, ponderou Randolfe à reportagem, acrescentando que a reforma tem de ser discutida e aprovada “o quanto antes”.
“O relatório [à espera de deliberação na CCJ] vai no sentido de reduzir os gastos no Senado, que é uma medida necessária para disciplinarmos e moralizarmos o funcionamento da Casa.”
Esqueleto
Presidente da subcomissão da reforma, o senador Eduardo Suplicy (PT-PE) informou ao site ter conversado sobre o assunto com o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), em 29 de novembro. Segundo o petista, Sarney demonstrou vontade de que o projeto de reestruturação entre logo na pauta de votações do plenário e tenha sua tramitação concluída. “Ele nos disse que também queria votar essa matéria o mais rapidamente possível. E que inclusive estava recebendo pressão para fazer isso logo”, informou Suplicy, esclarecendo em seguida a dúvida da reportagem sobre os responsáveis por tal pressão. “A imprensa”, disse.
O que diz a reforma administrativa
Confira o projeto de reestruturação apresentado no site do Senado
Ficou acertado que o texto a que se refere Randolfe seria apresentado e incluído na pauta da CCJ até 10 de dezembro (Benedito de Lira deve fazer isso hoje). Foi o que garantiu à reportagem o próprio Benedito, membro suplente do colegiado a quem coube a relatoria do projeto. Ele diz não acreditar que o presidente do Senado esteja na contramão da reforma.
“Não tenho informações a respeito disso. Ele [Sarney], no exercício de presidente da Casa e da Mesa Diretora, é evidente que tem que cuidar das ações administrativas do Senado. Lógico que, com a reforma pronta e aprovada pelo plenário, ele vai ficar preso. Não ele, mas a Mesa vai ficar presa ao que estabelecer o projeto de reforma”, observou o senador alagoano, para quem a FGV e o relatório do senador Ricardo Ferraço aprovado na subcomissão ainda não são determinantes – logo, o dispêndio estaria justificado.
“O presidente do Senado não está cometendo equívocos, muito menos crimes. Existe apenas uma informação da Fundação Getúlio Vargas, existe um relatório do senador Ricardo Ferraço, mas ainda não tem uma lei, uma resolução aprovada pelo plenário. À proporção que o plenário aprovar [o projeto de reforma], logicamente todos nós – e não apenas o presidente, mas a Mesa Diretora, os senadores da República e os servidores da Casa – seremos orientados pelo que estabelecer a resolução”, disse Benedito, adiantando que os cortes na megaestrutura vão acontecer.
“Não tenha dúvida disso. Temos por obrigação zelar pelo bom nome e pela dignidade do poder Legislativo brasileiro”, acrescentou o senador, para quem é preciso “dinamizar a administração da Casa e priorizar o que é fundamental para o país”.
Já o presidente da CCJ, Eunício Oliveira, disse também ter se reunido com Benedito e Sarney para discutir o assunto – e de lá saíram com um “compromisso de pauta” para que o relatório fosse apressado, pedido do próprio Eunício ao colega Benedito. “Eu tenho um compromisso comigo mesmo de tirar esse esqueleto da minha gaveta o mais rapidamente possível”, declarou o peemedebista, adiantando que a matéria terá pedido de urgência, “por alguns senadores”, para votação “imediata” em plenário. “Não tem mais o que ser debatido. Essa matéria não é nem dessa legislatura. Já estamos há nove meses com esse relatório, e a comissão não gastou um centavo com contratação de consultorias.”
Correligionário de Sarney, Eunício diz acreditar que o texto em trâmite na CCJ alcançará seus objetivos, mas sem que para isso a comissão precise recorrer à “ficção e ao estardalhaço” para ganhar “um espaço a mais ou uma manchete” na imprensa, com sugestões inexequíveis. “Não sou daqueles que prometem fazer para tirar o proveito daquilo que prometem e não fazem”, declarou o parlamentar cearense eleito em 2010, para quem é “hipocrisia” a conjectura, por exemplo, sobre gastos com carros oficiais.
“Eu não concordo com essa hipocrisia. Na empresa se faz isso, no negócio se faz isso, no banco se faz isso. Por que não esta Casa ter condições dignas para aquelas pessoas que nela trabalham? O que estamos fazendo é uma readequação na Casa – não posso compreender que uma decisão para ser tomada aqui precise passar em dez, seis, cinco departamentos”, emendou Eunício, lembrando que não se trata de extinguir determinados privilégios, mas de enxugar os excessos.
“Esperamos um relatório equilibrado. Ele não será para perseguir ninguém – funcionários da Casa, concursados, os mais humildes, ou os terceirizados. O que precisamos é dar uma sacudida no Senado, mostrar para a sociedade que, ao chegarmos nesta legislatura, desejamos que esta Casa seja mais ágil, menos burocrática, que tivesse um número de diretores adequado ao funcionamento. E que extinguíssemos várias vantagens que, do ponto de vista da gestão, não estavam adequadamente organizadas”, finalizou Eunício, dizendo-se ainda favorável a uma “sacudida” na megaestrutura, que repare “distorções” como excesso de burocracia e cargos comissionados.
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