Quase 125 anos após a Lei Áurea, o Brasil ainda não se livrou de seus senhores nem de seus escravos. Nunca tantos nomes figuraram no cadastro de empregadores flagrados explorando trabalhadores em condições análogas à escravidão, atualizado na virada do ano pelo Ministério do Trabalho. Com a inclusão de 52 novos empregadores, subiu para 294 o número de pessoas físicas e jurídicas que fazem parte da chamada “lista suja” do trabalho escravo – um recorde desde que a relação foi criada, em 2004.
Quem entrou agora para a lista suja
Veja aqui a lista com os 294 nomes da lista suja
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Apenas contra os novos empregadores pesa a acusação de ter submetido 1.175 pessoas à escravidão, com trabalho degradante e privação da liberdade, em 14 estados de todas as cinco regiões do país: Pará (9), Mato Grosso (8), Minas Gerais (8), Paraná (5), Rondônia (4), Maranhão (4), Espírito Santo (3), Goiás (3), Santa Catarina (3), Alagoas (1), Amazonas (1), Rio de Janeiro (1), São Paulo (1) e Tocantins (1).
Fazem parte da nova relação usineiros, madeireiros, fazendeiros, empresários urbanos, empreiteiros e políticos. Enquanto estiverem na lista, os infratores ficam impedidos de obter empréstimos em bancos oficiais do governo e sofrem restrições para vender seus produtos para grupos empresariais que assumiram o compromisso de não comprar de fornecedores incluídos no cadastro, por meio do Pacto Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo. As restrições valem por pelo menos dois anos, período no qual os infratores serão monitorados.
O chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo, Alexandre Lyra, atribui a ampliação da “lista suja” ao aumento e ao aperfeiçoamento das fiscalizações. “Não é um número completo. É um retrato do momento, que mostra que o processo está mais descentralizado e efetivo. Também estamos mais ágeis para fazer as autuações, as inclusões e as exclusões dos nomes da lista”, explica.
Para ele, o cadastro é eficaz e preocupa os empresários e fazendeiros infratores mais até do que os processos na Justiça. “A lista provoca a não tomada de crédito. Os empregadores estão mais preocupados com isso do que com a própria tipificação do crime”, observa o representante do Ministério do Trabalho.
Usina e hidrelétrica
O empregador acusado de explorar maior número de trabalhadores, entre os novos integrantes da lista, é a Usina Santa Clotilde S/A. A empresa alagoana foi autuada em 2008 pelo Ministério do Trabalho, sob a acusação de explorar 401 trabalhadores numa propriedade da usina no município de Rio Largo (AL). Em segundo lugar, vem outra usina, a Paineiras S/A. Os fiscais do trabalho liberaram 81 pessoas na Fazenda Paineiras, do mesmo grupo, em Itapemirim (ES).
O cadastro também traz uma empreiteira envolvida na construção da hidrelétrica de Jirau, em Rondônia. Contratada pelo consórcio Energia Sustentável do Brasil (Enersus), a Construtora BS foi autuada por submeter 38 trabalhadores a condições análogas à de escravo na obra, estimada em R$ 10 bilhões, no Rio Madeira.
Políticos
Pelo menos dois políticos fazem parte dos 52 novos empregadores relacionados no cadastro do governo federal, como mostra o site da ONG Repórter Brasil. Edmar Koller Heller foi flagrado em 2010 explorando mão-de-obra escrava em um garimpo na Fazenda Beira Rio, que fica em Novo Mundo (MT), a 800 km de Cuiabá. Ele se elegeu prefeito de Peixoto de Azevedo (MT) em 2000 pelo PFL (hoje DEM). Mas foi cassado em meio a denúncias de desvio de verba pública e contratação ilegal de pessoal e de veículos.
Também faz parte da nova lista um ex-secretário municipal de Meio Ambiente. Evanildo Nascimento Souza foi autuado por manter nove trabalhadores em condições degradantes quando ocupava a pasta no município de Goianésia do Pará (PA). Eles eram usados no corte e na queima da madeira para produção de carvão na propriedade do próprio secretário do Meio Ambiente.
Rãs na água
Um dos empregadores incluídos na lista, Lindenor de Freitas Façanha foi autuado após os fiscais do Trabalho libertarem cinco trabalhadores em sua fazenda de gado de corte no interior do Maranhão. O resgate ocorreu em 13 de maio de 2010, dia em que a abolição da escravatura completava 122 anos. A água consumida pelos trabalhadores era infestada de rãs, como registraram os fiscais. Na época, há três meses sem receber salários, eles se alimentavam apenas de arroz misturado com folhas de vinagreira, limão e pimenta. O salário pago era de R$ 120, menos de um quarto dos R$ 510 do piso nacional praticado naquele ano.
A atualização da “lista suja” também traz quem é acusado de submeter menores de idade ao trabalho escravo. Dos 23 trabalhadores resgatados numa fazenda arrendada por Wilson Zemann, de Rio Negrinhos (SC), 11 tinham entre 12 e 16 anos de idade. Além de riscos de contaminação por agrotóxicos, provocados pela falta de equipamentos de proteção individual, as vítimas enfrentavam precariedade e jornada exaustiva.
Caminho da lista
O cadastro foi criado pelo Ministério do Trabalho em 2004. A inclusão do nome ocorre após a conclusão do processo administrativo, quando não cabe mais recurso dentro do próprio ministério contra a fiscalização. Os nomes são mantidos ali por, ao menos, dois anos. Nesse período, os infratores são monitorados. Na nova atualização, apenas dois nomes foram retirados do cadastro: Dirceu Bottega e Francisco Antélius Sérvulo Vaz. Os nomes só são retirados se, nesse intervalo, o infrator passar a cumprir as obrigações trabalhistas e não voltar a cometer o delito.
“No curso da ação fiscal, o empregador recebe auto de infração, com a irregularidade e a situação fundamentadas. Ele tem direito a defesa no prazo de dez dias. Depois disso, se decisão não for favorável, o autuado ainda pode recorrer à instância superior no ministério. Só após o trânsito em julgado, ou seja, quando não couber mais recurso, é que ele passa a ser considerado apto a entrar no cadastro de empregadores”, conta o chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo, Alexandre Lyra.
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