O dia 30 de agosto de 2017 ainda é uma grande escuridão na vida da família de José Eudes Ferreira da Rocha. Naquela madrugada, o operário de 51 anos foi encontrado morto pelos colegas, preso por um dos braços e pela cabeça em uma máquina sugadora utilizada no processo de higienização e fabricação de salsichas, na unidade da Seara, em Samambaia, cidade localizada a 25 km de Brasília. A perícia concluiu que Eudes morreu por asfixia e “sufocação indireta” devido à compressão do tórax.
Como todos os dias, a diarista Sônia Mendes da Silva, que viveu 18 dos seus 43 anos ao lado de Eudes, já estava de pé às 5 horas da manhã para aguardar o marido. Naquela manhã, no lugar dele, chegaram dois colegas com a notícia que mudaria toda a história da família. Diariamente, Sônia esperava o companheiro para uma espécie de troca de turno: depois de virar a noite entre máquinas, Eudes assumia os cuidados com o filho de três anos, enquanto ela saía para fazer faxina e outros serviços domésticos com os quais complementava a renda familiar.
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Quase seis meses depois, a família da periferia de Brasília ainda vive à espera de uma luz. Batalha na Justiça trabalhista contra o maior produtor de proteína animal do mundo, o grupo JBS, controlador da Seara e um dos principais alvos da Operação Lava Jato. Na ação trabalhista que corre em primeira instância em Brasília, os familiares de Eudes cobram uma indenização por danos morais e materiais. O valor reivindicado é mantido em sigilo pelas duas partes. Em duas audiências na Justiça, o grupo não fez qualquer proposta aos familiares da vítima.
Sônia reclama que a família recebeu da empresa apenas o auxílio-funeral, uma ajuda de custo no valor de R$ 10 mil e seis sessões em grupo de psicoterapia. Além da viúva e do filho pequeno, Eudes deixou pai, mãe e outros três filhos (de 29, 24 e 18 anos).
A JBS é considerada a campeã nacional, em números absolutos, em processos trabalhistas entre os frigoríficos. Segundo dados do Ministério da Previdência Social, o grupo responde a 34 mil ações judiciais na área. Desses, quase 2,7 mil por acidentes de trabalho no intervalo de três anos. Foram registrados pelo menos seis casos de morte.
Alerta ignorado
Sônia lembra que o marido já havia advertido seus superiores de que quase havia sido sugado pela mesma máquina que lhe tiraria a vida. “Ele já havia sofrido um pequeno acidente duas semanas antes na mesma máquina. Ele alertou que ela estava com sujeira, deixando muita pele. Mas não resolveram. Foram negligentes”, reclama a diarista. “A empresa foi sumindo e hoje não tem mais contato com a gente”, lamenta.
Para o advogado Eduardo Barbosa, que representa a família na Justiça do Trabalho, a empresa é “reincidente contumaz” nesse tipo de acidente e foi omissa com o funcionário. Na avaliação dele, o elevado número de ações trabalhistas por acidente de trabalho contra a JBS reforça a necessidade de punição do grupo para que novas tragédias não se repitam. “A empresa nunca deu atenção ao fato. Continua faturando; a família, não. Perdeu seu provedor”, critica.
Dificuldades financeiras
Natural do Maranhão, José Eudes era chamado pelo apelido de Ceará e morava em Brasília há mais de 20 anos. Como ajudante de higienização, recebia um salário de R$ 1.725,88 na Seara, onde trabalhava desde junho de 2016. Essa era a segunda passagem dele pela fábrica. Antes havia trabalhado lá por sete anos até 2013. Para completar os rendimentos da família, Sônia deixava o filho com o pai durante o dia e saía para fazer diárias em vários cantos do Distrito Federal. Desde a morte do marido, porém, ela teve de se afastar do serviço.
Hoje, porque não tem com quem deixar a criança, ela não consegue mais trabalhar como antes. Mantém-se com o pouco que ganha e a pensão de R$ 1.500, além da ajuda do filho de 18 anos, projetista de móveis. “Tenho de segurar as pontas. A renda está baixa, nem se compara com o que era antes. Hoje tenho de tomar conta do pequeno. Faço diária apenas duas vezes por semana”, diz a viúva.
Sônia conta que o filho de três anos ainda não sabe da morte do pai e pergunta por ele todos os dias. “Ele diz que está com saudade do pai. Nunca cheguei a falar que ele morreu. O José Eudes cuidava do Daniel durante o dia enquanto eu fazia diária. Eu digo que o pai foi trabalhar e o papai do céu chamou ele. ‘Ele está no céu’, digo. Na mente dele, o pai pode voltar a qualquer momento. Ele diz que não quer que o pai fique céu. Cada vez que ouço isso é uma tortura”, relata.
O local da tragédia está o tempo todo na cara de Sônia. Ela mora praticamente de frente à fábrica. Da janela, via o marido atravessar a rua e entrar na unidade para trabalhar. “Todos os dias vivo o sofrimento. Cada vez que olho para fora, vejo a cena dele saindo de casa. E sei que não vai retornar”, lamenta a diarista, que, por isso, quer mudar de casa. “Não aguento mais olhar para lá.”
Empresa lamenta
O Congresso em Foco enviou uma lista com 14 perguntas para a JBS. O grupo, porém, preferiu responder por meio de uma nota (leia a íntegra no final da reportagem) em que lamenta o acidente ocorrido com José Eudes e não esclarece que tipo de assistência deu à família do funcionário até o momento. “A JBS informa que em caso de eventuais incidentes, tem como política prestar toda assistência necessária aos seus colaboradores e familiares. A JBS informa ainda que, em relação ao caso citado, lamenta profundamente o ocorrido e continua acompanhando de perto o processo que se encontra em andamento junto as autoridades competentes”, diz a empresa por meio de sua assessoria de imprensa.
De acordo com o Ministério da Previdência Social, 7.822 funcionários da JBS ficaram doentes ou incapacitados para o trabalho entre 2011 e 2014. Isso equivale a cinco acidentes por dia durante todo o período. Os dados foram obtidos pela agência Pública, com base na Lei de Acesso à Informação.
O levantamento feito pela Pública mostrou ainda que a JBS é a campeã nacional em acidentes de trabalho no setor de frigoríficos, somando-se abate de gado e fabricação de produtos de carne. É também a maior empregadora do setor. Em 2013, o grupo comprou a Seara, da Marfrig, em uma transação estimada, segundo o jornal O Estado de S. Paulo, em R$ 5,5 bilhões.
Ainda em nota ao Congresso em Foco, a JBS afirma que está trabalhando para reduzir o número de acidentes de trabalho e que mantém cerca de mil funcionários nas áreas de saúde e segurança do trabalho.
“A JBS informa que, como uma das maiores empresas empregadoras no Brasil, a segurança de seus colaboradores é prioridade em todas as suas operações e mantém um programa permanente de melhoria das condições de trabalho dos seus mais de 120 mil colaboradores no país. Somente no ano passado a empresa investiu mais de R$ 225 milhões em melhorias de segurança”, diz. “A empresa investe também no treinamento das suas equipes e possui mais de 1000 profissionais dedicados às áreas de Saúde e Segurança do Trabalho”, acrescenta.
Protagonismo político
A J&F, que controla a JBS, virou protagonista da última grande crise política da história do país, envolvendo presidente da República, ex-presidentes, políticos do governo e da oposição. O faturamento do grupo cresceu 40 vezes em apenas dez anos. Saltou de R$ 4 bilhões em 2006 para R$ 170 bilhões em 2016. A explosão se deve, principalmente, a aportes com dinheiro público do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Principal financiador de campanhas eleitorais do país, executivos do grupo viraram alvo de pelo menos seis operações da Polícia Federal (Bullish, Greenfield, Sepsis, Cui Buono, Carne Fraca e Tendão de Aquiles) derivadas da Lava Jato. As acusações vão desde irregularidades em contratos bilionários de uma subsidiária do BNDES com a JBS a fraudes na liberação de créditos junto à Caixa Econômica Federal, passando pela denúncia de manipulação do mercado financeiro, referente ao lucro obtido com a venda de dólares às vésperas da divulgação da delação premiada dos executivos da J&F.
Para se livrar das primeiras cinco ações, o grupo fechou acordo com o Ministério Público Federal para pagar multa de R$ 10 bilhões, ao longo de 25 anos, em acordo de leniência. É o maior valor pago nesse tipo de acordo em todo o mundo.
Na delação premiada, executivos do grupo relataram como pagavam propina a políticos em troca de vantagens no governo e no Congresso. Em conversa gravada com o presidente Michel Temer, Joesley confessou crimes como a tentativa de comprar o silêncio de testemunhas e um juiz, mas não foi repreendido pelo emedebista – que, em alguns casos, deu a entender que avalizava a conduta do empresário.
Em razão disso, a Procuradoria Geral da República apresentou duas denúncias criminais contra Temer por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Elas foram engavetadas pela Câmara e só voltarão a tramitar após ele deixar o Palácio do Planalto. O acordo de leniência continua válido, mas a delação foi suspensa após a revelação de que os delatores omitiram informações da Justiça durante a confissão de seus crimes. Joesley, Wesley e Ricardo Saud, ex-diretor de Relações Institucionais do grupo, estão presos desde setembro do ano passado.
Veja a íntegra da nota da JBS:
“A JBS informa que, como uma das maiores empresas empregadoras no Brasil, a segurança de seus colaboradores é prioridade em todas as suas operações e mantém um programa permanente de melhoria das condições de trabalho dos seus mais de 120 mil colaboradores no país. Somente no ano passado a empresa investiu mais de R$ 225 milhões em melhorias de segurança. A empresa investe também no treinamento das suas equipes e possui mais de 1000 profissionais dedicados às áreas de Saúde e Segurança do Trabalho. A JBS informa que em caso de eventuais incidentes, tem como política prestar toda assistência necessária aos seus colaboradores e familiares. A JBS informa ainda que, em relação ao caso citado, lamenta profundamente o ocorrido e continua acompanhando de perto o processo que se encontra em andamento junto as autoridades competentes”.
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Empresários de esquerda são assim mesmo, criminosos. Nasceram durante o governo do Luladrão e da Jumenta, continuaram sua extorsão com o temerário, vice da Jumenta. Esse pessoal desta empresa esquerdista não é, em nada, diferente dos eleitores da quadrilha.
Parabéns ao Edson Sardinha pela reportagem investigativa, coisa rara de se ver na mídia de hoje.
E a família certamente será indenizada. Pena que a empresa conseguirá protelar mais um pouco o pagamento por meio do processo.