As declarações do diretor-geral da Polícia Federal, Fernando Segovia, sugerindo o arquivamento do inquérito do decreto dos portos, pelo qual o presidente Michel Temer teria recebido propina para favorecer a empresa Rodrimar, são contraditas pelo mais recente relatório da corporação sobre o caso. Sustentada por Segovio em entrevista à Agência Reuters, a tese de inexistência de indícios de crime por parte do peemedebista, alvo de outras três acusações (corrupção passiva, organização criminosa e obstrução de Justiça), esbarram no balanço, concluído em 15 de dezembro, em que dois analistas apontam ao delegado Cleyber Malta Lopes, responsável pelo inquérito, a necessidade de aprofundamento das investigações. O diretor-geral havia sinalizado que não haveria mais nada a fazer a respeito do assunto.
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Segundo reportagem do jornal O Globo desta segunda-feira (12), os agentes sugerem a quebra dos sigilos telefônico, bancário e fiscal de investigados como o próprio Temer, suspeito de compor esquema de corrupção envolvendo empresas no Porto de Santos, área de influência do PMDB. A matéria informa ainda que Cleyber retorna de viagem ao exterior nesta semana, quando começa a analisar o balanço.
Publicidade“Se as medidas recomendadas pelos analistas forem acolhidas, o inquérito poderia ganhar novos desdobramentos e se prolongar por vários meses”, diz trecho da reportagem assinada pelo repórter Jailton de Carvalho.
“Agora, os investigadores entendem ser necessário partir para uma nova etapa da apuração. A ideia é rastrear a movimentação financeira dos investigados e mapear a teia de relações dos envolvidos. Entre os detalhes a serem apurados, os analistas citam ‘transações imobiliárias de João Batista com offshores ligadas a pessoas envolvidas em fraudes e pequenas incongruências em termos de depoimentos’. As ‘incongruências’ estariam em relatos sobre um encontro entre Rocha Loures e Safdie, nas relações do ex-assessor de Temer com Ricardo Mesquita e nas doações de algumas empresas do setor portuário a políticos do PMDB ligados ao presidente”, acrescenta a reportagem, citando outros investigados ligados ao peemedebista.
Entre eles o ex-suplente de deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR), que chegou a ser preso depois de flagrado ao correr por uma rua de São Paulo carregando uma mala de dinheiro com R$ 500 em espécie. Segundo delatores do grupo JBS, empresa corruptora de figuras de diversos partidos, trata-se de uma parcela das várias outras que seriam repassadas a Temer e Rocha Loures como acerto de outro esquema de corrupção. Também são citados o coronel da Polícia Militar João Batista Lima Filho, amigo de longa data do presidente, seu ex-assessor José Yunes, o empresário Edgar Safdie e executivos da Rodrimar.
Portos e esquemas
Temer é acusado de ter atuado para defender interesses de empresas portuárias por meio da tramitação da MP dos Portos, medida provisória editada em 2013, quando o peemedebista ainda era vice-presidente da República. Com novas regras para o setor portuário, a Medida Provisória 595/2013, editada no governo da ex-presidente Dilma Rousseff, foi aprovada em 16 de maio de 2013 a cinco horas de perder a validade, em meio a um verdadeiro turbilhão de protestos da oposição da época, formada principalmente por PSDB e DEM, e disputa de bastidores. Revogando a Lei dos Portos, que estava em vigência desde 1993, a matéria liberou os portos privados para operarem qualquer tipo de carga, entre outras disposições.
As novas regras concederam à União a prerrogativa da gestão e planejamento estratégico do setor e, para os estados, a prerrogativa de administrar os portos. A medida também permitiu a movimentação de cargas de terceiros nos Terminais de Uso Privado (TUPs) e muda os critérios de desempate das futuras licitações. Para o governo, a proposta daria competitividade ao setor.
Já na condição de presidente, com o impeachment de Dilma concretizado em 31 de agosto de 2016, Temer assinou o Decreto 9.048/2017, o tal “Decreto dos Portos”, que prorrogou os contratos de concessão do setor portuário. Uma das principais suspeitas é que parte do instrumento legal serviu para beneficiar a empresa Rodrimar S/A, concessionária do Porto de Santos, por meio de negociatas articuladas por Rocha Loures, mediante pagamento de propina.
Suspeição
Desde que foi indicado para substituir Leandro Daiello no comando da PF, em novembro, Segovia é visto com desconfiança por políticos e observadores da cena do poder em Brasília. Apadrinhado por caciques do PMDB, particularmente pelo ex-presidente José Sarney, o diretor-geral é visto como alguém a serviço do grupo de Temer para barrar investigações que o envolvam.
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Segovia tem negado a acusação e dito que seu trabalho demonstrará o que fala. No entanto, a exemplo da entrevista à Reuters, o diretor-geral dá declarações que vão ao encontro da tese levantada pela oposição – a de que ele é uma das peças da estratégia peemedebista para “estancar a sangria” de investigações como a Lava Jato. Logo em sua primeira entrevista coletiva, instantes depois de tomar posse, o diretor-geral disse que uma mala com R$ 500 mil em dinheiro – entregue secretamente a Rocha Loures depois de uma espécie de roteiro depreendido de uma conversa com Temer e Joesley Batista, um dos donos da JBS – não é suficiente como prova de corrupção.
Agora, Segovia diz que não há indícios de que a Rodrimar tenha sido beneficiada pelo decreto, nem que tenha havido oferta de propina. A PF apura se a medida que ampliou para 35 anos as concessões do setor favoreceu a empresa. Além de Temer, Rocha Loures e os acima mencionados, o presidente da Rodrimar, Antônio Grecco, e o diretor da empresa Ricardo Mesquita também estão na mira das investigações.
A entrevista à Reuters provocou rebuliço em pleno carnaval, causando constrangimento no Palácio do Planalto e dando munição aos oposicionistas no retorno aos trabalhos do Legislativo e às vésperas do início das discussões de plenário, na Câmara, sobre a reforma da Previdência. As declarações de Segovia, além da péssima repercussão no meio político, foram fortemente criticadas por entidades como a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF), além da própria PF.
O ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso determinou a intimação do diretor-geral após a publicação da entrevista. Por sua vez, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) prepara duas representações contra Segovia, uma na Comissão de Ética da Presidência e outra na Procuradoria-Geral da República, acionando as instituições para que apurem a conduta do diretor-geral. Na opinião do senador, o diretor-geral da PF não age com autonomia, mas como um “advogado de defesa” de Temer.
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