Levantamentos do governo local e de entidades que estudam o tema revelam que o fenômeno da ocupação de áreas públicas, com inúmeras invasões de terras, inclusive incentivadas por políticos, ocorreu a partir da década de 1990. Poucos anos após a redemocratização do país e com o reconhecimento da autonomia política – simbolizado pela criação da Câmara Legislativa e pela eleição direta para o Executivo local – o novo DF atraiu uma leva de migrantes à capital. Cidades inteiras, como a Ceilândia, passaram de bairros a aglomerados urbanos com 400 mil pessoas em pouco tempo.
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Outras, como a Estrutural, em um mês era um lixão com os barracos dos catadores e em outro tinha se transformado em região administrativa. O antigo lixão da cidade, considerado o maior da América Latina, é a principal “atividade econômica” local. O comércio funciona por causa dele. O inchaço foi tão grande e rápido que a localidade já ganhou sua favela, a Santa Luzia, com novos catadores e seus barracos de papelão e zinco, até a chegada dos tijolos e do cimento nas próximas campanhas eleitorais.
“Uma das explicações para esta realidade do DF é o processo de urbanização súbito e desordenado, o que aumentou significativamente a densidade demográfica e deixou o Estado sem capacidade para atender às carências”, diz George Felipe de Lima Dantas, doutor em Educação e Políticas Públicas pela Universidade George Washington, nos Estados Unidos. “A partir dos anos 90 a Ilha da Fantasia Brasília foi apresentada à realidade”, observa o pesquisador, oficial reformado da Polícia Militar.
Caso de polícia
Nos últimos 23 anos, a população do Distrito Federal mais que dobrou, saltou de 1,2 milhão para quase 3 milhões. Mesmo assim, o contingente de PMs efetivos (15 mil) e policiais civis (4,4 mil) não teve qualquer aumento no período.
Embora todo o custo da segurança pública em Brasília seja bancado pelo orçamento da União e a relação entre população e número de policiais fardados (um para cada 190 habitantes) seja considerada a melhor do país, os sucessivos governos não conseguiram impedir a ocupação urbana desordenada e, ao mesmo tempo, reprimir adequadamente a violência.
Sem um parque industrial para criar empregos que exijam mão de obra qualificada, o DF vive do comércio, de serviços e da economia gerada com os pagamentos de salários do setor público. Atualmente, 77% da folha de pagamento do governo local vai para cobrir a remuneração de seus servidores. Apesar de ser o centro do poder, o DF nunca registrou um índice de Gini (indicador que mede a desigualdade em uma mesma área ou região) menor que 60, quando o ideal é ficar o mais longe possível de 100.
“Além da segregação espacial, no DF a economia é concentrada e os empregos ofertados na periferia não exigem mão de obra qualificada, o que aumenta ainda mais a desigualdade”, diz o presidente da Companhia de Planejamento do DF (Codeplan), Lúcio Rennó. Restrito a um espaço com 5,7 mil km², o palco do poder é a síntese da desigualdade brasileira que mistura miséria, ignorância e drogas regadas a muita violência.
Contraste
Em regiões nobres como o Lago Sul, o Park Way e a Octogonal/Sudoeste há dois anos a polícia não registra assassinatos. Em outras, a poucos quilômetros do Palácio do Planalto e do Congresso, os índices de criminalidade são comparáveis às regiões mais violentas do país e do mundo.
De janeiro a julho deste ano a polícia brasiliense registrou 334 homicídios, 28 latrocínios e quatro mortes causadas por lesão corporal nas 31 regiões administrativas que formam o DF. Em média, foram quase duas execuções por dia. Isso representa 20 assassinatos por grupo de 100 mil habitantes/ano. Este índice é quase o dobro de São Paulo, a maior cidade da América Latina, que registra 11 homicídios, latrocínios e lesões fatais por grupo de 100 mil por ano.
A taxa está longe da contabilizada em um dos estados menos violentos do país, Santa Catarina, que registra 12 assassinatos por grupo de 100 mil habitantes/ano. Em alguns lugares, as estatísticas no Distrito Federal são próximas às registradas por alguns dos países mais violentos do mundo, como Nicarágua e El Salvador.
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Moro na Octogonal, mas mesmo assim não dou mole.
Se os Estados aumentarem o efetivo policial e houver mais prisões ou autos de resistência, nenhum partido de esquerda se elegerá novamente no Brasil e os governantes sabem disso.