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Autor da proposta, o senador Randolfe Rodrigues (Psol-AP) disse que a mudança na lei não tem caráter revanchista, mas o propósito de mostrar que o país não tolera mais crimes contra os direitos humanos, como a tortura.
A presidente da Comissão de Direitos Humanos, Ana Rita (PT-ES), chegou a anunciar a votação de um requerimento de urgência para que o texto fosse apreciado rapidamente pelo plenário. Mas, após a publicação desta reportagem, a assessoria do colegiado procurou a redação para informar que a senadora se confundiu ao chamar a votação e que a proposta, na verdade, não precisa passar pelo plenário. Seguirá para as comissões de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE) e de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), onde será examinada em caráter terminativo.
“Com a aprovação desta lei, não queremos levar para a cadeia velhinhos octogenários. Queremos retirar do arcabouço jurídico uma lei que anistia torturadores. Não queremos olhar para o passado, mas para o futuro. Dizer que este é um país que não aceita a tortura e a considera um crime inafiançável e imprescritível”, disse o senador.
Interpretação polêmica
Pesquisa Datafolha divulgada no último dia 31, quando se completaram 50 anos do golpe militar, indica que 46% dos brasileiros são a favor da anulação da Lei da Anistia tal como é interpretada hoje. A presidenta Dilma Rousseff, que foi presa e torturada durante a ditadura, já se manifestou contra a possibilidade de mudança na norma.
A Advocacia-Geral da União (AGU) e o Supremo Tribunal Federal (STF) sustentam que a Lei da Anistia brasileira contempla todos os crimes de natureza política cometido por agentes da ditadura, o que inclui tortura, assassinatos e ocultação de cadáver. Mas diversos juristas e entidades de defesa dos direitos humanos contestam essa interpretação da norma.
Em razão dessa lei, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Brasil duas vezes por descumprir a Convenção Americana de Direitos Humanos, da qual o país é signatário. Tanto por não haver processado e julgado os autores dos crimes de homicídio e ocultação de cadáver de mais 60 pessoas, na Guerrilha do Araguaia, quanto por interpretar que, com a lei de 1979, foram perdoados crimes como tortura, estupro e homicídio cometidos por agentes do Estado.
Repressão
Na justificativa do projeto, Randolfe argumentou que a Constituição de 1988 tornou o crime de tortura inafiançável e não passível de graça e anistia. O senador ressaltou que o próprio Supremo já reconheceu que a lei era passível de mudança pelo Congresso.
Randolfe destacou que a ditadura deixou como legado uma polícia militar altamente repressiva e que comete, constantemente, abusos contra a população, como o cometido contra o pedreiro Amarildo de Souza, desaparecido em unidade de polícia pacificadora (UPP) no Rio. “A ditadura deixou uma estrutura conservadora no Estado brasileiro que mantém sequelas ainda hoje. As estruturas das nossas polícias eram repressivas antes de 1964. Mas depois se constituiu estrutura mais voltada para a repressão”, avaliou.
Senso de justiça
A proposta aprovada recebeu parecer favorável do relator, o senador João Capiberibe (PSB-AP), ele próprio preso e torturado durante a ditadura militar. Para ele, a interpretação dada à Lei da Anistia fere o “senso de justiça e nega a primazia dos direitos humano reconhecida na Constituição”.
“A própria premissa de que a anistia seria condição para a redemocratização pacífica atesta que essa lei nada mais era do que um pacto leonino entre a ditadura e a sociedade”, escreveu Capiberibe em seu relatório.
Segundo o senador, não houve condições de igualdade na definição da Lei da Anistia. “Trazia implícita e mal disfarçada, a ameaça de resistência violenta, de continuação da repressão, de prolongamento do regime antagônico ao Estado Democrático de Direito. Portanto, não houve na negociação da anistia igualdade de posições entre a sociedade, refém de um regime repressivo, e seus carcereiros”.
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