De acordo com a Secretaria Geral, a maioria dos pedidos foi arquivada por não ter comprovado “tipicidade e/ou indícios mínimos de autoria e materialidade”. Outros requerimentos foram rejeitados porque a denúncia neles formulada foi “formalmente inepta”, ou seja, não atendeu às exigências protocolares.
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Para a professora e doutora em Direito Penal Soraia da Rosa Mendes, além de não ter substância, a banalização dos requerimentos, formal ou informalmente, representa risco para a democracia brasileira. Ela avalia que o ofício do preso João Pedro Boria Caiado, que pede o enquadramento de Dilma por crime de responsabilidade, deve ser visto como um protesto para denunciar a realidade do sistema carcerário. O problema maior, considera a especialista, está nas manifestações populares de caráter “conservador e antidemocrático” que suscitam a ideia de impeachment como passo inicial para a intervenção militar.
“Precisamos diferenciar esse tipo de pedido de impeachment, que é muito mais um grito de alerta que, simbolicamente, significa a importância que deveria ser dada à questão do sistema carcerário brasileiro. Eu separaria o joio do trigo: de um lado, que fiquem esses conservadores ensandecidos que preferem o silêncio e a paz dos cemitérios que as ditaduras impõem; de outro lado, que venham, sim, os gritos do fundo das masmorras, para que signifique uma modificação, uma linha para esse governo”, disse Soraia, autora do livro Criminologia feminista.
Caráter simbólico
Ela defende que o “caráter simbólico” da demanda de João Pedro deve ser estendido a outras mazelas nacionais. “No caso específico do sistema carcerário, que se leve em consideração que essas pessoas que lá estão, em sua maioria, são vítimas de um sistema excludente. Temos lá [nas prisões] a maioria de mulheres e homens pobres, pretos. Os dados estão aí para demonstrar isso. Devemos repensar o sistema carcerário”, acrescentou a professora, para quem apenas os casos “perfeitamente enquadrados” no crime de responsabilidade são passíveis de impeachment.
Um dos requerimentos sem indícios do crime de responsabilidade foi apresentado pelo senador Mário Couto (PSDB-PA), contumaz crítico dos governos petistas na tribuna do Senado. Para o tucano, o ato criminoso de Dilma foi feito “enquanto ocupava os cargos de ministra chefe da Casa Civil e de presidente do Conselho de Administração da Petrobras, relacionado à compra da refinaria Pasadena pela referida empresa em 2006”. Ao pedido de impeachment, apresentado em 1º de abril, o senador anexa um exemplar da revista Veja, edição de 26 de março deste ano, com reportagem que teria demonstrado as perdas da estatal com a operação de compra – “um prejuízo na ordem de um bilhão de dólares”, diz Mário Couto.
“[…] resta configurado que o comportamento comissivo da conselheira, da então ministra chefe da Casa Civil e, inequivocamente, da chefe do setor energético brasileiro e, portanto, responsável pelo Programa de Aceleração do Crescimento, era quem dava as ordens, logo, impositivo a conduta da senhora Dilma Rousseff como atentatória à probidade administrativa e à guarda e o legal emprego dos dinheiros públicos, da forma como prescrito na lei especial”, diz o requerimento, anunciado pelo próprio senador em plenário.
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Confusão
Advogado e professor de Direito Constitucional da PUC de São Paulo, Pedro Estevam Serrano disse à reportagem que, muitas vezes, o autor do pedido de impeachment não sabe discernir o teor de sua iniciativa. “O impedimento da presidente só poderia ocorrer se ela cometesse um delito político, como se chama, um crime de responsabilidade. Pelo fato de o impeachment ser um princípio de sanção política, confunde-se sanção política como se fosse algo de fora, à margem do Direito. Não se deve confundir impeachment com voto de desconfiança, que é próprio de regimes parlamentaristas”, ponderou o especialista, doutor em Direito do Estado.
Serrano explicou ainda que, por não representar o Congresso, mas toda uma nação, o presidente da República não pode ser alvo de impeachment por iniciativa dos congressistas. Ao comentar a reclamação de João Pedro Boria quanto à situação prisional, Pedro Serrano explicou ainda que a presidenta Dilma poderia responder por crime de responsabilidade se houvesse cometido “condutas voluntárias” delituosas, mas não por “circunstâncias alheias à vontade dela”.
Para o professor, “uma série de condicionantes que fazem parte dos problemas de gestão” levou à decomposição do sistema carcerário, mas não como iniciativa declarada e pessoal da presidenta. “Ela [Dilma] não adotou uma posição e disse ‘vamos manter o sistema prisional como está’. É que ela não tem possibilidade de melhorar o que está posto. Não há um ato administrativo dela nesse sentido. Foram circunstâncias alheias à vontade dela”, concluiu.
“Guerrilha comunista”
Outro pedido de impeachment partiu do candidato do PSDB a deputado pelo Distrito Federal Matheus Sathler, de 31 anos, que recebeu 1.415 votos e não foi eleito. Matheus também se vale das denúncias de corrupção na Petrobras, veiculadas na imprensa, para denunciar o que classificou como “ato atentatório contra a Constituição Federal”.
“A denunciada usa táticas de guerrilha comunista e cinismo para fingir ser mulher que combate a corrupção doa a quem doer. Tal discurso hipócrita é praxe no Partido dos Trabalhadores para se salvar e entregar alguns ‘idiotas úteis’ para o linchamento público e político. Devolução dos recursos fraudados? Jamais!”, diz o requerimento de Matheus. Na peça, o próprio requerente lembra ao eleitor que, caso tivesse sido eleito, criaria o “Kit Macho” e o “Kit Fêmea”. “Um nome carinhoso para poder rivalizar com o ‘Kit Gay’ que está sendo distribuído nas escolas brasileiras ensinando o homossexualismo ao seu filho”, diz o candidato derrotado.
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O professor Pedro Serrano lembra que apenas um ato ilícito praticado pelo titular da Presidência da República, e não por atores do governo, daria margem à abertura de processo de impeachment. “Por exemplo, o assunto Petrobras; só pode atingir a presidente se for comprovado que ela teve alguma coisa, pessoalmente, a ver com isso. Se o comportamento dela, de alguma forma, tem relação com esses eventos”, disse.
“Não se pode declarar impeachment de um presidente porque ocorreu corrupção no seu governo. Se não, qualquer fiscal que fosse pego se corrompendo iria gerar impeachment de presidente da República. Tem de haver autoria e culpabilidade. [Para sofrer processo de impeachment] o presidente tem de ser o autor da conduta, e tê-la praticado com culpa grave ou dolo”, acrescentou o especialista.
Rito
Na hipótese de atendimento às exigências formais, um processo de impeachment requerido no Congresso tem início na Câmara, onde consultores analisam sua admissibilidade jurídica. Em caso de conformidade, a demanda é submetida ao presidente da Casa, que passa a analisar o pedido com base no artigo 218 do Regimento Interno da Câmara (Capítulo VII).
Concluído o exame do presidente da Câmara, o regimento prevê, entre outros detalhes, formação de comissão especial, votação nominal em plenário e possibilidade de recurso por parte de deputados, com prazo de dez dias para que o denunciado se defenda. Depois da tramitação na Câmara, que precisa de dois terços dos votos dos 513 deputados para dar prosseguimento ao processo, a matéria é levada ao julgamento no Senado, em sessão a ser presidida pelo presidente do STF.
O mandatário pode cometer crime de responsabilidade se um de seus atos atentarem contra: a existência da União; o livre exercício do poder Legislativo, do poder Judiciário e dos poderes constitucionais estaduais; o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; a segurança interna do país; a probidade na administração; a lei orçamentária; a guarda e o legal emprego dos dinheiros públicos, e o cumprimento das decisões judiciárias.
Alguns pedidos de impeachment são levados ao lugar errado. De acordo com a legislação, apenas os crimes de responsabilidade devem ser denunciados ao Congresso. Atos da Presidência da República, ocasionalmente, são confundidos com os casos definidos acima, mas na verdade não passam de crimes comuns, quando o devido trâmite legal assim os interpreta. Nesses casos, o Parlamento não tem competência para dar início à tramitação de processos de impeachment, tarefa que cabe ao STF.