Raphael Fernandes *
É cada vez mais nítida a crise institucional em que o Brasil está mergulhado. O respeito ao próximo e à pátria desce pelo ralo quando o ego de determinados indivíduos ou classes fala mais alto. Tudo em busca do poder. As conseqüências dos atos nada significam, ou se significam, vêm em segundo ou terceiro plano.
A dimensão acerca da chamada PEC 37 demonstra isso. Trata-se da Proposta de Emenda à Constituição 37/2011, de autoria do deputado – e delegado de polícia – Lourival Mendes (PTdoB-MA), que visa a restringir às polícias civis e federal a competência para apurar infrações penais.
Ou seja, isto para impedir que os membros do Ministério Público – promotores de justiça e procuradores da República – apurem isoladamente determinado delito sem que haja a participação formal da polícia judiciária estadual ou federal.
Esta medida, além de burocratizar ainda mais o sistema judiciário brasileiro, poderá interferir, por via oblíqua, a investigação e a obtenção – ou validade – de provas criminais realizada por outros órgãos ou entidades, como a Receita Federal, Auditoria Fiscal do Trabalho, Ibama, Banco Central, agências reguladoras, polícia legislativa, entre outros.
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Resumidamente, o sistema judiciário penal funciona basicamente assim: ao tomar ciência da ocorrência de suposta infração penal, o membro do Ministério Público, se entender necessário, requisita à polícia a instauração do inquérito policial e acompanha o seu andamento, de modo a produzir as eventuais provas a serem utilizadas perante o juiz para condenação do réu.
Mas existem situações em que o Ministério Público dispensa a instauração de inquérito policial, pois entende que os elementos que possui já são suficientes para processar criminalmente determinado indivíduo. Ou seja, além da economia de atos, há economia de tempo ao deixar de instaurar, nestes casos, o referido inquérito. Até a margem para ocorrência da prescrição diminui.
Estas situações excepcionais ocorrem, por exemplo, quando determinado órgão ou entidade produz legalmente provas no âmbito administrativo, mas que podem e servem para subsidiar uma acusação criminal. Ou seja, nos casos em que determinadas infrações administrativas são, também, ilícitos na esfera criminal.
Suponhamos que auditores da Receita Federal estejam fiscalizando determinada empresa por possível sonegação de tributos. Instaura-se um processo administrativo e nele são juntadas as provas da dita sonegação. Ao final, a Receita Federal determina o recolhimento dos tributos acrescido de multa. Basicamente a sua atuação termina aqui.
Contudo, este processo que reuniu e documentou elementos que comprovam a dita sonegação será encaminhado ao Ministério Público para adoção das providências na esfera criminal, já que sonegar tributos é também crime. Dessa forma, é comum o promotor de Justiça – ou o procurador da República – solicitar a abertura de processo perante o poder judiciário sem a necessidade de a polícia instaurar um inquérito.
Ora qual seria a necessidade de a polícia instaurar um inquérito para apurar algo que já está devidamente documentado e explanado? Certamente, tumultuar o sistema judiciário com uma demanda desnecessária e ver o crime prescrito ao final do trabalho desperdiçado, pois servidores do Estado, experts naquela determinada tarefa, já realizaram o trabalho.
Era esperado que um deputado defendesse essa causa. Jamais delegados de polícia, bacharéis em Direito por exigência legal para ocupar o cargo, e um dos principais atores no combate à criminalidade. Da mesma forma, a Ordem dos Advogados do Brasil e alguns de seus representantes. Isto porque a OAB prega a todo o momento que exerce, por força de lei, função pública.
Parece não importar muito se esta medida é importante para o Estado. Mas para determinadas carreiras é excelente. Ora, exclusividade em realizar investigação criminal traduz concentração de poder em uma única entidade, que poderá pleitear tudo o que quiser, inclusive altos salários e prerrogativas especiais. Haverá ainda um esvaziamento de atribuições de outros órgãos e entidades da administração pública.
É o Brasil sendo destrinchado. Terra onde os honestos e reais trabalhadores arcam com a elevada carga tributária; com a ausência de segurança e a conseqüente rendição aos ricos empresários da segurança privada; e onde as autoridades, por competência, são chacoteadas e desmoralizadas pelos oportunistas amigos do rei.
A história se repetirá, mas com uma bandeira diferente. Em pleno século 21, ressurgirá o Serviço Nacional de Informações, o famoso SNI dos anos de chumbo. Uma entidade que nem o seu idealizador Golbery conseguiu manter sob controle, levando-o a admitir em público que havia criado um monstro.
* É servidor público em Brasília.
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