O procurador do Ministério Público no Tribunal de Contas da União (TCU) Marinus Marsico está cansado de “conversa” e “desculpas” quando o assunto é supersalário e o pagamento ilegal de vencimentos acima do teto do funcionalismo. Para ele, não é necessária nenhuma lei ou qualquer tipo de novo regulamento. Também não há qualquer dúvida quanto ao que se deve fazer. Basta apenas cumprir o que está claramente escrito na Constituição. Ou seja: cortar todo e qualquer valor que ultrapasse os R$ 27.723 que são pagos aos ministros do Supremo Tribunal Federal. Ele é contra a ideia da presidente Dilma Rousseff de enviar ao Congresso mais um projeto de lei para regulamentar o teto. “Não precisa de mais lei, nem mais de conversa. O que precisa é aplicar esse artigo da Constituição”, protesta Marinus.
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Por isso mesmo, diz ele, o Senado deveria cortar o salário de seu presidente, José Sarney (PMDB-AP), que ganha pelo menos R$ 62 mil entre aposentadorias e subsídios, como revelou o Congresso em Foco. “O presidente do Senado deveria, por iniciativa própria, abrir mão uma vez que ele é chefe de Poder, abrir mão desse excesso remuneratório”, prega ele.
Marinus é o autor da representação que resultou em um processo que apura a existência de 1.061 servidores que, segundo auditoria do Tribunal de Contas da União, receberam mais que o teto Constitucional em 604 órgãos do Poder Executivo. A maioria deles conseguiu isso com mais de um emprego. O caso está com o ministro Augusto Nardes. No Poder Judiciário e no Poder Legislativo, também há centenas de supersalários.
Para Marinus, os responsáveis pelas folhas nos três poderes se pegam em falsas dúvidas, falsos problemas e falsas excepcionalidades para justificar a manutenção de pagamentos acima do teto constitucional. Uma dessas falsas premissas, segundo ele, seria a necessidade de unificação das folhas para verificar a existência de pagamentos vindos de diferentes fontes pagadoras. Essa é uma das situações que hoje provocar os supersalários e, na alegação dos responsáveis pela fiscalização, dificultaria os cortes nos valores excessivos. “Há vários casos notórios, cujos cortes poderiam ser feitos”, rebate Marinus. “Dizer que não se pode fazer o corte por falta da informação unificada seria o mesmo que você pedir um banco de dados para todos os homicidas do Brasil, encontrar um assassino na rua que não está no banco e não prendê-lo”, compara.
Veja em vídeo trecho da entrevista com Marinus Marsico:
Procurador no TCU critica supersalários
O procurador defende que praticamente todas as situações que excedam o vencimento dos ministros do STF entrem na conta do teto: salários, subsídios, aposentadorias, pensões, cargos em comissão, rendas vindas de um segundo ou terceiro empregos públicos … Ficariam de fora apenas 13º, férias, horas extras esporádicas e auxílios, como tíquete-alimentação.
Marinus reconhece que o atual salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal – que é o valor do teto – não é ideal e está descalibrado em relação a outras carreiras, que acabam até sendo pior remuneradas do que deveriam. O procurador acha injusto que ele próprio ganhe 85% do subsídio dos 11 ministros da corte suprema do Brasil. Mas enfatiza que hoje servidores ganham muito mais do que ele e que todos os membros do STF.
Como vem mostrando o Congresso em Foco, os supersalários são pagos em toda a administração a políticos, magistrados, autoridades e servidores do Executivo, do Legislativo e do Judiciário.
Veja a entrevista com Marinus, concedida na semana passada:
Congresso em Foco – A determinação de que ninguém pode ganhar acima do teto constitucional, que é o salário do ministro do STF, está na Constituição, que é de 1988. Vem sendo discutido principalmente depois da reforma da previdência de 2003. Atualmente, há discussões sobre o tema no TCU e na Justiça para que o corte nos supersalários seja feito. E a presidente Dilma, em embate com o presidente do Supremo, Cézar Peluso, quer uma nova lei para regulamentar o tema. Porque não se cortam os suspersalários? É preciso uma lei nova para regulamentar o tema?
Marinus Marsincus – Não é preciso lei nenhuma. Não falta mais nada para que se faça o corte no vencimento de quem ganha além do teto. Falta apenas vontade política. Já temos leis de montão nesse país para resolver isso. A Constituição é absolutamente clara em relação a esse artigo de controle do teto constitucional, e ela é auto-aplicável. Restam agora somente desculpas para não se implementar o teto constitucional.
Mas os responsáveis pelas folhas de pagamento alegam que é preciso definir que exceções devem ou não ser aceitas na discussão sobre o que seja o teto …
Lei não falta, não é preciso definir nada. A Constituição, ao tratar do tema, tem um dos dispositivos mais claros e felizes no seu corpo. Não há mais margem a qualquer tipo de interpretação, a qualquer tipo de dúvida sobre a aplicabilidade do teto constitucional, não só a funcionários que recebem por uma fonte, mas a funcionários que recebem por mais de uma fonte, ou seja, mais de um emprego público. Não há mais dúvida em relação a isso. O que agora nós estamos lidando é com desculpas para que nós não implementemos o controle do teto constitucional. Esse controle é feito de uma maneira bastante eficaz apenas para a raia miúda, digamos assim, para os funcionários mais modestos, enquanto que os peixes grandes escapam tranquilamente desse tipo de controle.
Quando a pessoa recebe de duas fontes, como se descobre isso? Há quem alegue a necessidade de criação de um banco de dados para saber quem está ganhando acima do teto?
É claro que não é necessário um banco de dados. O banco de dados é apenas para ajudar o agente público a detectar casos em que por mais de uma fonte se extrapolou o teto. Agora, você não precisa esperar o banco de dados quando você conhece casos notórios de extrapolação de teto para cortar esses salários. Seria o mesmo que você pedir um banco de dados para todos os homicidas do Brasil, encontrar um assassino na rua que não está no banco de dados e não prendê-lo. A verdade seria essa fazendo uma comparação bastante exagerada, mas pertinente.
Falta, então, vontade política para resolver isso?
Sempre faltou vontade política para resolver isso, porque muitas pessoas que recebem salários altos na administração pública, sobretudo através de mais de uma fonte, não estão interessadas em regulamentar o teto.
O CNJ chegou a fazer uma resolução colocando as aposentadorias e pensões na conta do teto. Depois fez outra excluindo as pensões. Não há uma contradição?
Em primeiro lugar, esse assunto está sendo discutido agora sobre as atribuições do CNJ. Eu entendo que quem interpreta a Constituição não é o CNJ, é o Supremo Tribunal Federal. Esse dispositivo constitucional é absolutamente claro. Pensões, aposentadorias e cargos da ativa, todos eles somados, têm que ficar no teto, não pode ultrapassar o teto constitucional. Isso não está sendo cumprido.
Então, essa iniciativa da presidente Dilma, de pedir mais uma lei, pode ser inócua? Só precisa de aplicação da Constituição? É isso?
Não precisa de mais lei, de mais nada, nem mais de conversa. O que precisa é aplicar esse artigo da Constituição. Ora, a partir do momento em que um agente público descobre que existe um servidor público que recebe muito acima do teto, ou que recebe por mais de um emprego público, não precisa perguntar para mais ninguém. Você tem autonomia dentro da sua jurisdição, dentro do seu círculo federativo, ou seja, a União, você pode retirar esse excesso do teto. Não há o mínimo impedimento em relação à Constituição. Criar uma nova lei é totalmente desnecessário, uma vez que a regra é muito clara. E além de tudo é uma iniciativa que vem com seis anos de atraso, já que desde 2005 nós temos o teto constitucional e as normas constitucionais bastante claras.
Mas o teto já não estava definido em 1998 e em 2003, naquelas reformas da previdência?
O teto estava definido, mas não havia uma regulamentação sobre que parcelas entrariam ou não entrariam. A partir de 2005, não há mais desculpa nenhuma em relação a isso. Em 2005, foi criado o subsídio, ou seja, os agentes públicos passaram a receber através de um subsídio único, onde todas as parcelas foram incorporadas a ele e, a partir daí, não haveria mais nenhuma discussão. Essa foi inclusive a intenção do legislador. Foi de pacificar o tema. Em 2005, foi emenda constitucional. Não deveria haver nenhuma discussão. A Constituição foi bastante analítica nesse aspecto. Deixou bastante clara a intenção do legislador constitucional. E, a partir daí, o que há são apenas discussões sem nenhum efeito prático.
Vou dar um exemplo revelado pelo Congresso em Foco. O senador Sarney recebe R$ 26.700 do Senado e, pelo menos, R$ 35 mil do governo e do tribunal de Justiça do Maranhão. É um fato público, notório e não negado. Pelo que o senhor fala, o Senado deveria, só pela ciência disso, cortar o salário dele?
Com certeza. Inclusive, acredito que o próprio presidente do Senado deveria, por iniciativa própria, uma vez que ele é chefe de Poder, deveria já abrir mão desse excesso remuneratório, tendo em vista a clareza da norma constitucional. O que se discute hoje não é se a Constituição está certa ou errada, mas apenas a maneira de regulamentar isso. Ou seja, entramos em filigranas para evitar a que a Constituição seja aplicada. Esse artigo é claramente auto-aplicável. Não há a mínima dúvida em relação a isso.
Há uma hipocrisia nisso?
A palavra é um pouco forte, mas eu diria que se faz vista grossa a essa norma constitucional. Ainda estamos na realidade de que, no Brasil, algumas normas pegam e outras não pegam. Essa já tem no mínimo seis anos que não pega. E nós vemos casos absurdos. Pessoas com mais de cinco vínculos empregatícios que extrapolam de longe o teto constitucional e não se pode cortar.
O senhor fala em subsídio. Alguns servidores do Judiciário dizem que essa é a solução para os supersalários, porque ele estanca essa prática. É uma solução mágica?
A intenção foi dar uma solução para isso, colocar o subsídio. Essa solução foi dada para os agentes políticos do Judiciário, os juízes e membros do Ministério Público. Parece hoje que só eles que cumprem o teto. Vamos chegar a um ponto em que só os ministros do Supremo cumprem o teto, porque os servidores públicos no Legislativo e mesmo no Executivo, porque têm mais de uma fonte, eles estão fora do teto.
Fizemos um levantamento que mostrou que mesmo ministros do STJ, do Supremo e do CNJ, que ganham por subsídio, estavam estourando o teto. Eles argumentaram que era abono de permanência, jetom e exercício da presidência do tribunal ou algum outro caso não revelado. Isso não desbanca essa tese?
No meu entendimento, a Constituição é muito clara, e qualquer exceção que deva ser dada a esse teto tem ser através de uma interpretação constitucional do Supremo Tribunal Federal. É ele que diz o que vale e o que não vale para a Constituição.
O que para o senhor é legal e moralmente aceitável para se excluir das parcelas do teto?
As parcelas indenizatórias, que são, por exemplo, horas extras…
Horas extras mesmo…
Horas extras mesmo, não aquelas horas extras que são pagas em período de recesso legislativo [Em janeiro de 2009, o Senado pagou mais de R$ 5 milhões a seus funcionários. Auditoria do TCU identificou que R$ 19 milhões foram pagos indevidamente aos servidores da Casa, inclusive porque o serviço “além do normal” acontecia todos os meses]. Os auxílios-alimentação, auxílio-transporte, todas essas parcelas que possuem caráter indenizatório.
E o abono de permanência, bônus pago ao funcionário que preferiu não se aposentar apesar de já ter esse direito?
O abono de permanência é uma questão mais intrincada, uma vez você usou essa legislação, ela tem caráter excepcional para manter servidores que já poderiam se aposentar. Nessa questão, eu preferia não tecer nenhum comentário, uma vez que é uma questão bastante intrincada e o impacto que ela tem sobre o teto constitucional é muito pequeno.
Férias e 13º estariam fora.
Férias, 13º obviamente.
O cidadão tem dois empregos. Trabalha aqui e na Universidade de Brasília. Isso conta para o teto?
Os dois somados deveriam ficar dentro do teto. Não ficam. Em qualquer verificação, não fica. Um servidor que é aposentado do Executivo e ocupa um cargo em comissão no governo do Distrito Federal, ele está fora do teto. Deveria estar dentro, mas está fora. Não há o mínimo controle.
E o funcionário da administração que dá aula em uma universidade pública? Ele tem dois empregos. Tudo deve somar para o teto?
A soma desses dois empregos deve estar no teto. A Constituição permite apenas o acúmulo, desde que não haja interferência na carga horária.
Cargos comissionados, que são a briga do Senado e da Câmara na contestação judicial que fizeram do corte nos supersalários, deveriam entram na conta?
Mas não há mínima dúvida. A Constituição é clara. Qualquer tipo de cargo.
O senhor acredita que essa questão do subsídio para os funcionários resolve o problema? Ajudaria ou é um discurso paralelo?
Acho que não. Logo se encontraria um jeitinho brasileiro de se burlar esse plano. A questão do controle do teto passa por uma rigorosa fiscalização e por uma vontade política de se controlar e por um sistema remuneratório realista. Eu recebo aproximadamente 15% a menos que um ministro do Supremo. Não acredito que meu salário seja muito alto em face da produtividade que acho que tenho. Entretanto, eu acho que é injusto que um procurador receba 85% do salário de um ministro do Supremo. A diferença deveria ser maior. Há servidores públicos que recebem acima ou igual ao ministro do Supremo. Com que direito um servidor público deve receber igual ou mais que um ministro do Supremo? Em hipótese alguma deveria. Então, cabe uma melhor discussão em relação ao sistema remuneratório das três esferas de Poder.
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