>Em 30 anos a Amazônia será tão inflamável quanto a Austrália
“Por todo jovem negro que é caçado pela polícia na periferia. Por todo pobre criminalizado, só por ser pobre, por pobrefobia. Por todo povo índio que é expulso da sua terra por um ruralista. Pela mulher que é vítima do impulso covarde e violento de um machista”
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E como eu disse mais acima, eu posso provar que estamos caminhando para trás.
Se em 2018 as vozes clamaram pelo fim da caça aos pretos, pobres e favelados, em 2019 somente a polícia do Rio de Janeiro matou 1.546 pessoas, isto contando apenas até outubro. É um triste recorde que vai ganhar distância assim que sair o levantamento completo do ano. Jenifer Gomes, Kauan Peixoto, Kauã Rozário, Kauê dos Santos, Ágatha Félix e Ketellen Gomes, todos são crianças com idades entre cinco e 12 anos que foram cruelmente assassinadas pelo Estado por três motivos simples: eram pobres, pretas e faveladas.
Em 11 anos, nunca se matou tantas lideranças indígenas como em 2019. Até o início de dezembro de 2019 foram sete lideranças mortas por fazendeiros e madeireiros ilegais, motivados pelo discurso – insano – do presidente da República e de seu ministro Ricardo Salles de que as Terras Indígenas precisam ser exploradas.
Feminicídio também foi recorde em 2019. Segundo o Estadão, somente entre janeiro e novembro do ano passado, foram 154 casos registrados. Um dos feminicidas, vale lembrar, chegou a ser homenageado pelo presidente Jair Bolsonaro. “Será lembrado pelo dom, pela humildade e por seu amor pelo Brasil”, foi assim que o presidente deu tchau para o MC Reaça (o nome já diz muito), um homem suspeito de assassinar a amante gestante e se matar na sequência.
“Pelo menor de idade sem escola, a se formar no crime condenado. Por todo professor da rede pública, mal pago e maltratado pelo Estado. Pelo mendigo roto em cada súplica. Por todo casal gay discriminado”
No ano passado o Brasil registrou um caso de homofobia a cada 23 horas. Em junho de 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela criminalização da LGBTfobia, mas registros na imprensa mostram que muitas delegacias têm se recusado a registrar casos como sendo de homofobia desde então.
“Por toda a vida que foi destruída em Mariana ou no Xingu, por Belo Monte. Por toda vítima de cada enchente, de cada incêndio ou seca dura e duradoura”
Quando pensamos que 2018 tinha sido um ano marcado por desastres naturais e outros provocados pelo homem, vem 2019 e nos mostra que tudo que vai, volta. Destruímos Brumadinho e matamos mais de 250 pessoas. Devastamos cidades, rios e florestas.
Se Belo Monte teve um grande impacto ambiental, os desmatamentos em 2019 não ficaram para trás. Foi um aumento de quase 30% nos desmatamentos que ocasionaram as queimadas catastróficas que vimos.
Se em terra as coisas não foram fáceis para o meio ambiente, no mar não foi diferente. 998 praias do país registraram a presença de óleo, que ainda não parou de chegar no litoral brasileiro. Isto pode ter impacto irreversível para a vida marinha. São quase quatro meses desde que as primeiras manchas apareceram e o governo não tem ideia do que pode estar ocasionando a catástrofe ambiental.
Mas não é de se surpreender, uma vez que os servidores ambientais estão frequentemente registrando perseguição do ministro Salles. Os comandos regionais dos órgãos ambientais foram quase todos entregues nas mãos de militares. Grupos de combate e prevenção a acidentes ambientais foram ou desmontados, ou fechados de maneira oficial.
“Por todo escravo ou seu equivalente. Pela criança que labuta na lavoura. Por todo pai ou mãe de santo apedrejada. Por quem exclui quem crê num outro deus”
Num país onde o Ministério Público registra 4.300 denúncias de trabalho infantil ao ano, presidente da República defendeu em 2019 que crianças trabalhem. Números apontam que ainda exista no país cerca de 200 mil pessoas vivendo como escravas ou em trabalhos análogos à escravidão. Ao menos 11% dos brasileiros seguem desempregados.
Quando o assunto é fé, as coisas também não vão nada bem. Se em 2018 foram registrados 92 casos de intolerância religiosa, de janeiro a setembro de 2019 foram 200 casos deste tipo. Vídeos de traficantes expulsando mães de santo e quebrando terreiros de umbanda e candomblé nas favelas cariocas foram compartilhados aos montes.
“Pelo ativista, pelo policial detido. E o policial fodido igual quem ele algema”
Não tem como esquecer dos três brigadistas presos em 2019. Os homens que abandonaram o conforto de suas famílias e foram viver no meio da floresta para cuidar do meio ambiente foram acusados, presos e humilhados por “suspeitais” de tacarem fogo na floresta. As acusações ainda não se provaram, o inquérito é deveras duvidoso. Mas esperar o que de um ano em que o presidente e seus ministros por tantas vezes atacaram ONGs e voluntários? De um governo que pretende dar licença para a polícia matar sem sequer ser julgada?
A polícia no Brasil segue sendo mal remunerada, pouco reconhecida e cada vez mais cobrada. Se em 2018 foram registrados 104 suicídios de policiais, nada me leva a crer que quando sair o levantamento de 2019, estes números serão menores, infelizmente.
“E proclamamos que não. Se exclua ninguém senão a Exclusão”
Foi pedido em 2018 e ignorado em 2019, mas espero que em 2020 não se exclua ninguém.