Depois de receber 47 milhões de votos no segundo turno em 2018, quando perdeu a disputa pela Presidência para Jair Bolsonaro, o ex-prefeito de São Paulo e ex-ministro da Educação Fernando Haddad (PT) começa a colocar o seu “bloco na rua”, atendendo a pedido do ex-presidente Lula. Haddad disse em entrevista ao Congresso em Foco que o PT decidiu começar uma série de viagens pelo país para fazer frente a Jair Bolsonaro.
“Não vamos deixar Bolsonaro ficar em campanha o tempo todo destruindo as instituições, destruindo o Estado brasileiro sem o contraponto. Significa que, tendo sido aquele que foi ao segundo turno em 2018, estou me colocando à disposição do partido para conversar com a sociedade”, disse o petista.
Veja a íntegra da entrevista em vídeo:
Apesar de se colocar como opção para a candidatura petista à presidência, Haddad ressalta que prefere o ex-presidente Lula como candidato.
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“Eu não conheço nenhum petista que não defenda com vigor não apenas a inocência, mas a liderança política do presidente Lula, que é uma personalidade mundial, uma pessoa respeitada no mundo inteiro, inclusive pelos juristas do mundo”.
O ex-candidato a presidente pelo PT em 2018 acredita que o Supremo Tribunal Federal (STF) vai julgar, ainda neste ano, o pedido da defesa de Lula para que seja considerado parcial o ex-juiz e ex-ministro da Justiça Sergio Moro.
Conversas reveladas em 2019 pelo The Intercept Brasil mostraram a proximidade entre Moro, então juiz dos processos da Lava Jato e os procuradores da força-tarefa na estratégia de acusação contra Lula.
O PT quer anular as sentenças envolvendo o ex-presidente na Lava Jato e com isso retomar a possibilidade de ele ser candidato. Hoje isso não pode acontecer por conta da Lei da Ficha Limpa.
“Na verdade o que está sendo questionado não é a Lava Jato, é a força-tarefa de Curitiba. Gosto de lembrar que Lula jamais arguiu a parcialidade de um outro juiz que não Sergio Moro. Lula já foi julgado N vezes, várias ações fora de Curitiba e nunca arguiu a parcialidade de um juiz, só do Sergio Moro”, afirma o ex-ministro.
Sobre o diálogo com outros partidos de oposição, Haddad afirma que tem boa relação com políticos do PCdoB e do Psol, mas admitiu que não tem falado com Ciro Gomes, do PDT, hoje um forte crítico de Lula e do PT.
“Os ataques nunca partem do PT, muito menos dos partidos que governaram conosco o país. Nunca parte do PT esse tipo de ataque e nem partirá, não faremos nenhum movimento em direção de alimentar esse tipo de controvérsia porque não constrói, nós queremos construir”, declarou Haddad sobre as críticas feitas por Ciro Gomes, que já chamou Lula de enganador profissional e pelo irmão dele, o senador Cid Gomes (PDT-CE), que pediu para que o PT não lançasse candidato em 2022.
Leia a seguir a íntegra da entrevista:
O senhor falou na semana passada em botar o bloco na rua. Isso quer dizer que será o candidato do PT a presidente em 2022?
Significa que não vamos deixar Bolsonaro ficar em campanha o tempo todo destruindo as instituições, destruindo o Estado brasileiro sem o contraponto. Significa que tendo sido aquele que foi ao segundo turno em 2018, estou me colocando à disposição do partido para conversar com a sociedade. Primeiro sobre o plano de reconstrução nacional que nós divulgamos recentemente pela Fundação Perseu Abramo com ideias para enfrentar a crise independentemente de 2022. Em segundo lugar, para não deixar o Bolsonaro mentir da maneira que ele está mentindo sobre tratamento precoce, contra a vacina, contra o auxílio emergencial, sem o contraponto do maior partido de oposição do país.
O Lula me pediu para colocar o bloco na rua, conversei com o partido, os deputados, senadores em Brasília durante uma semana, conversei com dirigentes partidários de várias correntes internas do PT, que é um partido muito diverso, e houve majoritariamente um sentimento de que valia a pena começar a correr o país, discutir nas universidades, associações. É o que vou fazer, vou me organizar, organizar minha vida privada para me colocar à disposição do PT para essa tarefa que foi muito bem recebida, não pela totalidade, mas pela quase totalidade dos dirigentes partidários.
Quando o PT deve definir quem vai escolher para concorrer em 2022? Em 2018, o nome do senhor acabou sendo apresentado no meio da eleição.
Para definir a candidatura precisamos do desenlace da nossa briga de anos acusando a Lava Jato de ter julgado o presidente Lula politicamente. Eu acredito que com todas as provas que estamos levando para o Supremo Tribunal Federal, que o Supremo Tribunal Federal deve dar uma resposta definitiva a isso que foi a maior armação política da história republicana. Um juiz de uma vara de Curitiba chefiar a acusação para tirar da disputa aquele que na minha opinião venceria com facilidade o Bolsonaro. Aquilo foi um golpe na democracia e nós queremos evidentemente recuperar os direitos políticos do Lula, mas isso, pelo que eu entendo das declarações dos ministros do Supremo, deve acontecer rapidamente.
E aí sim vamos poder discutir internamente no PT com calma o desenlace disso tudo, mas obviamente, eu diria para você que eu não conheço nenhum petista que não defenda com vigor não apenas a inocência, mas a liderança política do presidente Lula, que é uma personalidade mundial, uma pessoa respeitada no mundo inteiro, inclusive pelos juristas do mundo. Não apenas pela classe política progressista, mas por todos os principais juristas que sabem o que aconteceu no Brasil, exatamente o que aconteceu no Brasil em 2018.
Tem conversado com políticos de outros partidos de oposição? Se sim, quem acha que pode fazer parte da coligação do PT em 2022?
Sim. Os dirigentes do PT mantêm conversas permanentes com dirigentes de outros partidos. A nossa presidente Gleisi Hoffmann tem reuniões praticamente semanais com os presidentes dos demais partidos para atuarmos sobretudo na Câmara, no Senado Federal, para tentar impedir Bolsonaro de continuar esse projeto de destruição. É óbvio que nem sempre conseguimos unanimidade entre esses partidos.
Agora mesmo tivemos o episódio da independência do Banco Central que tivemos algumas dissensões no PDT e no PSB. O PCdoB, Psol e PT estão mais afinados em relação a uma política progressista, mas estamos conseguindo em várias propostas, diria em quase todas as propostas, um alinhamento, poucas exceções. De maneira que eu vejo esse bloco de centro-esquerda como um bloco coerente e de partidos muitos respeitáveis, que tem uma história, uma contribuição para o desenvolvimento nacional.
Falando em PDT e PSB, os dois partidos estão ensaiando uma união sem o PT na disputa em 2022.
Ainda em 2018 a gente teve três candidatos desses cinco partidos. O PSB não lançou candidato, o PCdoB veio conosco, o PDT e Psol tiveram candidatos e o PT também. Isso é natural, os partidos buscarem seu espaço, sobretudo no primeiro turno, no qual, com o fim da cláusula de barreira, os partidos buscam ampliar suas bancadas no Congresso Nacional. Isso a gente tem que ver com uma certa naturalidade. O que não pode é ter defecção no segundo turno, segundo turno tem que estar todo mundo junto para derrotar o Bolsonaro. Esse é o maior compromisso que a gente tem que obter, inclusive daquela direita que se diz democrata, mas nem sempre se comporta democraticamente, temos que constrangê-la a assumir compromissos institucionais com o país.
O senhor fala de PSDB e DEM?
Desses partidos de direita. O DEM já está muito na conta do Bolsonaro. Os partidos que apoiaram a ditadura militar estão se reaglutinando em torno do Bolsonaro, que defende a ditadura. O PSDB é outra coisa que está em disputa lá, está virando uma crise de identidade. O BolsoDoria confundiu um pouco. O próprio governador do Rio Grande do Sul, que é do PSDB, atacou Doria por ter usado o próprio sobrenome, colocado o próprio sobrenome da família à disposição de um personagem fascista. Hoje ele fez uma crítica muito contundente a Doria por ter misturado o sobrenome.
Como vê essa mudança de discurso de Bolsonaro, que antes criticava o Centrão e agora está aliado deles?
Quanto mais apoio ele tiver, menos apoio popular ele vai ter porque quanto mais o Centrão tomar conta do governo, como está tomando, menos apoio popular ele vai ter porque a agenda dele é antipopular. Ele conseguiu blindar o filho, conseguiu manipular a polícia, Ministério Público, para blindar o filho dele, conseguiu apoio no Congresso para não ter impeachment, mas isso é um enfraquecimento da agenda do Bolsonaro, que já está provocando um desgaste enorme na sua base social. Nossa expectativa é que essa erosão da base social do bolsonarismo vai enfraquecer ainda mais e o jogo para 2022 será de outra natureza.
O Centrão apoiou vários governos, inclusive os do PT. O presidente do PP, Ciro Nogueira, esêteve em atos de campanha com o senhor no Piauí em 2018 e agora ele está com Bolsonaro. Acha que é prejudicial ter esses partidos que não têm um compromisso ideológico definido?
É um pouco diferente. Quando o PT era governo, o PT tinha um projeto político transparente ao qual esses partidos aderiram ou não, outros não aderiram, outros aderiram a outro projeto político. Isso é fundamental para você garantir a aprovação do Bolsa Família, ProUni. Como vou aprovar o ProUni, a expansão das [universidades] federais, a criação dos institutos federais, como vamos aprovar o aumento do salário mínimo, geração de emprego, Luz Para Todos, Minha Casa Minha Vida, sem apoio do Congresso? Tem que apoiar. Tínhamos um projeto.
O Bolsonaro por falta de projeto está promovendo um desmonte no país, é isso que eu critico. Mesmo o PSDB tinha algum pudor em fazer as coisas que Bolsonaro está fazendo. Bolsonaro não tem pudor nenhum, acabou de definir que o Banco Central vai ser comandado pelos bancos privados, praticamente foi isso que ele definiu. O Banco Central passa a ser uma agência capturável porque a partir do momento que define o presidente, não pode demitir mais. Como o presidente abdica do poder de demitir o presidente do Banco Central? Se ele for capturado pelos bancos privados por exemplo? A taxa de juros vai começar a subir no Brasil.
Como deveria funcionar o Banco Central? No programa de governo em 2018, o senhor também falou em autonomia.
Em 1999 teve uma enorme crise cambial no Brasil. O dólar que era um real foi para quatro. Isso tudo gerou uma confusão enorme no Brasil e a inflação fugiu ao controle. Se criou em 1999 o regime de metas de inflação. Como funciona o regime de metas de inflação? O governo define a meta e o Banco Central usa seus instrumentos com liberdade para atingir aquela meta. Esse era o pacto de 1999 e eu achava que na falta de uma ideia melhor, isso deveria ser mantido, que era justamente a liberdade que se dá ao Banco Central para atingir e alcançar a meta estabelecida pelo governo. O presidente podia demitir um diretor ou o presidente do Banco Central a qualquer tempo.
O que está sendo aprovado agora é completamente diferente disso, o presidente não poderá mais demitir diretor e presidente do Banco Central. Inclusive não haverá mais coincidência de mandato, o presidente Bolsonaro vai reivindicar um presidente do Banco Central que vai avançar no mandato de quem for eleito em 2022. Isso é uma loucura, um Banco Central que tem tanto para ser reformado, vai colocar ele a serviço do sistema financeiro e não a serviço do Estado brasileiro, isso é uma coisa absurda. Mas eu defendo o regime de metas como foi estabelecido em 1999 e até hoje não vi nenhuma alternativa mais progressista do que essa na mesa. Essa proposta do governo é regressiva, toma um outro caminho.
Qual a programação de viagens do senhor?
A primeira viagem que farei é para Minas, depois da semana do carnaval, viajo a Minas, passo três ou quatro dias em Minas. Tenho uma equipe programando as próximas viagens. Você define uma por vez, se eu visito um estado, são várias cidades, corre capital, região metropolitana, zona da mata, norte de Minas. Em 15 dias programa outra. É uma programação extensa, envolve mobilização de muita gente, não pode ser coisa insegura, tem que tomar todo cuidado com os protocolos sanitários, tem que ver disponibilidade de máscara, álcool em gel, ambientes eventualmente abertos, distanciamento, não é uma programação fácil, mas até a vacinação acontecer, a gente tem que tomar esses cuidados.
Lula vai participar de alguma dessas viagens?
O presidente Lula tomou uma decisão de que, como tem 75 anos, ele quer ser vacinado para ter mais segurança ao sair. E é correto, temos que ao mesmo tempo que botar o bloco na rua, botar com os cuidados que os médicos recomendam. E ele falou assim que estiver vacinado pode ser que a gente esteja junto em alguma localidade, pode ser que esteja separado. Vai depender da agenda e vai depender dos cantos. Eu posso estar no Norte e ele no Sul, eu no Nordeste, ele no Sudeste. Cada um vai estar fazendo seu papel. Também quero estar junto dele nessas andanças porque eu tenho muita saudade da época que era ministro da Educação e a gente inaugurava universidade Brasil a fora, vai ser bom revisitar esses lugares e ver a quantidade de gente bacana que está estudando, às vezes obtendo o primeiro diploma no seio de uma família.
O PT apoiou na Câmara o MDB, principal patrocinador do impeachment de Dilma, e no Senado apoiou um senador do DEM que também era endossado por Bolsonaro. Como explicar esses movimentos do partido?
Isso foi muito pedagógico porque as pessoas que às vezes estão fora do jogo político acham que o PT não faz gestos para evitar o pior. Essa é a prova de quem fez gestos foi justamente o PT. Quem rompeu e adotou práticas bolsonaristas foi justamente o DEM e o PSDB. Veja como é incoerente o comportamento desses partidos, na hora H fecharam com Bolsonaro. Por quê? Para fortalecê-lo? Não, para torná-lo refém de um acordo no Congresso Nacional para aprovar a independência do Banco Central, a privatização da Petrobras e assim por diante, que é a agenda comum que eles têm. É o famoso toma lá, dá cá. Recebe apoio no Congresso e vende a Petrobras, fecha agência no Banco do Brasil e assim por diante. Eles vão destruir o patrimônio público se nós não irmos para rua defender o Brasil. Por isso, colocar o bloco na rua é uma coisa tão importante.
Acredita que a eleição de 2022 vai ser polarizada entre o PT e Bolsonaro de novo ou acredita que Doria, Huck ou Moro têm chances de chegar no segundo turno?
Não conheço o projeto dessa turma, difícil avaliar. Eles estão votando com o Bolsonaro, se dizem oposição, mas votam com o governo, não sei se vão mudar até 2022.
Ciro e Lula conversaram em setembro do ano passado. Até 2022 acha que dá para diminuir o atrito dele com o PT?
Os ataques nunca partem do PT, muito menos aos partidos que governaram conosco o país. Nunca parte do PT esse tipo de ataque e nem partirá, não faremos nenhum movimento em direção de alimentar esse tipo de controvérsia porque não constrói, nós queremos construir.
O senhor falou com Ciro recentemente?
Não, não conversamos, mas outro dia eu entrevistei o Flávio Dino no meu programa de entrevistas, uma bela entrevista que ele me deu. Convidei Boulos para o meu programa de entrevistas, uma bela entrevista que ele me deu, mas nem todo mundo aceitou o meu convite para ser entrevistado. Convido todo mundo, os que aceitam eu entrevisto, os que não aceitam, o que eu vou fazer? Meu programa está aberto para todos, todas as forças, inclusive convidei até gente da direita para ser entrevistado. Sou uma pessoa que gosta do diálogo, até pela profissão que eu exerço, como um professor não vai gostar de um bom papo? Não tem como.
Como vê esse enfraquecimento da Lava Jato?
Uma coisa é o combate à corrupção que foi feito de maneira séria. A gente botou tudo isso debaixo do guarda chuva da Lava Jato. Na verdade o que está sendo questionado não é Lava Jato, é a força tarefa de Curitiba. Gosto de lembrar que Lula jamais arguiu a parcialidade de um outro juiz que não Sergio Moro. Lula já foi julgado N vezes, várias ações fora de Curitiba e nunca arguiu a parcialidade de um juiz, só do Sergio Moro. Por quê? Agora está evidente com a troca de mensagens que ele não é um juiz, ele era o chefe da acusação, ele que organizou a acusação, ele que inventou as delações, foi o pivô da coisa toda, ele que liberava delação para o Jornal Nacional, ele que instruía sobre as testemunhas, ele que inclusive escalava quem era o promotor mais adequado para aquela audiência. Ele era o técnico do time adversário, ele não era o juiz, mas ele era o técnico do time adversário, mas com a roupa de juiz. Isso ficou claro agora.
A gente tem que ter cuidado porque vai passar a impressão que para combater a corrupção precisa fazer o que o Sergio Moro fez. É exatamente o contrário, você não precisa se corromper para combater a corrupção, não precisa corromper o Poder Judiciário para combater a corrupção. Esse é o problema que a força tarefa de Curitiba vive e não consegue explicar. Eles deram quantas coletivas por dia? Por que não se reúnem e dão coletiva para explicar as mensagens? Deveriam dar uma coletiva, não gostam tanto de imprensa, holofote? Por que eles não reúnem jornalistas do Brasil e do mundo? Por que deveria ser uma coletiva inclusive internacional, com gente do New York Times, com gente do Le Monde, para eles prestarem contas para a opinião pública internacional sobre o que eles fizeram para o Brasil.
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