O depoimento do ex-ministro Eduardo Pazuello à CPI da Covid-19, nesta quinta (20), reforçou a tese de omissões do governo federal durante a pandemia. De acordo com ele, o presidente Jair Bolsonaro estava presente na reunião interministerial em que foi negado ao Amazonas socorro por parte da União durante a crise de falta de oxigênio nos hospitais do estado, principalmente na capital Manaus
Pazuello relatou que a situação do Amazonas foi apresentada aos ministros pelo governador Wilson Lima (PSC), mas esquivou-se da responsabilidade. “Essa decisão não era minha”, resumiu. “Foi levado (o pedido de intervenção) à reunião de ministros com o presidente. E o governador, presente, se explicou, apresentou suas observações. E foi decidido pela não-intervenção. Foi dessa forma que aconteceu”.
Em seguida, novamente questionado pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Pazuello repetiu a informação. “O presidente da República estava presente. A decisão foi tomada nessa reunião”, disse.
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O pedido de intervenção tinha sido feito pelo senador Eduardo Braga (MDB-AM). Na ocasião o estado vivenciava o segundo pico da doença e sofria com falta de oxigênio para atender pacientes internados com Covid-19. Diversas pessoas morreram por asfixia sem conseguir acesso ao kit intubação. Wilson Lima é aliado do presidente Bolsonaro. Em maio deste ano, o vice-governador do Amazonas acusou o presidente Jair Bolsonaro de usar o estado para fazer uma “experiência” com a tese da imunidade de rebanho contra o coronavírus.
O depoimento de Eduardo Pazuello começou na manhã da terça-feira (19), mas foi interrompido após o general da ativa alegar que estava passando mal.
Comparações com Eichmann
O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), um dos mais vocais críticos da postura do militar, chegou a compará-lo com o alemão Adolf Eichmann – militar nazista preso e julgado por Israel em 1963, retratado no livro “Eichmann em Jerusalém”, da filósofa Hannah Arendt. Ao ser preso, acusado da morte de 400.000 judeus húngaros, Eichmann se mostrou alguém incapaz de reconhecer seus atos e erros, se considerando apenas uma pessoa que seguia ordens.
A fala, no entanto, acabou retirada das notas taquigráficas da sessão, por conter “expressões descorteses ou insultuosas”, cujo uso é vedado aos senadores
“A referência que eu fiz ao julgamento de Eichmann é justamente pelo fato de que a burocracia não pode ser totalmente insensível à realidade. Não é possível que a gente utilize o serviço burocrático para exercício de poder sem mensurar as consequências concretas”, disse Vieira durante sua inquirição, em um dos trechos não vetados. “E, quando eu perguntei e a testemunha confirmou o conhecimento que tem, o Brasil não adota a teoria da obediência cega. No Brasil, cada funcionário tem sua responsabilidade, e medidas adotadas pelo Governo ou omissões geraram mortes. É simples assim.”
A fala do general, a mais aguardada até o momento na CPI, foi interrompida ontem pouco depois das 16h por conta do início da ordem do dia no Plenário do Senado. Durante o intervalo, o general passou mal e foi atendido pelo senador Otto Alencar (PSD-BA). Na saída do Senado, Pazuello negou ter sofrido da síndrome vasovagal, conforme alegou Otto.
Coronavac
O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) questionou Pazuello sobre a fala do ex-ministro a respeito da desistência da compra do governo federal da Coronavac. O general não soube dizer porque as redes oficiais do Ministério da Saúde apagaram publicação que indicava a compra do imunizante após Jair Bolsonaro reagir dizendo que não compraria a vacina do Butantan.
Na ocasião, depois uma reunião com governadores, Pazuello afirmou que seriam adquiridas 46 milhões de doses, mas Bolsonaro se opôs à compra pelo imunizante ser um trunfo político do seu opositor político João Doria, governador de São Paulo. Após ser desautorizado publicamente, Pazuello apareceu em um vídeo ao lado de Jair Bolsonaro dizendo que “é simples assim: um manda e o outro obedece”.
Falta de oxigênio
No início da sessão desta quinta-feira (20), o senador Eduardo Braga (MDB-AM) pediu que Pazuello pedisse desculpas ao povo manauara por transitar em um shopping sem máscara.
Braga também questionou o ex-ministro sobre de quem é a responsabilidade pela falta de oxigênio no Amazonas e pelo fechamento do hospital de campanha de Manaus.
Ainda em relação à falta de oxigênio em Manaus, Pauzello disse que sua missão foi cumprida e que “tem sentimentos” e que missões dadas foram “cumpridas imediatamente”. “Eu falo com Manaus todos os dias, amigos meus morreram. É complicado achar que eu não fiz ou não fiz porque não quis. O que faria uma pessoa como eu, um filho da terra, um oficial general formado lá, com amigos e família lá, como não tomaria decisões imediatamente? Que mente doente seria a minha de dizer que Manaus eu ia deixar as pessoas morrerem?”, disse Pazuello ao senador Angelo Coronel.
Randolfe também apresentou documentos que comprovam que o ex-ministro estava ciente da falta de oxigênio em Manaus desde o dia 7 de janeiro, e não no dia 10 como Pazuello alegou. O senador também disse ter a comprovação de que o presidente Jair Bolsonaro participou da reunião ministerial que decidiu não intervir na crise do estado. “Omisso!”, disse.
Ainda sobre sua missão no Amazonas, Pazuello cometeu uma gafe e confundiu o sobrenome do senador Angelo Coronel com a patente militar.
Tratecov
Pazuello novamente tentou explicar a origem do aplicativo Tratecov. “ É uma calculadora que facilita diagnóstico. […] A construção foi feita de 6 a 10 de janeiro. Ele não estava completo, precisava colocar os CRMs lá dentro. No dia que foi apresentado, ele foi hackeado. Existe um boletim de ocorrência. Ele alterou e colocou nas rede pública.” No fim das contas, disse o ex-ministro, nunca foi utilizado por nenhum médico.
“Havia conhecimento da questão do oxigênio, a própria secretaria disse que não faltaria e sua equipe esteve presente e faltou planejamento da sua equipe e ação para salvar vidas”, disse Eduardo Braga.
“Esse programa que o ministro diz ter sido hackeado foi divulgado pela TV Brasil”, advertiu Omar Aziz.
Cloroquina
Os governadores do consórcio Nordeste e João Doria, de São Paulo, foram citados na CPI da Covid pelo senador Marcos Rogério, que mostrou um vídeo com governadores falando sobre o uso da cloroquina. O presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM), rebateu o material dizendo que houve mudança no protocolo de uso do medicamento. “Isso era em março de 2020, os protocolos mudam”, afirmou o senador.
Pazuello afirmou não ter comprado nenhum comprimido do medicamento.
Pazuello x imprensa
Ao chegar para o depoimento de hoje, o ex-ministro da Saúde solicitou à Polícia Legislativa do Senado que fizesse sua segurança deixando sempre ele por último e fora de vista da imprensa. “Não queria ser visto pela mídia”, revelou uma fonte ao Congresso em Foco.
Flávio Bolsonaro
Com o nome citado do filho do presidente e vereador do Rio de Janeiro, Carlos Bolsonaro, o senador Flávio pediu a palavra para defender o irmão. “É como se fosse crime um filho falar com o pai”. Carlos é acusado de integrar um gabinete paralelo que aconselha o presidente, o que fere a lei da impessoalidade na administração pública.
Segundo o senador, Carlos não aconselha o presidente. “Quer saber quem aconselha o presidente? Eu vou dar um nome! O pastor Silas Malafaia. Chama ele aqui!”.
Aliado de Bolsonaro, o senador Marcos Rogério (DEM-RO) informou que vai apresentar um requerimento para convocar o pastor.
A Sessão foi suspensa por tumulto entre os senadores após a fala de Flávio.
“O senhor não sabe nada sobre o vírus.”
O senador Otto Alencar (PSD-BA) foi incisivo sobre a falta de conhecimento do general Pazuello sobre os combates a epidemia de covid-19.”Não poderia ser ministro da Saúde. eu no seu caso não aceitaria, o senhor não sabe nada sobre o vírus”, disse.
Otto Alencar é medico de formação e questionou o ex-ministro sobre os conhecimentos em relação ao coronavírus, mas ficou sem resposta. O senador também leu frases em que Bolsonaro disse que não ia comprar doses de vacina contra a covid-19. Pazuello negou que o presidente interferiu nas decisões do ministério. “Eu no lugar do senhor não sentava nessa cadeira ai, confessava logo o crime”, disse sobre a gestão do general.
Compra de vacinas
Randolfe questionou o ex-ministro sobre a compra de vacinas na sua gestão. Ele interrogou Pazuello sobre a retirada do artigo na Medida Provisória que atrasou em três meses a compra de vacinas da Pfizer.
De acordo com Randolfe, o governo alegava “divergência jurídica” para a compra das vacinas, mas não tomou atitudes para resolver. O senador também acusou Pazuello de esconder o número de mortes pela covid-19 nos dados do Ministério da Saúde. Ele apontou que os dados dos recuperados estavam muito maiores no painel do que o número de mortes.
Primeiro dia de depoimento
A fala de Pazuello durante a quarta-feira (19) foi blindada por um habeas corpus que o permite se calar sobre atos relativos às suas ações diante da pasta. Mesmo assim, o general respondeu às perguntas dos senadores, de maneira considerada prolixa e tortuosa pelos parlamentares, que criticaram a postura.
“A grande dificuldade é que ele elaborou uma estratégia para não responder exatamente, dissimular e delongar estas respostas, se omitir e mentir”, disse Renan Calheiros, relator da CPI. “Foi uma opção que fez o ex-ministro e dessa forma está colaborando muito pouco com a investigação. Ele é a principal testemunha, mas resolveu mentir”. O senador alagoano chegou a sugerir a contratação de agências de checagem para rebater eventuais mentiras faladas pelos depoentes – porém não explicou como isso poderia ser feito.
“Ajudante de ordens do presidente Bolsonaro”
O senador Rogério Carvalho (PT-SE) discursou sobre as interferências do presidente Bolsonaro nas decisões de Pazuello como ministro da Saúde . O parlamentar mostrou vídeos do presidente causando aglomerações sem máscaras e recomendando o uso de cloroquina. O ex-ministro disse que a fala de Rogério Carvalho trazia “reflexão”, mas voltou a negar a interferência de Bolsonaro. De acordo com ele, não tomava decisões só, mas sim com secretários estaduais e municipais de Saúde.
14 oportunidades
O relator da Comissão, Renan Calheiros (MDB-AL) disse que Eduardo Pazuello mentiu por pelo menos 14 vezes na CPI.
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