Preso nesse sábado (12) na Bolívia, o italiano Cesare Battisti se encaminha para a prisão perpétua na Itália, onde foi condenado sob a acusação de ter participado do assassinato de quatro pessoas na década de 1970. O destino, segundo ele, poderia ser outro se tivesse medido melhor sua própria força e negociado anteriormente com as autoridades de seu país. A autocrítica foi feita por ele em entrevista ao Congresso em Foco em 7 de setembro de 2009 no Complexo Penitenciário da Papuda, onde estava preso. Essa foi uma das raras declarações dadas por Battisti a um veículo de imprensa no Brasil.
Sempre ressaltando que era inocente e alvo de “perseguição política implacável”, Battisti reconheceu, na ocasião, que superdimensionou o seu poder. “Achava que tinha mais força do que tenho. Fiz uma má avaliação da situação”, afirmou ele, em sua primeira passagem pela prisão no país (entre 2007 e 2011) – a segunda ocorreu em 2o15 e a terceira, em 2017.
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“Fui mal assessorado. Eu não estava me escondendo. Participava de encontros políticos nos países por onde estive. Deveria ter negociado minha rendição desde o princípio”, afirmou. “Sou um arquivo vivo que não se calou. Falei demais talvez. Não conhecia meus limites. Por isso estou aqui. Mas estou pronto para tudo”, acrescentou ele, no feriado chuvoso da Independência nove anos atrás.
Terrorista ou ativista?
Battisti reclamou, na ocasião, que seu caso foi conduzido com dois pesos e duas medidas. “Quando tratam de me condenar, me acusam de crime político. Quando é para me extraditar, dizem que foi um crime comum”, criticou. “Nessas horas sou um animal ainda mais político. Sou muito realista. Sei o que represento, agora conheço meus limites”, ressaltou.
Este repórter conversou com o italiano em uma ala reservada a ex-policiais e detentos com nível superior na Papuda, a convite do Comitê de Solidariedade a Cesare Battisti, formado por militantes de direitos humanos. O Congresso em Foco era o único veículo de imprensa presente.
Cesare Battisti, exclusivo: “Estou pronto pra tudo”
Terrorista, de acordo com a Justiça e outras autoridades da Itália; ativista político, segundo seus defensores na esquerda, Battisti virou um dos assuntos mais populares e controversos enfrentados pela diplomacia brasileira nos últimos 12 anos.
<< Battisti usava óculos escuros e uma barba postiça no momento da prisão, enquanto caminhava por Santa Cruz. Não ofereceu resistência. Veja o vídeo divulgado pela polícia italiana.
🎥 #CesareBattisti ripreso poco prima della cattura
Team di poliziotti #Criminalpol #Antiterrorismo e #Digos Milano con collaborazione intelligence italiana lo hanno pedinato fino all’arresto da parte dela polizia boliviana @INTERPOL_HQ pic.twitter.com/adBu9iRvX2— Polizia di Stato (@poliziadistato) 13 de janeiro de 2019
Direita comemora
Na conversa, Battisti disse que as autoridades de seu país tinham “obsessão” em extraditá-lo por motivação política. “O povo italiano não sabe quem é Cesare Battisti. Tem preso político sepultado vivo na Itália há 40 anos. Nossos inimigos daquela época [anos 70] agora estão no poder”, afirmou dois meses antes de o Supremo Tribunal Federal (STF) autorizar sua entrega às autoridades europeias. Os ministros, no entanto, deixaram a palavra final com o então presidente Lula, que decidiu mantê-lo no país.A captura de Battisti foi comemorada pelo presidente Jair Bolsonaro em seu Twitter. Ele havia prometido entregá-lo às autoridades italianas ainda durante a campanha eleitoral. “Parabéns aos responsáveis pela captura do terrorista Cesare Battisti! Finalmente a justiça será feita ao assassino italiano e companheiro de ideais de um dos governos mais corruptos que já existiram do mundo (PT)”, fustigou.
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O governo da Itália agradeceu a Bolsonaro pelo apoio. “[Battisti] não merece uma vida confortável na praia, mas terminar seus dias na prisão”, declarou o ministro do Interior italiano, Matteo Salvini, líder de um partido de extrema-direita.
Ainda na entrevista de 2009, Battisti contou que três fatores pesaram em sua decisão de vir para o Brasil: a tradição do país em acolher ex-ativistas italianos, a associação da imagem do então presidente Lula às lutas sociais e as boas referências dadas por amigos brasileiros que conheceu em Paris. “Achei que aqui poderia reconstruir minha vida pessoal”, disse.
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Anos de chumbo
O caso Battisti remonta a um banho de sangue que ocorreu na Itália nos chamados anos de chumbo, período que se estendeu do final dos anos 60 ao início da década de 80. Sequestros, atentados a bomba, assaltos a bancos e assassinatos foram promovidos por diversos grupos de esquerda e direita. O ápice ocorreu entre 1977 e 1979, quando mais de 300 grupos terroristas estavam presentes país. Mais de 2 mil atentados foram registrados nesse período. Cinco vezes primeiro-ministro do país, o líder da democracia cristã Aldo Moro foi sequestrado e assassinado pelos extremistas do movimento Brigadas Vermelhas, em 1978.
Battisti fazia parte de um grupo de extrema-esquerda criado na região da Lombardia chamado Proletários Armados para o Comunismo (PAC). Ele foi condenado sob a acusação de ter matado o carcereiro Antonio Santoro, em junho de 1978, e o agente policial Andrea Campagna, em abril de 1979, de ter dado cobertura ao assassinato do açougueiro Lino Sabbadin, em 16 de fevereiro de 1979, e ter tramado a morte do joalheiro Pierluigi Torregiani, também no mesmo dia. Na época, os assassinatos foram reivindicados pelo PAC.
Delação premiada
Ainda em 1979, Battisti foi preso, juntamente com outros integrantes do movimento, acusado de porte ilegal de armas e participação em grupo armado. Condenado a 12 anos e meio de prisão, ele fugiu em 1981 para a França e, depois, para o México.
Em 1982, Pietro Mutti, um dos líderes do PAC, responsabilizou Battisti pelas quatro mortes. Principal acusado pelos homicídios na época, Mutti aceitou o instrumento da delação premiada, que implica a redução da pena para o preso que colabora com as investigações.
As alegações dele foram consideradas procedentes pela Justiça italiana que, em 1993, confirmou a condenação de Battisti, consolidando sentença dada em 1988, à prisão perpétua.
O italiano sustenta que deixou o PAC ainda em maio de 1978, logo após os Brigadas Vermelhas matarem Moro. Em carta enviada aos ministros do Supremo Tribunal Federal em 2009, Cesare Battisti afirmou que não concordava com os assassinatos promovidos pelos movimentos de esquerda.
A defesa de Battisti foi feita no STF pelo advogado Luís Roberto Barroso, hoje ministro da corte. Na época, Barroso contestou a participação do italiano nos crimes que resultaram em sua condenação:
“Em resumo: um dos líderes da organização, preso e acusado, transferiu todas as culpas possíveis para o militante foragido. Procedimento padrão em qualquer movimento político dessa natureza. Mutti obteve, assim, todos os benefícios da delação premiada e, embora fosse acusado de participação nos homicídios de Santoro e Sabbadin (v. doc. fls. 120 e 157), acabou condenado a apenas nove anos de prisão (v. doc. fls. 1071). Cesare Battisti, por sua vez, que jamais havia tido seu nome associado a qualquer dos homicídios nas investigações realizadas pela polícia e pela magistratura de instrução, foi novamente julgado, dessa vez in absentia, no contexto de uma espécie de revisão criminal. Foi condenado à revelia pelos quatro homicídios, por decisão de 13.12.1988, confirmada em segundo grau em 16.12.1990 e 31.03.1993. 8. Registre-se que a decisão condenatória tratou os homicídios e diversos outros tipos penais como uma unidade factual e jurídica. Ou seja: Cesare Battisti foi condenado à prisão perpétua, com isolamento solar de seis meses, pelos quatro homicídios e, conjuntamente, pelos crimes a eles diretamente relacionados, que incluíam subversão da ordem do Estado, associação subversiva, insurreição armada e apologia à subversão. A decisão sequer discrimina a pena atribuída a cada delito, afirmando estarem ‘unificados todos os crimes pelo vínculo de continuidade’ (v. doc. fls. 477). Note-se bem: a decisão não apenas não faz qualquer distinção entre crimes políticos e crimes comuns, como trata todos os delitos em bloco, dentro do contexto da criminalidade política do período.”
Fuga e exílio
Depois de viver até o final dos anos 80 no México, onde trabalhou na área cultural, Battisti retornou à França, país de sua então mulher, em 1990, quando o primeiro-ministro François Mitterrand prometeu não extraditar para a Itália os militantes esquerdistas que houvessem renunciado à luta armada. Em 1991, ele foi preso a pedido das autoridades italianas por cinco meses. Mas o Tribunal de Apelações de Paris negou a extradição e o pôs novamente em liberdade.
Em 2004 veio para o Brasil após ter sua condição de refugiado revogada pelo novo governo francês. Battisti foi encontrado no Rio no início de 2007, após operação que envolveu policiais brasileiros, franceses e italianos. Foi transferido logo em seguida para a sede da Polícia Federal em Brasília e, na sequência, para a Papuda. Na época, o então ministro da Justiça, Tarso Genro, concedeu a ele o status de refugiado político, em uma decisão polêmica que foi muito criticada na Itália.
Em novembro de 2009, o Supremo considerou ilegal o status de refugiado e permitiu sua extradição. Mas, como prevê a Constituição, conferiu ao presidente poderes pessoais para derrubar a decisão. Foi o que fez o ex-presidente Lula em 31 de dezembro de 2009, véspera da posse de Dilma Rousseff.
Prende e solta
Battisti foi libertado em 9 de junho de 2011 da prisão. Depois disso casou e teve um filho brasileiro. Em março de 2015, um juiz federal decidiu anular a decisão de conceder-lhe um visto de permanência, alegando que isso entraria em conflito com a lei brasileira, ordenando sua deportação. Mas em setembro daquele mesmo ano, o Tribunal Regional Federal da Primeira Região declarou ilegal a deportação de Battisti.
As autoridades italianas pediram em 2017 que o então presidente Michel Temer revisasse o veto de Lula à extradição. Na oportunidade, a defesa de Battisti solicitou ao Supremo um habeas corpus preventivo para que ele não fosse extraditado. Fux concedeu a liminar (decisão provisória) até um novo posicionamento do STF.
Em 13 de dezembro do ano passado, o ministro revogou a liminar, expediu a ordem de prisão e repassou para Temer a decisão de extraditar ou não o condenado. Segundo Fux, novos fatos no curso do processo permitiam o “reexame da conveniência e oportunidade de sua permanência no país”. Ele citou a prisão de Battisti na fronteira com a Bolívia com US$ 6 mil e 1,3 mil euros. A suspeita é de que ele planejava fugir do país.
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