Dois portais de transparência do governo federal indicam que as Forças Armadas licitaram, apenas em 2020, a compra de mais de 1,2 mil toneladas de filé mignon, ao custo total de R$ 47,9 milhões, para os integrantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. No mesmo período, também foram abertos processos de compra de 438,8 toneladas de salmão no valor total de R$ 18,6 milhões.
Os dados fazem parte de levantamento feito pelo PSB na Câmara e são objeto de denúncia levada pelo partido esta semana ao Tribunal de Contas da União (TCU). A representação vai se somar a outras em andamento na corte que também tratam de compras envolvendo as Forças Armadas, como o processo para aquisição de 700 toneladas de picanha e 80 mil litros de cerveja, entre outros produtos alimentícios. O caso será relatado pelo ministro Walton Alencar.
As informações do novo levantamento foram coletadas por meio de duas páginas de compras do Ministério da Economia – o Painel de Preços e o Comprasnet -, também consultadas pelo Congresso em Foco. As licitações seguiram o modelo pregão, aquele em que é escolhido o fornecedor que oferece o produto pelo menor preço.
No caso do filé mignon, foram 823,9 toneladas licitadas apenas pelo Exército, 247,8 toneladas pela Marinha e 187,3 toneladas pela Aeronáutica. Também há registro de licitação de 200 kg de filé para a Indústria de Material Bélico do Brasil (Imbel), uma estatal ligada ao Exército, e outras 2,7 toneladas para o próprio Ministério da Defesa.
“Esse milhão de quilos de filé chega aos recrutas ou é exclusividade das altas patentes das Forças Armadas? E o povo é obrigado a pagar carne nobre para eles enquanto tem ovo frito no cardápio?”, questiona o deputado Elias Vaz (PSB-GO), responsável pela representação, também assinada por outros nove parlamentares de seu partido.
Em apenas um dos processos homologados pelo Centro de Obtenção da Marinha no Rio de Janeiro, foi autorizada a compra de 134,7 toneladas do nobre corte bovino a R$33. Ou seja, somente o valor desta compra equivale a R$ 4,4 milhões.
Outros números também impressionam: o Comando do Exército, por exemplo, licitou para a Base Administrativa de Guarnição de Fortaleza 68,2 toneladas de mignon bovino sem cordão congelado a R$ 39,84, equivalente ao total de R$2,7 milhões.
O Terceiro Batalhão de Suprimento e Depósito de Subsistência de Santa Maria e o Depósito de Subsistência de Santo Ângelo, no Rio Grande do Sul, conseguiram homologação para a compra de 73,2 toneladas da mesma peça a R$ 39,99. O valor da compra, se efetivado, chega próximo de R$ 3 milhões.
Já o Comando da Primeira Região Militar do Rio de Janeiro foi autorizado a comprar 100,2 toneladas de filé mignon sem cordão a R$ 41,5 o item. Para esta compra, o valor é de R$ 4,1 milhões.
Veja os dados em detalhamento (fonte PSB/Painel de Preços/Comprasnet):
As informações complementam a representação já protocolada pelo PSB no mês passado na Procuradoria-Geral da República para investigação de processos de compras feitas pelo governo federal.
Foram encontrados ainda processos de compras para Exército, Marinha, Aeronáutica e Ministério da Defesa para bebidas alcoólicas, como 25 garrafas de uísque 12 anos; 15 de uísque oito anos e 1.111 garrafas de conhaque.
O Ministério da Economia, que publica os dados, confirmou que as informações estão corretas e que “todas as compras homologadas foram autorizadas pela respectiva autoridade competente em cada órgão”.
A pasta diz ainda que a administração pública registra um preço a um fornecedor vencedor da licitação por um ano, ao longo do qual ela pode demandar quantidades parciais do total registrado. Ou seja, não fica obrigada a compra da totalidade dos itens descritos nas Atas de Registro de Preços. “Não é incomum que as compras efetivamente realizadas sejam menores do que os quantitativos que ficam disponíveis nas atas”.
Já o Ministério da Defesa diz que não tem os dados consolidados e que os pedidos precisam ser encaminhados individualmente do Ministério para as Forças Armadas, que por sua vez repassam os questionamentos sobre os processos às unidades. Portanto, diz a pasta, não há como checar quais compras foram realizadas ou não dentro do prazo solicitado pela reportagem.
Em nota (leia íntegra no fim da reportagem), o ministério não mencionou os valores licitados apontados pelo levantamento e critica, de maneira generalizada, reportagens publicadas sobre o assunto. “Gastos das Forças Armadas vêm sendo divulgados de forma equivocada e distorcida, gerando desinformação”, afirma. A pasta disse ainda que “distorções se repetem a cada suposta ‘descoberta’, sempre anunciada de forma oportunista e sensacionalista” e que a alimentação de 370 mil militares da ativa, em 1.600 organizações militares em todo o país, é prevista em lei.
Ao contrário dos civis, diz o ministério, militares não recebem auxílio alimentação. “O valor da etapa diária, desde 2017, é R$ 9,00 por militar – isso é o que os quartéis, navios e bases dispõem para comprar gêneros e preparar três refeições diárias. Não é justo nem correto falar em gastos exorbitantes”.
Filé e lombo de bacalhau
Este é o terceiro levantamento feito pelo PSB no intervalo de um mês. Após a descoberta de processos administrativos para a compra de mais de 700 toneladas de picanha e 80 mil cervejas, que culminaram na representação apresentada à Procuradoria-Geral da República, parlamentares do PSB encontraram novos dados licitatórios para a aquisição de nove mil quilos de filé de bacalhau, 139 mil quilos de lombo do mesmo peixe, além de dez garrafas de uísques 12 anos para o Comando do Exército e de 660 litros de conhaque para o Comando da Marinha.
“A lista de produtos de luxo nas compras governamentais parece não ter fim. É indecente que o governo torre milhões para garantir um cardápio requintado para alguns grupos enquanto uma boa parcela do nosso povo mal consegue ter arroz com feijão no prato”, afirma o deputado Elias Vaz.
Além do parlamentar goiano, assinam o documento entregue à PGR Alessandro Molon (RJ), Lídice da Mata (BA), Aliel Machado (PR), Bira do Pindaré (MA), Camilo Capiberibe (AP), Denis Bezerra (CE), Gervásio Maia (PB), Marcelo Nilo (BA) e Vilson Luiz da Silva (MG).
Leia nota do Ministério da Defesa na íntegra:
O Ministério da Defesa informa que, uma vez mais, gastos das Forças Armadas vêm sendo divulgados de forma equivocada e distorcida, gerando desinformação. O assunto não é novidade e já devidamente esclarecido, tendo sido objeto de notas publicadas em 16 de fevereiro nos jornais Estado de São Paulo e Correio Braziliense.
Distorções se repetem a cada suposta “descoberta”, sempre anunciada de forma oportunista e sensacionalista. Com leite condensado, que deu início à série de distorções, por exemplo, foi gasto dez vezes menos do que noticiado, equivalendo a 0,8 lata por militar no ano. Outros itens, anunciados com alarde, sequer foram comprados.
A alimentação de 370 mil militares da ativa, em 1.600 organizações militares, em todo o País, é prevista em lei. Ao contrário dos civis, militares não recebem auxílio alimentação. O valor da etapa diária, desde 2017, é R$ 9,00 por militar – isso é o que os quartéis, navios e bases dispõem para comprar gêneros e preparar três refeições diárias. Não é justo nem correto falar em gastos exorbitantes.
Naturalmente, devido ao grande efetivo, os gastos somados de cada item no ano são elevados. Além disso, Atas de Registro de Preços, processo previsto em lei, estão sendo divulgados como gastos realizados, o que é incorreto.
Os processos de compra são executados de forma transparente – tanto que podem ser consultados por qualquer cidadão – e auditados pelos órgãos de controle interno e externo, passando por constantes aprimoramentos.
As questões sobre a referida representação serão tratadas e respondidas pelos canais competentes, com todas as informações necessárias, caso haja diligência a esta pasta.
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