O encontro com a nova líder do Psol, Talíria Petrone (RJ), em um gabinete do Anexo 4 da Câmara dos Deputados, coincide com a hora em que ela amamenta Moana, oito meses. Ela acompanharia a mãe em boa parte da entrevista, destinada primordialmente ao novo episódio do Quórum, o podcast do Congresso em Foco. “Isso é desafiador. Os desafios da maternidade”, comentaria depois a deputada ao pedir a uma assessora para sair um pouco com a filha. “Se ela chorar muito, pede pra trazer pra mim”, completa.
Professora, formada em História e com mestrado em Serviço Social, Talíria, que fará 36 anos em 9 de abril, chegou ao Congresso projetada pelos mais de 107 mil votos que recebeu e a fama de ser uma espécie de herdeira do legado político da vereadora Marielle Franco, assassinada em março de 2018. Como Marielle, ela é jovem, negra e é constantemente acossada por ameaças de morte. Também começou a vida parlamentar como vereadora – em Niterói (RJ).
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Talíria vem da reunião de líderes, ocorrida pouco antes, na última quinta-feira (4). Um dos assuntos que a incomodam é a provável confirmação da deputada Carla Zambelli (PSL-SP) como secretária de Comunicação da Câmara dos Deputados.
“Colocar alguém que é investigada por produzir fake news, o processo corre no STF, que incentivou atos autoritários, é alguém que não tem apreço pela democracia, para conduzir a comunicação da casa? Isso me parece muito perigoso como sinalização para a democracia”, afirma a recém-empossada líder do Psol.
Ela diz que vai questionar a indicação junto ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ressaltando que Zambelli “tem o mesmo perfil de Bia Kicis”, cuja indicação para presidir a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a mais poderosa comissão da Câmara dos Deputados, gerou fortes reações contrárias. Nesse caso, porém, há expectativa de que o cargo fique com outra pessoa, que derrotaria Bia Kicis no voto. A mais cotada é a deputada Margarete Coelho (PP-PI), que é do partido de Lira, tem boa formação jurídica e é mais bem vista pelas outras legendas partidárias.
Uma das maiores adversárias do governo Bolsonaro na Câmara, Talíria Petrone reconhece que a eleição de Lira torna muito difícil, quase impossível a abertura de um processo de impeachment contra o presidente que estimulou atos públicos pelo fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal, que hostiliza a todo tempo jornalistas e que tem sido apontado pela imprensa internacional e por outras instituições como o pior gestor da pandemia de covid-19 no mundo.
“Se já não havia antes correlação de forças aqui dentro para abrir um processo de impeachment, agora é que não terá mesmo”, diz a líder do Psol, que, apesar disso, manifesta esperança de mudança desse quadro a partir da pressão popular.
“Acho que o jogo não está perdido. Infelizmente, vejo uma tendência a ter uma piora da vida do povo. Temos 14 milhões de desempregados, há um processo acelerado de informalização do trabalho, muitos trabalhadores hoje acordam sem saber se vão ser capazes de levar comida pra casa. O que muda, a meu ver, é que o debate passa a ser se a pessoa vai comer ou não vai comer, e isso pode criar um clima de insatisfação ainda maior com o governo Bolsonaro” – afirma ela.
Para a deputada do Rio de Janeiro, o resultado da eleição para presidente da Câmara confirmou o acerto da decisão da sua bancada de lançar Luiza Erundina (Psol-SP) como candidata à vaga conquistada por Arthur Lira. Na sua avaliação, os partidos de esquerda deram a maior parte dos 145 votos obtidos por Baleia Rossi (MDB-SP). “Não tem nada de autoproclamatório nisso, mas o fato é quem sustentou a candidatura do Baleia Rossi foi a esquerda, que teve uma derrota grande e ainda perdeu a chance de fazer um debate sobre o queremos para o Legislativo e para o país”, observou.
Na sua opinião, os próximos dois anos serão “mais difíceis” do que o biênio em que a Câmara esteve sob o comando de Rodrigo Maia. A pauta econômica dos dois, acredita a deputada, é a mesma. As diferenças são a proximidade de Lira com Bolsonaro (“está claro que o Lira fez acordos com ele”) e o estilo de trabalho, mais autoritário. Dá como exemplo a primeira reunião de líderes, da qual saiu há pouco. “Ele fez um método de reunião que parecia democrático. Todos os líderes falaram, ele ouviu todo mundo e depois disse o que ia fazer, sem que sequer tenhamos discutido as questões colocadas pelos últimos deputados que falaram. Quer dizer, pareceu que ele já tinha uma pauta pronta”, contou.
Garantir a participação plena dos dois deputados mais idosos da bancada, Erundina e Ivan Valente (Psol-SP), é outra das suas preocupações. Ela critica a decisão da nova Mesa da Câmara de tornar integralmente presenciais as atividades das comissões permanentes, cujos trabalhos serão retomados após o Carnaval. “Teremos dois tipos de parlamentares, os que vêm e os que não vêm para a Câmara ou porque são idosos ou porque têm outros fatores de risco”, queixa-se. “Estamos no auge da pandemia. Acho que poderíamos esperar dois ou três meses para começar a atividade presencial”.
Moana volta ao colo de Talíria, aos prantos, trazida pela assessora de imprensa, Leonor Costa. A filha se acalma, encostada à mãe.
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