Jonas Valente *
Nesta semana, o grupo de trabalho destinado a analisar o Projeto de Lei 2.630 de 2020 se reuniu para avaliar o texto do relator, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), à proposta que visa regular redes sociais, serviços de mensageria e mecanismos de busca, de autoria do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE). A redação protocolada pelo parlamentar traz avanços importantes, mas ainda demanda ajustes e melhorias para garantir a eficácia no combate a abusos como a difusão de conteúdos falsos. Diante de um pedido de vista coletiva, a definição sobre o substitutivo ficou para a próxima semana.
O relatório dá nova redação para a chamada “Lei da Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet”. O texto aprovado no Senado não fixava uma definição de desinformação, mas trazia um conjunto de medidas com o intuito de combater essa prática, como vedar determinadas condutas (contas automatizadas não identificadas), elencar obrigações de transparência para redes sociais e apps de mensagem, listar sanções (como multas e suspensão de atividades) e prever um conselho de transparência que elaboraria um código de conduta, entre outros pontos.
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A versão submetida ao grupo de trabalho incorporou melhorias relevantes diante da redação aprovada pelo Senado. O substitutivo qualificou os deveres de transparência nos itens previstos como obrigações nos relatórios das redes sociais, serviços de mensageria e mecanismos de busca.
Um dos pontos mais polêmicos da proposta, as regras para aplicações de mensageria privada, teve um substancial avanço na nova versão. O texto abandonou a proposta de rastreabilidade da cadeia de mensagens da versão do Senado ou da obrigação de identificação do remetente original de uma das redações que circularam entre os parlamentares.
Em seu lugar, foi adotado um novo arranjo que combina uma vedação ao encaminhamento para múltiplos destinatários como forma de combater a viralização de mensagens falsas e regras para fortalecer a produção de provas por meio do acesso a metadados de investigados a partir de decisão judicial. Essa nova proposta permite que esses dispositivos auxiliem a reduzir a circulação de conteúdos ilícitos, discurso de ódio e desinformação sem viola direitos como a proteção de dados, como ocorria nas versões anteriores.
PublicidadeO relator melhorou aspectos importantes na moderação de conteúdo, dando foco nas regras previstas no texto na garantia do chamado devido processo, com procedimentos para eu usuários possam ser notificados quando uma publicação é objeto de uma medida (como marcação, suspensão ou exclusão) e possam recorrer. Esses recursos são fundamentais para evitar abusos por parte das plataformas. O texto melhora a versão aprovada no Senado ao retirar redações imprecisas e criar exceções às obrigações de notificação. O texto do relator também trata da reparação, quando as medidas de moderação são equivocadas e provocam dano ao usuário.
A redação incluiu entre as plataformas reguladas os mecanismos de busca, como o Google, fundamentais em uma regulação como essa. O substitutivo também avançou em termos das regras sobre uso de plataformas digitais por agentes públicos. O texto diferencia contas de interesse público para altos políticos eleitos, com obrigações e direitos específicos. O texto proíbe que políticos eleitos recebam recursos a partir de contas de aplicações (como verbas advindas de um canal de YouTube) e cria requisitos de divulgação de dados de órgãos da Administração Pública sobre publicidade contratada na Internet.
A nova versão também inovou positivamente abandonando o órgão previsto no texto aprovado no Senado, o conselho de transparência e responsabilidade. Agora, o papel de monitoramento do cumprimento da lei cabe ao Comitê Gestor da Internet, em uma câmara técnica com representação de instituições públicas, empresas, sociedade civil e comunidade técnica. Aspectos específicos ficam para o código de conduta.
Os avanços do texto sofrem agora resistências por parte de empresários do setor de tecnologias da informação e comunicação, em especial as plataformas digitais que serão reguladas em caso de aprovação da proposta. Esses questionamentos foram vocalizados por parlamentares alinhados a esse segmento na reunião do GT nessa quinta-feira (4). Essas empresas tentam reduzir as obrigações de transparência, em um momento em que escândalos de avolumam envolvendo os principais agentes do setor, como Facebook, Google e Twitter. Além disso, o setor empresarial tenta enfraquecer exigências que seriam estabelecidas no código de conduta.
A falta de regulação ou o estabelecimento de regras frágeis sobre as plataformas digitais já se mostraram insuficientes para evitar abusos e violações de direitos em diversos exemplos recentes. Neste sentido, retrocessos nos mecanismos de promoção de transparência e de devido processo podem enfraquecer a Lei e permitir que as garantias fundamentais sejam prejudicadas em função dos modelos de negócio e da busca do lucro por agentes econômicos.
Melhorias necessárias
A nova versão, contudo, ainda carece de melhorias. Entidades da sociedade civil, como o Intervozes, e articulações como a Coalizão Direitos na Rede ainda reivindicam ajustes na redação atual para reforçar a promoção de garantias dos cidadãos. Um dos pontos diz respeito ao Código de Conduta, que detalhará regras, obrigações e mecanismos previstos na Lei, incluindo dispositivos de devido processo e de combate à desinformação. O texto indica que as diretrizes seriam elaboradas pelo Comitê Gestor da Internet, mas não explica como o código seria formulado, deixando esse procedimento fundamental para as plataformas.
Caberia ao CGI, então, certificar os códigos elaborados pelos agentes regulados. Esse modelo abre espaço para um afrouxamento das regras e para uma dificuldade tanto na aprovação dos códigos quanto para o respeito às obrigações definidas. Na redação aprovada no Senado, a elaboração do código era uma prerrogativa da autoridade, então o Conselho de Responsabilidade e Transparência (e que na versão atual seria o CGI).
Outro ponto polêmico é o artigo que prevê de forma genérica a obrigação de remuneração pelas plataformas de conteúdos jornalísticos, pautada por empresários do setor de mídia. Em que pese a necessidade de desconcentrar os recursos decorrentes da publicidade de notícias, a redação tem problemas ao abrir espaço para que as plataformas beneficiem apenas grandes grupos de mídia e prejudiquem os pequenos veículos e ao remeter a definição das regras para o Executivo, e não de forma participativa. Por isso, seria importante que o tema fosse tratado com a atenção que merece em Lei própria ou no âmbito da reforma da Lei de Direitos Autorais.
O substitutivo do deputado Orlando Silva incluiu um tipo penal relacionado à atuação coordenada para disparo em massa de conteúdos inverídicos. Em que pese a redação ter sido aprimorada em relação a versões anteriores, o tratamento criminal do tema é preocupante em termos de liberdade de expressão e abre espaço para abusos.
Com a perspectiva concreta do PL ir a voto em plenário no Plenário da Câmara dos Deputados, os próximos dias serão uma etapa chave da definição de uma legislação que terá profundo impacto sobre os direitos digitais dos cidadãos. É preciso que os arranjos regulatórios propostos enfrentem a concentração de poder das plataformas digitais e promovam as garantias dos usuários, e não criem regras que poderão abrir margem para violações ou restrições a esses direitos.
* Integrante do Intervozes, pesquisador do LaPCom-UnB e Telas-UFC, um dos autores do livro “Fake News: o que as plataformas fazem para combater a desinformação” (Multifoco, 2021).
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