Clóvis Borges*
Natalie Unterstell**
Em meio à crise mundial decorrente de uma violenta pandemia, no momento em que se levantam questionamentos importantes sobre os crescentes impactos do ser humano na natureza e suas consequências, a busca pelo enfraquecimento da legislação ambiental vai na contramão dessas evidências e segue sem freio nos corredores do Executivo e Legislativo brasileiros.
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Está em questão a possível votação da Medida Provisória 910/2019, que ficou conhecida amplamente como “saldão de terras públicas”. O aumento do tempo para a aplicação da Lei avança mais sete anos em relação ao regramento anterior. E, além da Amazônia, a proposta faz valer a regra para todos os demais biomas nacionais. Na prática, a MP pretende garantir que quem invadiu áreas públicas depois de 2011 possa obter titulação dessas terras sem passar por qualquer processo licitatório e ainda pagando valores irrisórios pelas áreas.
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No entanto, uma importante resistência se faz presente. A partir de iniciativa da Frente Parlamentar Ambientalista (FPA), senadores, deputados federais e estaduais e três ex-ministros somaram forças a dezenas de instituições do Terceiro Setor para protestar contra mais uma tentativa de afrouxamento permissivo de regras sobre o uso da terra no Brasil; a terceira tentativa em menos de dois anos.
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O posicionamento contrário à MP sustenta que ela representa uma forma explícita e abusiva de estímulo ao desmatamento, com novas ocupações de áreas públicas para áreas de até 2.500 hectares, conforme uma das versões do documento indica.
Não bastasse o violento incremento no desmonte dos órgãos ambientais brasileiros e um retrocesso nas ações de fiscalização e controle, que sempre foram precárias, um esforço ainda maior para facilitar crimes contra o patrimônio natural nacional faz hoje parte das prioridades de legisladores e tem pleno aval das instâncias responsáveis no Executivo federal.
A truculência com a qual o uso do território brasileiro historicamente foi explorado segue numa perspectiva determinada em facilitar ilícitos a partir de concessões abusivas do próprio governo. Não existem limites para as pressões sempre intensas de grupos setoriais ligados ao agronegócio que são, segundo falas do próprio atual presidente da república, “os que mandam”.
Valiosa é a reação de setores da sociedade, incluindo parte dos representantes do Legislativo, no enfrentamento dessa MP infame.
Por hora, permanecemos na expectativa de que o momento sensível pelo qual todos estamos passando contenha o ânimo insaciável do ruralismo que domina a política na base do apelo econômico e na premissa do desenvolvimento a qualquer custo, que avança indiscriminadamente na destruição de áreas naturais em todo o Brasil e já cobra preços globais em forma, também, de agressivas pandemias que afetam a todos.
*Clóvis Borges é diretor-executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS)
*Natalie Unterstell, diretora da organização Talanoa. Ambos são parceiros do Observatório de Justiça e Conservação (OJC).
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