Lugar comum dizer que 2020 foi um ano fora da curva (e porque não dizer das retas também). Quase 200 mil mortos e mais de 7,5 milhões de contaminados no Brasil pelo COVID-19. Só para terem uma referência em 2019 morreram 5,3 mil pessoas em acidentes de trânsito nas rodovias federais brasileiras. Tabagismo, consumo de álcool, excesso de peso, alimentação não saudável e falta de atividade física são fatores de risco associados a 63 mil mortes (34% do total) por ano no Brasil.
Muitas dessas mortes (por COVID-19) potencialmente evitáveis tivéssemos um governo federal equilibrado, proativo, pautado pela boa ciência e razoabilidade e liderado por um presidente da República que não incentivasse o desrespeito sistemático e cotidiano aos protocolos de segurança do próprio Ministério da Saúde.
> Amazônia, Pampas e Pantanal encerrarão 2020 com aumento de incêndios
No dia 31 de dezembro de 2019 publiquei “Superar o mata-burro antiambiental: eis um bom desafio para 2020!” no meu blog e na minha coluna no portal Congresso em Foco. Sobrevivemos, sim … quase intactos em 2020, mas não me parece que o mata-burro anti-ambiental tenha sido superado.
Em apertada síntese, afirmei no citado artigo que em 2019 a pauta antiambiental governista não avançou no parlamento pelas seguintes três razões:
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- – o campo político de centro-esquerda (oposição) liderados pela Frente Parlamentar Ambientalista no Congresso Nacional foi bem sucedido, impulsionado por um arco importante de alianças que envolveu organizações de apoio à frente, Fórum de ex-ministros de meio ambiente, Observatório do Clima, Coalizão Brasil, Florestas e Agricultura, Observatório do Código Florestal, Rede de Advocacy Colaborativo com setores privados, academia, ongs, artistas e forte respaldo na mídia em geral;
- – três desastres ambientais de magnitude continental criaram um ambiente externo bastante adverso a retrocessos legislativos no campo dos direitos socioambientais: (i) Brumadinho em janeiro, (ii) aumento das queimadas na Amazônia no 2º semestre e (iii) derramamento de óleo em todo litoral nordeste brasileiro a partir de agosto; e
- – os presidentes Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre cumpriram um papel importante, entre tropeços e derrapadas, ao equilibrar com freios e contrapesos, o ímpeto antiambiental do executivo e não pautaram ao bel-prazer bolsonarista temas como o Projeto de Lei Geral de Licenciamento Ambiental (PL 3.729/2004) e a MP da Grilagem (MP 910/2019).
2020 teve como pano de fundo a pandemia que justificou o fechamento do Congresso Nacional para sessões presenciais a partir de 12 de março. Entrou em vigor o Sistema de Deliberação Remota (SDR) que por um lado significou, ao longo de todo ano, uma aceleração na aprovação de matérias diretamente em plenário, sobretudo, mas não apenas, relativas ao enfrentamento da pandemia.
Contudo, por outro lado, o SDR resultou em redução significativa da transparência e dificultou a participação direta da sociedade civil organizada na construção política das pautas e prioridades votadas em plenário. Poderes quase que absolutos para meia dúzia de líderes e para o presidente.
As comissões temáticas, as audiências públicas e inclusive as proposições de fiscalização e controle sobre o executivo foram praticamente todas paralisadas. Restou anulado um dos papéis centrais do Legislativo que é o controle, monitoramento, avaliação e a fiscalização sobre o Poder Executivo.
1º desafio real: MP da Grilagem (910/2019)
Começamos o ano com uma Medida Provisória sobre nossas cabeças, editada em 10 de dezembro de 2019. A batizada “MP da Grilagem” que pretendeu premiar ocupantes ilegais de terras públicas (até dezembro de 2018) e mesmo aqueles que tinham desmatado ilegalmente vegetação nativa em suas posses até dezembro daquele ano.
Uma forte articulação que resultou em uma campanha intensa da sociedade civil, ações de cyberadvocacy focado nos parlamentares e campanha em redes sociais com participação de artistas famosos, em torno do tema “grilagem” de terras foi determinantes para que o presidente Rodrigo Maia cumprisse seu compromisso de não pautá-la caso não houvesse acordo.
A ação da Coalizão Brasil Florestas, Clima e Agricultura em articulação com o deputado Zé Silva (Solidariedade/MG) e outros parlamentares de “meio-de-campo” entre ruralistas e ambientalistas, pautada em análises da Esalq/USP e UFMG, no esforço de propor uma formulação para acelerar regularização fundiária sem premiar agentes de desmatamento ilegal em terras públicas, sobretudo na Amazônia, rachou a base ruralista/governista.
Esse racha foi determinante para que o texto original da MP 910 naufragasse e não fosse colocado em votação, apesar de uma forte e revelada maioria a favor da sua votação (mais de 340 deputados). Maia cumpriu seu compromisso de só colocar em votação se houvesse acordo. Acordo não houve, por resistência da própria base governista e ruralista. A MP não foi à votação e caducou.
Pesou a pressão ruralista para ampliação do tamanho dos imóveis a serem regularizados de 4MF para até 15MF e para atualização do prazo de ocupação de julho de 2008 para até maio de 2014, dentre outros pontos críticos.
Em lugar da MP que caducou, foi proposto o PL 2633/20, que não obteve espaço na agenda dado o estrago político que a não votação da MP fez na base governista/ruralista, principalmente na ausência de acordo interno entre os próprios ruralistas da base do secretário Nabhan Garcia versus os da base da ministra Tereza Cristina.
Também pesou na balança o fato de que o Governo (poder executivo federal), depois de um ano no poder, não deu passos concretos para implementar o que já está em vigor na lei, ou seja, não promoveu a regularização fundiária de posseiros ocupantes de imóveis até 4 MF, antes de julho de 2008, o que significava mais de 95% da demanda pendente. O Governo editou somente agora em dezembro (24/12) um decreto federal para avançar na regularização com base na lei vigente.
O IDS, em parceria com Congresso em Foco, realizou uma enquete, com 29 senadores do campo político intermediário (nem ambiental, nem ruralista) para sondar qual seria a potencial resposta do Senado caso a MP 910 fosse aprovada na Câmara que recomendamos aos interessados. A enquete indica uma tendência de o Senado ser mais ponderado nessa matéria do que se mostrou a Câmara dos Deputados este ano.
PL Geral de Licenciamento ambiental
Reprodução André Lima CNN em 21/ago/2020
O GT de negociação do PL Geral de Licenciamento ambiental, criado em julho de 2019 pelo presidente Rodrigo Maia e liderado pelo deputado Kim Kataguiri, chegou a esboçar avanços importantes entre fevereiro e março desse ano, quando sobreveio a pandemia. O ritmo semanal de reuniões com resultados aparentemente promissores de negociações entre colaboradores das Frentes Parlamentares Ambientalista (dentre os quais me incluo) e Agropecuária ficou prejudicado desde então.
Com a chegada da pandemia o assunto ficou na geladeira por algumas semanas. Período que permitiu ao campo socioambiental ampliar o debate sobre os principais pontos de dissenso com instituições importantes da sociedade civil como a Comissão de Meio Ambiente da Ordem dos Advogados do Brasil, a Abrampa – Associação Brasileira do Ministério Público Ambiental e a Associação Internacional de Avaliação de Impacto Ambiental (AAIAIA).
A partir de então o pêndulo das negociações, que tendia mais para o lado desenvolvimentista, pesou mais para o lado ambiental, o que gerou reações negativas da Confederação Nacional das Indústrias (CNI) e Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e travou o esforço de construção de consensos. Assim está desde então, meados de maio.
Pesaram nas negociações temas como:
- (i) os impactos indiretos de grandes obras de infraestrutura no avanço do desmatamento na Amazônia,
- (ii) licença por adesão e compromisso, sem vistorias prévias para empreendimentos de médio e grande porte,
- (iii) o papel vinculante (ou não) da manifestação dos órgãos Funai, Fundação Palmares, IPHAN e ICMBio nos processos de licenciamento de obras com impactos diretos ou indiretos em unidades de conservação, terras indígenas, territórios quilombolas e áreas com sítios arqueológicos; e
- (iv) a descentralização das decisões sobre aplicação do licenciamento ambiental aos órgãos estaduais e municipais.
O deputado Kim Kataguiri chegou a pressionar pela pauta do PL e prometeu o tão falado 5º relatório, mas que até hoje este não foi publicado.
Aqui, mais uma vez, o presidente Rodrigo Maia fez a diferença, ao cumprir seu compromisso com a Frente Parlamentar Ambientalista e a oposição de somente pautá-lo havendo acordo. Como não houve acordo, não foi pautado. A qualquer momento esse projeto de lei pode ser retomado diretamente em plenário, inclusive sem acordo prévio a depender do próximo presidente da Câmara.
Consenso Verde: fogo de palha
Em julho o Presidente Rodrigo Maia criou um grupo para avançar em pauta socioambiental supostamente consensuada, formado por cinco parlamentares: deputados Rodrigo Agostinho PSB/SP, Alessandro Molon PSB/RJ, Zé Vitor PL/MG, Zé Silva Solidariedade/MG e Enrico Missasi PV/SP. Dentre os Projetos de Lei (em tramitação na Câmara) em que supostamente havia consenso previamente listados estavam:
- PL 3.337/2019 (Deputado Rodrigo Agostinho): Altera a Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que “dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências”, na seção dos crimes contra a flora – (Desmatamento Ilegal Zero).
- PL 3.961/2020 (Deputado Alessandro Molon): Decreta o estado de emergência climática, estabelece a meta de neutralização das emissões de gases de efeito estufa no Brasil até 2050 e prevê a criação de políticas para a transição sustentável.
- PL 4.689/2019 (Deputado Zé Vitor): Acrescenta dispositivos ao art. 26 da Lei nº 12.651, de 2012, para fortalecer o monitoramento e controle das autorizações de desmatamento de vegetação nativa e dá outras providências.
- PL 7.578/2017 (Câmara Deputado Zé Silva): Institui, em âmbito nacional, o programa de operação e registro de ativos de natureza intangível originários da atividade de conservação florestal denominado: Patrimônio Verde.
Este seleto grupo de trabalho, pelo que sabemos, nunca chegou a se reunir, ou, ao se reunir, não chegou a consenso. A pauta ou “consenso verde” não foi mais tratada ao menos publicamente até então. Foi, “tipo assim”, como dizem os jovens de hoje: “fogo de palha”.
No mesmo período, acirrou-se a situação crítica dos incêndios no Pantanal e o aumento dos desmatamentos na Amazônia legal chamou a total atenção da mídia e o foco do Congresso Nacional redirecionou-se da pauta verde para a Comissão Mista Externa do Pantanal.
A pauta verde, colocada em segundo plano em 2020, pode ser uma boa pedida para um esforço propositivo em 2021, inspirando-se no grande acordo ocorrido entre Frentes Agropecuária e Ambientalista em 2020, sobre o qual falaremos ao final desse texto, que resultou na aprovação fast track (Senado e Câmara em menos de 15 dias de trabalho em dezembro) do Projeto de Lei de Pagamento por Serviços Ambientais.
Queimada no Pantanal: 25% do Bioma incinerado
Conforme informou Agência Senado Notícias “criada em resposta à série de incêndios que devastaram milhões de hectares no Pantanal, a comissão externa do Senado para acompanhamento das ações de enfrentamento às queimadas na região encerrou suas atividades em 10 de dezembro, depois de uma série de audiências públicas interativas e duas diligências que apuraram a situação no local.”
A comissão externa do Pantanal propiciou momentos interessantes como um discurso oposicionista (ao Governo Bolsonaro) e em defesa do meio ambiente da senadora Kátia Abreu, que tempos atrás foi considerada a musa do ruralismo insustentável. Também resultou na proposta formalizada em 10 de dezembro, pelo Senador Wellington Fagundes, (presidente da Comissão) de Estatuto do Pantanal, PL 5.482 de 2020.
Na Câmara dos Deputados, por iniciativa da Associação SOS Pantanal, tive a oportunidade de ajudar a coordenar, juntamente com o Professor Gerd Sparoveck do laboratório de gestão territorial da Esalq/USP e outros parceiros da academia e do 3º setor, um estudo sobre o potencial da ferramenta da compensação de reservas legais entre a planície e o planalto, na Bacia da Alto Paraguai, num esforço para encontrar soluções mediadas para fazer avançar a tramitação do Projeto de Lei do Pantanal (PL 9.950/2018) que aguarda parecer do relator na Comissão de Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
O estudo citado recomenda a ampliação das possibilidades de compensação de RL dentro da própria Bacia hidrográfica pantaneira, como estratégia de fortalecimento e recuperação das Áreas de Preservação Permanente das principais nascentes dos rios que banham o Pantanal, e a preservação de áreas excedentes de reserva legal na planície pantaneira. Foi apresentado a representantes da Frente Parlamentar Agropecuária que o receberam positivamente e a seu pedido será aprimorado com análises de impacto econômico para posterior encaminhamento ao relator do PL do Pantanal.
A aprovação do PL do Pantanal (na Câmara ou no Senado) pode ser uma das surpresas positivas em 2021, caso consigamos reproduzir o exemplo do PL de PSA.
Por uma reforma tributária (sustentável?)
Em julho desse ano um movimento liderado pelo IDS e vários parceiros no âmbito do GT Socioambiental da Rede de Advocacy Colaborativo (RAC) concebeu propostas e uma articulação política para incidir sobre os debates da Reforma Tributária, tida como prioridade máxima do presidente Rodrigo Maia no 2º semestre de 2020.
A reforma infelizmente não avançou. O governo hesitou, apresentou uma reforma muito aquém da esperada e debatida no Congresso Nacional (PECs 45 na Câmara e 110 no Senado).
A articulação e a campanha da sociedade civil em torno da sustentabilidade socioambiental na reforma tributária contudo avançou bem. Veja no site da Campanha “Está Faltando verde” o conteúdo das propostas. Além das mais de 12 organizações e redes do campo socioambiental que formularam as 9 propostas para a Reforma Tributária Sustentável vem sendo gestada uma campanha ainda mais ampla com associações de auditores fiscais federais e estaduais e organizações do campo social e da saúde por uma reforma sustentável, solidária e saudável.
Simultaneamente a tudo isso a campanha “Está faltando Verde” na Reforma iniciou uma estratégia de abordagem e articulação direta com vários setores representativos da economia verde convidando-os ao debate, à campanha e à formulação de propostas para a reforma.
Foram convidadas a interagir com a campanha e demonstraram interesse em dialogar as seguintes instituições:
– ABAL – Associação Brasileira de Alumínio,
– ABETA – Associação Brasileira de Ecoturismo e Turismo de Aventura,
– ABIPLAST – Associação Brasileira de Plástico,
– ABSOLAR – Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica,
– ABVE – Associação Brasileira de Veículos Elétricos,
– ACT – Promoção da Saúde,
– ANAMMA – Associação Nacional dos Municípios e Meio Ambiente, – Fundação Grupo Boticário,
– Grupo Natura-CO,
– Grupo Cataratas, e o
– Instituto Brasil Orgânico.
Em 2021 pretendemos trabalhar para que as 9 propostas para uma reforma tributária Sustentável sejam debatidas junto a esses setores da economia verde, solidária e saudável, e que possam ser aprimoradas, coordenadas e entregues ao presidente da Comissão Mista senador Roberto Rocha e ao relator da reforma deputado Agnaldo Ribeiro.
Ainda há expectativa de que a reforma tributária possa voltar a ser alvo de prioridade, a depender dos presidentes eleitos para a Câmara e Senado. O deputado Baleia Rossi, o candidato a presidente da Câmara apoiado pelo Deputado Rodrigo Maia, e parte da oposição é o autor da principal proposta em discussão na Câmara, a PEC 45/2019.
Plano Mourão e o enterro do PPCDAm
O Vice Presidente Mourão “vazou” seu Plano para Amazônia 2030. Um plano não lançado, vazado! Um plano que não foi articulado com Ibama, ICMBio, Funai e INPE, os principais atores responsáveis pela redução dos desmatamentos entre 2008 e 2015. Um plano que não aumenta recursos para ações de fiscalização ao contrário se cala diante do atual desmanche em curso. Que não prevê corte de acesso a crédito público aos desmatadores ilegais reincidentes. Que ignora enterra o seu antecessor – Plano de Prevenção e Controle dos Desmatamentos na Amazônia (PPCDAm), responsável pela redução em mais de 80% dos desmatamentos ilegais entre 2003 e 2015. Um plano que não fala em aumentar o grau de proteção das terras indígenas e unidades de conservação.
Bastante difícil para alguém que conhece do assunto, honestamente, levar a sério esse plano “vazado”.
Analisei a fundo o referido Plano no Boletim de novembro do Radar, e no artigo “Amazônia: o jogo dos 7 erros do Plano Mourão”. Recomendo também a leitura da análise produzida pelo Observatório do Clima, bastante detalhada e consistente.
E o que isso tem a ver com o Congresso Nacional, objeto da nossa análise aqui? Tem a ver que infelizmente em função da pandemia o Parlamento, apesar de ativo, não teve sessão em nenhuma das Comissões temáticas (ambientais), e, portanto, não avançou na agenda de controle e fiscalização do Executivo, na importante agenda da Amazônia.
Vale lembrar que em 2019 o Senado promoveu uma avaliação da política de clima que resultou em propostas legislativas importantes como a PEC do Clima (PEC 233/2019) e o Projeto de Lei Brasil Carbono Neutro 2050 (PL 6.539 de 2019).
A Câmara avançava em 2019 na Comissão Externa de Avaliação da Política Ambiental sob a relatoria da deputada Tábata Amaral, cujo relatório estava praticamente pronto para ser aprovado em 2020, assim como a PFC 27 de 2019 (Proposta de Fiscalização e Controle) para fiscalizar ações do Ministério do Meio Ambiente e suas autarquias vinculadas, referentes às ações de monitoramento e fiscalização do desmatamento nos diferentes biomas do país, efetivadas desde 01/01/2019, proposta pelo Deputado Nilto Tatto está parada desde 2019, na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável.
Infelizmente, em função da pandemia, essas importantes iniciativas de fiscalização, avaliação e controle do Executivo pelo Legislativo ficaram paralisadas, com exceção da Comissão de avaliação das queimadas nos biomas brasileiros que produziu um relatório com foco na questão dos incêndios no Pantanal, mas não avançou nas questões relativas à Amazônia e Cerrado, cujas taxas de desmatamento e queimadas em 2020 são as maiores da década.
Será importante retomarmos essas iniciativas de fiscalização, avaliação e controle do Legislativo sobre o Executivo em 2021.
PSA – Pagamento por Serviços Ambientais
Por fim, mas não menos importante foi a aprovação do PL 5028 de 2019 agora em dezembro de 2020.
Projeto em debate há mais de 15 anos no Parlamento e que foi aprovado em 2019 na Câmara dos Deputados por acordo entre bancadas ruralista e ambientalista. Foi para o Senado em dezembro de 2019, onde na Comissão de Meio Ambiente ganhou a relatoria do Senador Fabiano Contarato que realizou, no início de 2020, importantes audiências públicas para aprimoramento do texto.
Questões importantes ainda precisavam ser mais debatidas e aprimoradas no texto, como a possibilidade (não obrigação) do governo aportar recursos públicos para PSA na conservação e recuperação de áreas de preservação permanente e reservas legais, ou uma maior flexibilidade e autonomia para programas estaduais e municipais de serviços ambientais definirem seus próprios critérios técnicos e métricas para reconhecimento e remuneração de serviços ambientais.
O papel da Coalizão Brasil Floresta, Clima e Agricultura nesse debate foi crucial para aprimoramento do texto no Senado.
Por sugestão do IDS, em novembro último, o senador Contarato articulou com o presidente do Senado David Alcolumbre a votação do relatório diretamente em Plenário para o início de dezembro. A aprovação em menos de uma semana no plenário do Senado possibilitou que o texto fosse também votado na última sessão da Câmara deste ano (dia 18/12), por uma articulação da Frente Parlamentar Ambientalista em acordo com a Frente Parlamentar Agropecuária.
Essa foi, sem dúvida, a grande e talvez única vitória do movimento socioambiental em 2020, para além da derrubada da MP 910 (da Grilagem) no 1º semestre.
O boletim Radar de janeiro de 2021 vai tratar mais detalhadamente do PL de PSA cujo maior desafio agora será angariar recursos para sua implementação.
Perspectivas em 2021 para a pauta socioambiental
A questão, que me fiz ao final de 2020, e repito agora: É possível, para deixarmos a posição atual defensiva e reativa no Parlamento, alcançarmos uma composição da centro-esquerda (e da esquerda) oposicionista, que levanta e defende as bandeiras socioambientais, com forças políticas do centro que, embora não consideradas “progressistas”, não pactuam sistematicamente com o bolsonarismo de Lesa-Pátria socioambiental?
Me parece que essa continua sendo a principal questão estratégica para o movimento socioambiental no parlamento se queremos sobreviver ilesos por mais dois anos sem retrocessos e eventualmente avançar em alguma pauta positiva, como o fizemos com a Lei do PSA.
A experiência nas votações do PL de PSA nos revela que a composição e o diálogo entre as Frentes Ambientalista e a Frente Agropecuária, embora nada fáceis e pouco “orgânicas”, são algumas vezes (ainda que raras) bem sucedidas. Em 2019 aprovamos o PL de PSA e a MP do Código Florestal na Câmara sem prejuízos. Em 2020 aprovamos PSA no Senado e na Câmara, em menos de 15 dias e três rápidas sessões.
Resta um singelo, porém fundamental, detalhe: a eleição das presidências das casas legislativas (Senado e Câmara) será favorável à manutenção do equilíbrio de forças que operou nesse primeiro biênio com a dupla Alcolumbre Maia?
Parece-me um detalhe fundamental para o não retrocesso na pauta socioambiental do próximo biênio, que aliás será determinante também para os planos de reeleição do atual presidente, altamente comprometido com retrocessos na agenda fundiária, indígena e ambiental (socioambiental).
A depender de “qual centrão” levar a fatura é que estará configurado o tamanho do desafio na garantia dos direitos socioambientais vigentes.
Tudo leva a crer que a pandemia deve manter o Parlamento operando em sistema de deliberação remota, pelo menos no primeiro semestre de 2020. Isso não facilita a agenda de fiscalização do Legislativo sobre o Executivo, tampouco viabiliza a necessária transparência na definição das pautas e nas votações, no acesso livre e desimpedido aos líderes partidários e ao debate público pela sociedade civil organizada.
O aumento nas taxas de desmatamento e queimadas na Amazônia e Cerrado infelizmente deve continuar, dada a omissão sistemática e irresponsável do governo federal. Essa circunstância pode gerar ainda mais debates e eventualmente viabilizar parte da pauta socioambiental positiva citada neste artigo, como o PL que aumenta as penas para desmatamento ilegal, a PEC do Clima ou o PL que atualiza nossas metas de redução de emissões adequando-as ao Acordo de Paris.
Quem sabe até a reforma tributária ganha fôlego com a eleição de presidentes da Câmara e Senado mais autônomos e ousados e assim podemos dar consequência às nossas propostas por mais sustentabilidade na política tributária brasileira em articulação com setores da economia verde.
Enfim são meus sinceros votos de um ano mais próspero e sustentável no parlamento federal brasileiro. Sonhar é o primeiro passo.
Parabenizamos a Frente Ambientalista, seu combativo e sempre presente coordenador deputado Rodrigo Agostinho e todos os colaboradores da sociedade civil na Frente Ambientalista por terem, com nosso apoio do Projeto Radar Clima e Sustentabilidade do IDS e da Fundação SOS Mata Atlântica, realizado dezenas de encontros e debates sobre temas relevantes da pauta socioambiental brasileira praticamente todas as semanas desde março, mantendo centenas de milhares de cidadãos e os parlamentares permanentemente atentos às pautas socioambientais em 2020.
Vejam o relatório de atividades da Frente Ambientalista em 2020. Que assim seja também em 2021!
Encerro informando que, em parceria com a Rede de Advocacy Colaborativo, com o portal Congresso em Foco, o Observatório do Clima, ISA, IDEC, ACT, WWF, Dado Capital e Pulso Público, o IDS está preparando, para lançar no primeiro trimestre de 2021, o “Painel do Poder Socioambiental”.
Trata-se de uma avaliação colaborativa bianual que será feita com base em dados bastante consistentes do que foram esses dois anos na pauta socioambiental no parlamento federal brasileiro e as perspectivas para o próximo biênio, desenvolvido a várias mentes e mãos de quem está na linha de frente do ativismo socioambiental no parlamento.
Desejo a tod@s saúde, inspiração, disposição e coragem para seguirmos resistindo e avançando em 2021 por um Brasil mais justo, próspero e sustentável.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para redacao@congressoemfoco.com.br