No segundo artigo da série em que fazemos um balanço da gestão ambiental no governo Bolsonaro, apontamos os retrocessos na política de proteção das florestas. Os ataques ao Código Florestal, a transferência do Serviço Florestal Brasileiro (SFB) do Ministério do Meio Ambiente para o da Agricultura e o congelamento do programa de conversão de multas em recuperação ambiental são os principais desafios a serem enfrentados. Saiba por quê:
Novo desmanche do Código Florestal
Várias alterações no Código Florestal foram aprovadas na Câmara na última semana de maio na tentativa de conversão em Lei da MP 867, que originalmente somente adiava por mais um ano a adesão dos produtores rurais ao Cadastro Ambiental Rural (CAR). 35 emendas foram apresentadas, boa parte delas encaminhadas por deputados da bancada ruralista. Destacamos a seguir trechos da análise feita por o Climate Policy Iniciative:
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“- A adesão ao PRA [Programa de Regularização Ambiental] Estadual deixa de ser de iniciativa do proprietário ou possuidor.
– O proprietário ou possuidor serão notificados para que possam efetuar a adesão ao PRA.
– Não há mais um prazo final comum a todos para a adesão ao PRA Estadual. – O prazo de um ano para adesão ao PRA Estadual passa a contar a partir da notificação individual de cada proprietário ou possuidor.
Publicidade– Os Estados passam a ter um prazo final, 31 de dezembro de 2020, para a implantação de seus respectivos PRAs.
– Enquanto não forem notificados, os proprietários e possuidores podem manter as atividades econômicas em áreas rurais consolidadas em Áreas de Preservação Permanente (APP) e Reserva Legal.
– Além disso, o proprietário e o possuidor não poderão ser autuados por desmatamento ilegal em APP e Reserva Legal antes de 22 de julho de 2008 e as sanções já aplicadas, decorrentes dessas infrações, serão suspensas.” Como destacou nota da Coalizão Brasil Floresta, Clima e Agricultura “um cenário constante de insegurança jurídica impede que os avanços sejam maiores. Até o ano passado, o prazo para registro no CAR foi adiado quatro vezes consecutivas, provocando um atraso de cerca de 4 anos na conclusão da fase de cadastro. Uma das consequências é a baixa adesão aos Programas de Regularização Ambiental (PRAs), etapa na qual os produtores apresentam seus planos para solucionar o passivo ambiental identificado.”
Agrava a pressão por mais retrocessos no Código Florestal a apresentação, em abril deste ano, do Projeto de Lei 2362/2019 proposto pelo filho do presidente da República, senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), simplesmente propondo o fim da figura da Reserva Legal, eliminando a proteção legal para mais de 167 milhões de hectares, afetando todos os biomas brasileiros, de acordo com o Laboratório de Geoprocessamento da Esalq/USP.
Nem se diga que o atual governo nada tem a ver com isso e que se trata de um movimento do Parlamento, pois o Ministério do Meio Ambiente, através de seus assessores parlamentares e do Serviço Florestal Brasileiro (seu diretor, o ex-deputado Valdir Colatto) participaram ativamente de reuniões com o relator da MP, o deputado Sergio Souza, em negociação e com consentimento pleno para com as alterações propostas e aprovadas. Apesar de derrubada no Senado por mobilização de organizações da sociedade civil, o governo prometeu reeditar a MP com o texto aprovado na Câmara.
Suspensão do maior investimento em restauração florestal na história do Brasil
O governo travou e pretende rever um dos programas de maior envergadura do governo anterior, de Michel Temer, que é o Programa de Conversão de multas em recuperação ambiental. Este é o maior programa de investimentos financeiros na pauta ambiental da história do Brasil ao lado do Fundo Amazônia, que garantiu o investimento até hoje de mais de R$1,5 bilhão em ações de gestão florestal e controle dos desmatamentos na Amazônia. Trinta e quatro organizações da sociedade civil (sem fins lucrativos) foram habilitadas neste edital, extremamente complexo e tecnicamente qualificado, que foi lançado na Semana da Água de 2018, em cerimônia no Palácio do Planalto.
De acordo com o Ibama, este certame abrange projetos em 195 municípios na bacia do São Francisco e, em 213, na bacia do Parnaíba, com potencial para aplicação de mais de R$ 2,5 bilhões em multas a serem convertidas.
SFB sai do Meio Ambiente para a Agricultura
A gestão das florestas públicas – dentro e fora das Florestas Nacionais (Flonas) – e a destinação de quase 70 milhões de hectares de áreas públicas com florestas na Amazônia de responsabilidade institucional do Serviço Florestal Brasileiro agora são geridas pelo segmento econômico que historicamente mais teve problemas e controvérsias com relação às normas e à institucionalidade florestal no país.
O Cadastro Ambiental Rural também gerido pelo SFB, que deve promover a regularização, monitoramento e fiscalização ambiental do uso e ocupação dos imóveis rurais no Brasil também está sob a responsabilidade do Serviço Florestal Brasileiro.
Todo sistema de monitoramento e controle ambiental rural agora passa a ser gerido pelo segmento que deve(ria) ser controlado e monitorado: setor agropecuário. Dados recentes do Imazon apontam que 60% dos desmatamentos de 2019 ocorreram dentro do CAR.
Seu atual diretor-geral, o ex-deputado Valdir Colatto, maior defensor histórico das flexibilizações das regras do Código Florestal e o próprio ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, através de seus assessores parlamentares, atuaram proativamente para aprovar as emendas à MP 867 (aprovada na Câmara, porém derrubada pelo Senado semana passada) que mais uma vez flexibilizam o Código Florestal, desta vez o Programa de Regularização Ambiental, retirando prazos e mecanismos de enforcement.
Comprova nossa tese de que se trata de um desvirtuamento programático o fato de várias instâncias voltadas à gestão das florestas públicas, razão de existência do SFB, ainda estarem previstas na nova estrutura regimental do MMA. O principal órgão executor da política gestão de florestas públicas está desvinculado do ministério que, por decreto presidencial, tem a competência para formulação e gestão da política florestal. Seja na perspectiva de gestão, seja na perspectiva jurídica, seja mesmo na perspectiva da moral administrativa, tal deslocamento forçado não pode prosperar em benefício das nossas florestas públicas.
Art. 1º O Ministério do Meio Ambiente, órgão da administração pública federal direta, tem como área de competência os seguintes assuntos: II – política de preservação, conservação e utilização sustentável de ecossistemas, biodiversidade e florestas;
Art. 2º O Ministério do Meio Ambiente tem a seguinte estrutura organizacional: b) Secretaria de Florestas e Desenvolvimento Sustentável:1. Departamento de Florestas; III – órgãos colegiados: e) Comissão de Gestão de Florestas Públicas – CGFlop; f) Comissão Nacional de Florestas – Conaflor;
Art. 14. Ao Departamento de Conservação de Ecossistemas compete: II – subsidiar a formulação de políticas de gestão e recuperação florestal no que diz respeito à conservação de biodiversidade;
Art. 18. À Secretaria de Florestas e Desenvolvimento Sustentável compete: I – incorporar, avaliar, gerir e conceder a exploração e o manejo sustentável das florestas nacionais.
Art. 19. Ao Departamento de Florestas compete: I – promover políticas e estratégias para a incorporação, a avaliação, a gestão, a exploração e o manejo sustentável das florestas nacionais concedidas; II – promover estudos, programas e projetos para monitorar, qualificar e avaliar os processos de concessão da exploração sustentável das florestas nacionais; e III – apoiar e fomentar a adoção de boas práticas nas atividades relacionadas ao manejo e à exploração sustentável de florestas nativas.
Art. 36. À Comissão de Gestão de Florestas Públicas cabe exercer as competências estabelecidas no art. 51 da Lei n º 11.284, de 2 de março de 2006.
Não perca amanhã outros três passos do governo Bolsonaro para o desmanche da política socioambiental
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