O relatório do senador Irajá Abreu (PSD/TO) da Medida Provisória 910/2019 consolida um grande saldão de terras e florestas públicas na Amazônia (e no Brasil inteiro).
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Já escrevemos aqui há poucos dias a respeito da MP 910 que na linha de toda despolítica para o meio ambiente e a Amazônia desse governo concede mil e uma facilidades, benefícios e até mesmo descontos de até 50% para quem ocupou e desmatou ilegalmente terras públicas no Brasil todo, não somente na Amazônia, região mais afetada.
O que nos faz escrever novamente a respeito é o relatório do Senador Irajá Abreu, publicado no dia 12 de março passado, que vai na contramão do que ele defendeu poucos dias antes e agrava ainda mais os sérios problemas da MP original.
Em audiência com o Senador Irajá, que tive a oportunidade de participar pessoalmente com representantes da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, Imazon, WWF, Presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara (Deputado Rodrigo Agostinho), e Senador Randolfe Rodrigues, ocorrida na semana anterior à da apresentação do relatório, ele (Senador Irajá) ao lado de sua mãe Senadora Kátia Abreu, afirmou que não acolheria emendas que aumentassem anistias, incentivassem ou premiasse desmatamentos ilegais e beneficiassem criminosos ambientais.
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Infelizmente, como se verá, na prática o Senador não está cumprindo sua palavra.
Dentre os vários problemas não resolvidos e agravados com seu relatório destaco em maior detalhe dois:
(i) aumentou o prazo para regularização fundiária sem licitação, beneficiando ocupantes, inclusive para pessoas jurídicas, de imóveis com até 2.500 hectares com descontos de 10% a 50% no preço da terra, de julho de 2008 para maio de 2012. Aqui o senador fez uma jogada primária me negociação. Reduziu o prazo previsto na MP 910 de maio de 2014, mas espertamente (e contrariando o comprometido) manteve a exceção (que vai se tornar regra) prevista no artigo 38 da Lei original (Lei federal 11.942 de 2009) que permite a regularização de áreas ocupadas até dezembro de 2018, inclusive desmatadas ilegalmente até essa data.
Na prática o efeito do relatório do Senador Irajá será permitir (como regra) a regularização de crimes ambientais e contra o patrimônio público cometidos até dezembro de 2018 premiando-os com o título da terra.
(ii) A MP ampliou a possibilidade de regularizar ocupação ilegal sem licitação e sem vistoria de imóveis de 4 módulos fiscais (no máximo 500 hectares) para até 1.500 hectares. O relatório do Senador Irajá, contrariando sua afirmação, ampliou esse benefício para imóveis com até 2.500 hectares.
Na minha opinião ele está buscando expressamente alinhar a nova Lei de regularização fundiária com o PL 2.963/2019 (AQUI), de autoria do próprio Senador Irajá, que trata da venda de terras públicas para estrangeiros, sem autorização do congresso nacional.
Juntas, a conversão da MP 910, nos termos do Senador Irajá, com a aprovação do PL referido de sua própria autoria, permitirão a venda, para empresas estrangeiras, de terras brasileiras griladas e desmatadas ilegalmente.
A norma deixou escancaradamente de ser focada em muitos pequenos produtores rurais irregulares com ocupações antigas mansas e pacíficas. Passou a ser focada claramente em poucos médios e grandes ocupantes, inclusive empresas (pessoas jurídicas) que mantiveram até hoje ocupação indireta, ou seja, que incentivaram ou compraram áreas griladas de 3os (capangas?) na Amazônia. Inclusive em ocupações muito recentes, até menos de um ano e meio.
Ao fim e ao cabo tais terras muito em breve, se o plano do Senador der certo, poderão ser vendidas sem autorização do Congresso para empresas estrangeiras.
Inúmeros são os outros pontos do relatório do Senador Irajá que, no seu conjunto, agravam os aspectos acima citados.
Listo abaixo apenas alguns desses pontos retirados de uma análise, ainda preliminar, feita pela minha amiga advogada Brenda Brito, do IMAZON, uma das maiores especialistas sobre o assunto na Amazônia. O relatório do Senador Irajá:
- Aumenta dispensa de vistoria para 2500 hectares.
- Elimina a obrigação de vistoriar imóveis com autuação ou embargo ambiental, criando facilidade e desburocratização para infratores e criminosos ambientais.
- Desconsidera as sobreposições do Cadastro Ambiental Rural para regularizar com dispensa de vistoria.
- Mantém possibilidade de regularização de áreas objeto de crime ambiental com desmatamentos de áreas de preservação permanente e reservas legais (em terras públicas) mediante simples assinatura de termo de compromisso administrativo (contrariando o próprio código florestal que só permite essa regularização com benefícios para desmatamentos até julho de 2008).
- Confere direito a indenização e compensação econômica por “benfeitorias” aos grileiros ocupantes de má-fé que (por essa razão) não tiverem direito à regularização, sem no entanto cobrar (ou descontar) do grileiro infrator pelas malfeitorias ambientais.
- Permite reincidência de benefício de doação ou compra de terra com desconto a quem já tenha recebido terra pública em programas de regularização anteriores, mas que por alguma razão tenham vendido à terceiros a terra dada pelo poder público.
- Dispensa de cobrança de taxas de regularização os ocupantes de até 2.500 hectares (médios e grandes).
- Reduz a vigência das cláusulas resolutivas, que estabelecem obrigações aos beneficiários para cumprimento de normas e leis ambientais como o código florestal.
Tudo isso num cenário de caos geral em que tivemos de 2018 para 2019 um aumento de 30% nos desmatamentos ilegais na Amazônia sendo que 35% desse desmatamento ocorreu em terras públicas e de redução em mais de 35% da fiscalização ambiental na região. Sem falar nas queimadas na região.
Os indicadores relativos aos desmatamentos para 2020 são de que as taxas serão ainda maiores, podendo chegar a 50% a mais em relação ao ano anterior. Algo próximo a 15 mil km2, taxas de épocas anteriores ao Plano de Prevenção e Controle dos Desmatamentos na Amazônia, quando o problema passou a ser encarado de frente pelos governos federais.
Então vai aqui um humilde e respeitoso recado ao Senador Irajá, com quem tive a oportunidade de conversar duas ou três oportunidades a respeito dessa matéria, à Ministra Tereza Cristina e aos demais senadores e senadoras da Comissão Mista da MP 910:
“os senhores (e senhoras) correm o risco de chancelar um dos maiores crimes de Lesa-Pátria praticados por um governo, desde a Constituição Federal de 1988, sobretudo contra a floresta Amazônica brasileira, qualificada pela Constituição Federal de 1988 (art. 225, parágrafo 4º) como “Patrimônio Nacional”. Ainda é tempo de rever e examinar com mais cuidado e responsabilidade suas posições sobre essa matéria. A conta será cobrada do nosso Agronegócio. Os senhores ficarão do lado do agronegócio sério e responsável ou do lado do crime organizado na Amazônia?”
É hora dos representantes do dito agronegócio moderno e responsável, que só tem a perder com essa irresponsabilidade institucionalizada, mostrar e dar as caras e as cartas. –
AQUI você acessa a íntegra do relatório do Senador Irajá Abreu.