O Supremo Tribunal Federal realizou nesta terça-feira (22) o segundo dia da audiência pública sobre o Fundo Clima, com o objetivo de reunir informações para orientar a análise de uma ação que acusa o governo Federal de omissão na aplicação dos recursos direcionados para o fundo. O documento foi ajuizado pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), Partido Socialismo e Liberdade (Psol) e o Partido dos Trabalhadores (PT). No primeiro dia, a audiência ouviu representantes do poder Executivo, do poder Legislativo e organizações da sociedade civil.
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Neste segundo dia, a audiência ouviu empresas com interesses econômicos no país sobre iniciativas de implementação de uma economia verde; e parlamentares representantes das Frentes parlamentares Ambientalistas e Agropecuária.
O deputado Federal Rodrigo Agostinho (PSB-SP), coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista, rebateu discurso feito pelo presidente Jair Bolsonaro na Assembleia Geral da ONU, em que atribuiu aos povos indígenas e a caboclos a culpa pelos incêndios na Amazônia.
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De maneira categórica, o deputado afirmou que “a atual política ambiental do governo está do avesso e é componente central do colapso ambiental, tanto na Amazônia, quanto no pantanal e nos demais biomas brasileiros. Índios e caboclos não são os culpados pelas queimadas da Amazônia. Sabemos que os verdadeiros responsáveis pela destruição da floresta são garimpeiros, grileiros e madeireiros ilegais, setores que hoje recebem todo apoio por parte do atual governo”. Ele também afirmou que a política ambiental “está morrendo por inanição” ao citar o enfraquecimento de diversas políticas públicas do setor, ponto também citado por outro expositores.
As empresas Natura, Vale e o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) abriram o debate, na parte da tarde, defendendo economia zero carbono, bioeconomia e trouxeram exemplos de iniciativas economicamente sustentável. As entidades apontaram que este é um tema centro de preocupação do mercado global.
Sem mencionar desastres ambientais causados pelos rompimentos das barragens de Mariana, em 2015, e Brumadinho, em 2019, a Vale falou sobre implementação de políticas econômicas zero carbono e fomento à bioeconomia. A empresa citou ainda atuação da entidade em parceira com Instituto Chico Mendes (ICMBio) para conservar área de reserva ambiental no estado do Pará.
No início do mês, o Ministério Público Federal (MPF) afirmou em ação civil pública que a Vale mantem política de menosprezo a riscos ambientais em detrimento de lucros.
Alexandre Mendonça de Barros, representante da Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG), apontou que é possível produzir respeitando o meio ambiente. No entanto, ele admitiu haver problemas operacionais para se colocar em prática planos e regras de preservação. Ele defendeu que isto também deve ser discutido no âmbito judicial. “Há um amplo leque de uma estratégia muito bem construída e necessária em ambiente tropical, que não conflita, de maneira alguma, com o meio ambiente”, afirmou.
O desmatamento da Amazônia e seus reflexos econômicos
Na parte da manhã, o presidente do Conselho de Administração da BM&F Bovespa, Armínio Fraga, falou sobre os impactos do desmatamento da Amazônia para a economia nacional. Segundo ele, as consequências desses atos são muito mais graves do que os causados pela pandemia de coronavírus. O desmatamento e crimes ambientais, além de agravar a questão global sobre mudanças climáticas, afetam diretamente o agronegócio e a oferta de mercados para os produtos brasileiros, explicou.
Fraga apontou que há no mercado financeiro internacional uma crescente demanda por investimentos em negócios com Governança Ambiental e Social (sigla em inglês ESG). Ele pontuou ainda que o “obscurantismo” que afeta o país no combate à pandemia, também afeta as questões ambientais e prejudicam o país no exterior.
Transparência de dados
O ex-diretor do INPE, o professor Ricardo Galvão, ressaltou que os ataques sofridos pelo instituto por parte de entidades governamentais ocorrem pelo compromisso do INPE em manter a transparência de dados sobre o desmatamento no país. Ele rebateu afirmações feitas pelo ministro Augusto Heleno, no dia anterior, em que questionou os impactos das ações humanas nas mudanças climáticas globais. Para o pesquisador, “esse tipo de afirmação é, às vezes, mal interpretada por cidadãos comuns, desconhecedores da metodologia científica”. Ele também defendeu a autonomia e independência da ciência na divulgação de dados.
A vice-presidente do painel intergovernamental sobre mudança climática, Thelma Krug e o ex-secretário executivo das Nações Unidas, professor Braulio Dias, concordaram que está em curso no Brasil uma “desqualificação” e um “enfraquecimento” dos órgãos ambientais.
Thelma Krug, argumentou que políticas ambientais anteriores não impediram o crescimento econômico do país. “Não há escassez de dados, há escassez de ações, de nada adianta o governo investir em mais imagens e em mais satélites se não consegue digerir, nem o que tem hoje a mesa”, defendeu. Ela concluiu pontuando diversos desmontes legislativos e enfraquecimento dos órgãos ambientais de fiscalização como ações recorrentes do atual governo que podem trazer impactos irreversíveis.
O professor Braulio Dias prosseguiu reforçando o enfraquecimento de órgãos ambientais como o Ibama, ICMBio e a extinção de colegiados ligados ao Ministério do Meio Ambiente, entre outras ações, como demonstração de desmonte da política ambiental do país.
“São evidentes os retrocessos da implementação das políticas ambientais no Brasil, no atual governo. Não é apropriado e crível que o Governo Federal tente utilizar os avanços ocorridos na agenda ambiental brasileira nos últimos 30 anos até 2018 para esconder as falhas e fracassos da atual gestão. Os danos ao meio ambiente e à imagem do Brasil no exterior causados pelas omissões e incompetências do atual governo federal são muito significativos e infelizmente deveram ter efeitos duradouros”, afirmou.