O Brasil vai à 25ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP25), que começa nesta segunda-feira (2) na Espanha, com a intenção de negociar com os países desenvolvidos o financiamento de projetos de preservação ambiental. A proposta será apresentada pelo governo federal e reiterada pelos governadores da Amazônia Legal, que dizem ter chegado a um consenso com o Executivo no entendimento de que, por ser vital para a manutenção da temperatura do planeta por conta da floresta amazônica, o Brasil tem direito aos recursos internacionais prometidos pelo Acordo de Paris.
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Esse discurso, porém, não foi comprado da mesma forma pelos ambientalistas. Especialistas ouvidos pelo Congresso em Foco explicam que, para ter acesso a esses recursos, o Brasil precisaria estar cumprindo metas de preservação ambiental, como a redução do desmatamento, o que não vem acontecendo. E lembram: o apelo revela uma mudança de discurso do governo Bolsonaro no que tange à cooperação internacional na preservação ambiental, já que no auge das queimadas da Amazônia o Planalto negou ajuda externa, dizendo que não precisava do auxílio de países como França e Alemanha para manter a floresta de forma sustentável.
A ideia de usar a COP25 para angariar recursos para a preservação ambiental foi revelada no último encontro dos governadores da Amazônia Legal, realizado na semana passada no Maranhão. Na ocasião, o governador Flávio Dino (PCdoB-MA), disse que foi construída uma “convergência entre os estados da Amazônia e o governo federal mediante a intervenção brasileira na COP25 para que o país possa efetivamente avançar”. “Vamos reivindicar do mundo e, claro, do governo federal, a existência de mecanismos que ajudem o nosso modelo de desenvolvimento sustentável”, contou o governador, argumentando que a Amazônia tem ajudado o Brasil e o mundo a cumprir as metas de redução de emissões de gases poluentes do Acordo de Paris.
“Queremos que o esforço já feito pela população da Amazônia seja reconhecido. Temos problemas como todos os países do mundo, mas temos feito no longo prazo uma redução expressiva do desmatamento através da preservação da floresta amazônica. A questão central passa a ser como isso vai ser valorizado internacionalmente mediante uma série de mecanismos ambientais como o pagamento de serviços ambientais e o reconhecimento de créditos derivados da mitigação dos desmatamentos”, afirmou Dino, que no começo do ano entrou em rota de colisão com o governo federal depois de ser chamado de “o pior dos paraíbas” pelo presidente Jair Bolsonaro, mas agora evitou fazer críticas à política ambiental do governo e não citou os dados que apontam o aumento do desmatamento na Amazônia.
“Estamos tentando fazer um alinhamento entre a visão da Amazônia Legal e a visão do governo federal para que haja uma intervenção única perante outros países do mundo. Sabemos que infelizmente há, por vezes, uma visão conflituosa da política externa, muito belicista, muito isolacionista e muito severa com o relacionamento de outros países, o que cria dificuldades práticas. Tanto que um dos pontos do nosso documento também é a retomada do Fundo Amazônia, que recebe recursos de outros países e neste momento está isolado em razão dessas posições”, disse Dino.
Ele explicou que, ao contrário que vinha sugerindo o governo federal, esse dinheiro faz falta nos projetos de preservação da floresta e, por isso, deveriam ser retomados. “O Maranhão, por exemplo, tem um projeto de R$ 100 milhões que está aguardando andamento uma vez que houve a determinação do governo de paralisar o fundo. Todos os nove estados têm reivindicado que esse fundo seja retomado, porque é um caminho para que os países contribuam para que a floresta fique em pé, que haja preservação dos recursos ambientais e que haja a remuneração do que os povos tradicionais que preservam a floresta”, defendeu Dino.
E o governo parece ter entendido isso, como sugeriram os governadores da Amazônia Legal. “Estaremos lá [na COP25] representando o Presidente Jair Bolsonaro e, desde então, participaremos das reuniões técnicas preparatórias e de encaminhamento dos temas que sejam pertinentes ao Acordo de Paris, sobretudo das tratativas para a regulamentação do artigo 6º, que diz respeito à monetização, à parte financeira, que é tão importante para os países em desenvolvimento, e em especial para o Brasil”, afirmou o Ministério do Meio Ambiente em nota enviada ao Congresso em Foco.
A pasta, comandada por Ricardo Salles, ainda disse que, dessa forma, espera “receber a sinalização, finalmente, de que a promessa de recursos vultosos dos países ricos para os países em desenvolvimento, já a partir do ano que vem, se concretize”. “Temos o trabalho que já fazemos de preservação ambiental, temos muito para mostrar na parte da agricultura, energia renovável, reciclagem. O Brasil tem feito muito e levará para a COP todo esse acervo de temas ambientais”, prometeu.
Especialistas lembram, por sua vez, que esse discurso de cooperação internacional que o Brasil vai levar para a COP25 difere do que foi dito pelo presidente Jair Bolsonaro e pelo ministro Ricardo Salles no auge das queimadas na Amazônia, em meados deste ano. Na época, o G7 chegou a oferecer ajuda para o trabalho de combate ao fogo, mas Bolsonaro condicionou essa ajuda a pedidos de desculpa do presidente francês, Emmanuel Macron, e acabou rejeitando o auxílio.
“Há uma contradição total. É um discurso de conveniência. Naquele momento, o discurso de conveniência era atacar o Fundo Amazônia, atacar as organizações da sociedade civil e dizer que não precisávamos de dinheiro para cumprir nossos compromissos. Tanto era um discurso falacioso, de conveniência e oportunista que não deu seis meses para o governo aproveitar a COP para ir lá cobrar essa conta”, criticou o Coordenador do Projeto #RADAR Clima & Sustentabilidade do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), André Lima, dizendo que “o governo muda de discurso sem contransgimento nenhum, tanto que demitiu o diretor do Inpe dizendo que ele trabalhava para as ONGs e poucos meses depois dois ministros lançaram dados oficiais corroborando que o presidente do Inpe que foi demitido estava certo”.
Apesar de ser favorável à ideia de que os países desenvolvidos devem ajudar os países tropicais a combater o desmatamento, André Lima ainda disse que “cobrar essa conta” não faz sentido, porque o Brasil não assinou o Acordo de Paris e não se comprometeu a reduzir suas emissões cobrando algo em troca. E, mesmo que tivesse negociado alguma contrapartida, agora não estaria em condições de cobrar esse repasse por conta do avanço do desmatamento, que contribui com o aumento do nível de emissões, acrescenta a diretora da Talanoa, Natalie Unterstell.
“É verdade que o Brasil fez muita redução de emissão e deu uma grande contribuição que poderia ser convertida em recursos para o país. No entanto, existem condições para isso acontecer. Você tem que cumprir metas e condições que o Brasil não vem cumprindo e precisa verificar isso por meio de instituições como o Inpe”, explicou Nathaly, lembrando que os últimos dados do desmatamento indicam que o Brasil não vai cumprir, por exemplo, a meta de reduzir a área desmatada para 3,9 mil quilômetros quadrados por ano em 2020, já que hoje essa taxa é de 9,7 mil quilômetros quadrados.
“Não basta dizer que quer receber. Tem que merecer receber porque é um investimento, é dinheiro de contribuintes de outros países, dinheiro público, que não vai ser aplicado em países que dão sinais de que não vão fazer uma coisa séria”, acrescentou Nathaly, dizendo que, associando o cenário ambiental a esse cenário de investimentos, é possível dizer que “as condicões para os investidores estão ruins no Brasil”. “Ninguém é obrigado a pagar e quem tinha interesse em investir foi afugentado, porque essas condições foram dizimadas neste ano quando o governo duvidou do Inpe, atacou as ONGs e desfez a REED+ (Comissão Nacional para Redução das Emissões de Gases de Efeito Estufa”, afirmou a ambientalista.
“É um discurso oportunista, de conveniência e contraditório com a prática do governo em relação aos compromissos nacionais e internacionais relativos à redução da emissão de CO2 e do desmatamento”, reforçou André Lima. Os dois acreditam, então, que, além de contraditório, esse novo discurso que o governo de Jair Bolsonaro vai adotar na COP25 pode não ser convincente o bastante para atrair novos recursos internacionais para projetos de preservação ambientais. E é por isso que, concomitantemente a isso, os governadores da Amazônia também vão defender a criação ou a retomada de outros mecanismos de financiamento internacional, como o próprio Fundo Amazônia, durante a 25ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas.
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