Está agendada para a próxima quarta-feira (26), no Senado, a votação de um projeto de lei que prevê, entre outros pontos, a criminalização do abuso de autoridade cometido por magistrados e membros do Ministério Público. Um acordo de líderes partidários estabeleceu que o texto deve ser analisado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), pela manhã, e votado no mesmo dia à tarde, no plenário da Casa.
O que os senadores votarão é a versão atualizada das chamadas 10 medidas contra a corrupção, elaboradas por membros da força-tarefa da Lava Jato em 2015 (ver histórico abaixo). O “jabuti” que trata do abuso de autoridade está incluído no texto desde que foi aprovado no plenário da Câmara dos Deputados, em novembro de 2016.
A questão ganhou novos contornos diante do clima de enfrentamento de parte dos parlamentares ao ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, e à força-tarefa da Lava Jato no Ministério Público Federal (MPF). Houve forte reação quando o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), decidiu de última hora pautar o tema para ser votado já na última terça (18). Após pressão de colegas, Alcolumbre recuou e adiou a decisão para a semana que vem.
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Em audiência à CCJ do Senado na última quarta (19), quando refutou as suspeitas de parcialidade em sua atuação na Lava Jato levantadas por reportagens do site The Intercept, Moro disse ter receio com a “precipitação” na análise do texto. “Acho que esse tema deveria ser bastante discutido, com muita ponderação, e evitadas precipitações, porque não é só uma questão de coibir o eventual abuso de autoridade, mas, se for para coibir, como fazê-lo? E evitar que essa precipitação gere alguma espécie de, sei lá, retrocesso”, declarou.
O autor da emenda que anexou o abuso de autoridade às dez medidas na Câmara em 2016 é o senador (à época deputado) Weverton Rocha (PDT-MA). Na última terça (18) ele negou que a medida seja um ataque a juízes e investigadores. “O abuso, já se está dizendo, é só para quem abusou. Então é para maus profissionais, não é para todos. E claro que nós sabemos que a maioria absoluta, em todos os Estados, cumpre bem o seu papel”, afirmou o congressista em audiência na CCJ.
Punições para juízes
PublicidadeA atual proposta (PLC 27/2017) é dividida em duas partes. O artigo 8, que trata dos magistrados, prevê nove situações em que se configura crime de abuso de autoridade, com penas de seis meses a dois anos de prisão, além de multa. São os seguintes casos:
I – julgar quando estiver impedido por lei;
II – atuar “com motivação político-partidária”
III – ser “patentemente desidioso” no cargo
IV – proceder de modo incompatível “com a honra, dignidade e decoro” de suas funções;
V – exercer outro cargo ou função que não a do magistério;
VI – ter atividade empresarial, exceto como acionista
VII – dirigir sociedade, associação ou fundação de qualquer tipe, salvo de associação de classe e sem remuneração;
VIII – receber custas ou participação em processo;
IX – expressar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outro magistrado, exceto nos autos do processo .
O relator que elaborou, em abril, a versão mais recente do texto, senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), fez duas mudanças que tornaram o projeto mais “equilibrado”, segundo ele. A primeira prevê que todas as nove condutas só serão consideradas crimes se cometidas pelo juiz “com a finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal”.
A outra mudança estabelece que a “divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas não configura, por si só, abuso de autoridade”. Juristas ouvidos na CCJ do Senado, na última terça (18), afirmaram que essa é a principal preocupação de magistrados sobre a lei. “Cada vez que nós tentamos restringir essa independência, há um perigo para a democracia brasileira”, afirmou Candice Jobim, juíza auxiliar da presidência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e integrante do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
“A forma de agir dos agentes públicos está sendo alterada principalmente pela influência da mídia, e é preciso que a legislação seja alterada para acompanhar essas modificações que vêm ocorrendo na sociedade”, reconheceu outro participante da audiência na CCJ, o desembargador do Tribunal Regional Federal (TRF) da 5ª Região. “Penso, no entanto, que deve haver cuidado com relação a essas alterações. (…) Uma coisa é punir o abuso, outra coisa é se criar o crime de interpretação”, ressalvou.
Membros do Ministério Público
O relatório de Rodrigo Pacheco também estende ao artigo 9, que trata do abuso de autoridade por parte de membros do Ministério Público, os mesmos dois dispositivos que amenizam o texto para juízes: que só há crime quando houver intenção de benefício pessoal ou por “capricho pessoal”; e que não há ilegalidade por mera divergência na interpretação da lei.
Para procuradores e promotores, a proposta prevê 12 condutas que se enquadrariam como abuso de autoridade.
I – emitir parecer quando foi impedido por lei
II – recusar-se a praticar ato que lhe incumba
III – Instaurar procedimento contra alguém sem “indícios mínimos de prática de algum delito”
IV – ser “patentemente desidioso” no cargo
V – proceder de modo incompatível com a dignidade e o decoro do cargo;
VI – receber honorários, percentagens ou custas processuais;
VII – exercer a advocacia;
VIII – participar de sociedade empresarial em formas proibidas por lei;
IX – exercer qualquer outra função pública, salvo de magistério;
X – atuar com motivação político-partidária;
XI – receber, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, exceto se houver previsão em lei;
XII – expressar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de atuação do Ministério Público, exceto nos autos do processo
Histórico
Promovidas por procuradores da força-tarefa da Lava Jato em março de 2015, as “10 medidas contra a corrupção” chegaram ao Congresso um ano depois, na forma de projeto de iniciativa popular chancelado por mais de 2 milhões de assinaturas.
O texto original não trazia os artigos sobre abuso de autoridade, que foram incluídos às vésperas da votação do pacote no plenário da Câmara dos Deputados, em novembro de 2016. Por 313 votos contra 132, os parlamentares aprovaram uma emenda da bancada do PDT que previa os casos em que se configura abuso por parte de juízes e procuradores ou promotores.
A reação foi imediata. Logo após a aprovação, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux chegou a determinar que o projeto voltasse à estaca zero, por considerar que a medida havia sido desfigurada. O episódio gerou atritos entre o Supremo e a Câmara – já comandada pelo atual presidente, Rodrigo Maia (DEM-RJ) –, mas, no fim, prevaleceu a vontade do Legislativo: o texto manteve os tópicos sobre abuso de autoridade e foi enviado ao Senado em 2017.
Desde a inserção do “jabuti”, os procuradores da Lava Jato têm feito críticas abertas ao que consideram uma desfiguração do texto. Um dia após a aprovação na Câmara, em novembro de 2016, o MPF do Paraná participou, ao lado de associações locais de juízes, de um ato de repúdio à decisão dos deputados.
“Muito se ouve que juízes procuradores e promotores são imunes a qualquer tipo de responsabilização. Não há nada mais longe da verdade do que esta afirmação. Nós respondemos sim, nas esferas cíveis, administrativas disciplinares, na esfera da improbidade administrativa e mesmo na esfera criminal. E como qualquer agente público estamos sujeitos a perda do nosso cargo”, disse na ocasião a procuradora-chefe do MPF-PR, Paula Cristina Conti Thá.
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