No próximo sábado (10), Milton Ribeiro completa um ano à frente do Ministério da Educação. Terceiro titular da pasta no governo de Jair Bolsonaro, Milton tem uma gestão considerada pouco ativa contra a pandemia e marcada por mais desacertos que acertos, na visão de parlamentares ligados à Educação. Formado em Teologia e Direito, o ministro é pastor presbiteriano, assim como o advogado-geral da União, André Mendonça. Mais discreto que seu antecessor, Abraham Weintraub, que deixou o governo em meio a acusações, Milton coleciona também episódios controversos à frente do MEC.
O ministro sinalizou que integrantes do governo poderiam interferir na elaboração das provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para “evitar ideologia”. Segundo ele, técnicos ligados a pasta deveriam ter prévio acesso às provas, produzidas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), para deixar questões mais “técnicas” nas partes de múltipla escolha. Temas mais subjetivos, em sua opinião, deveriam ir para a redação.
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A gestão do ministro também é marcada por cortes inéditos nas verbas de universidades federais brasileiras, já afetadas pela pandemia de covid-19. Em maio deste ano, em um ofício enviado ao Ministério da Economia, o MEC admitiu não ter como pagar o Enem 2021, assim como as bolsas de 92 mil pesquisadores brasileiros. O Ministério foi o que mais sofreu cortes no Orçamento 2021, e teve R$ 2,7 bilhões bloqueados na Lei Orçamentária.
Mesmo assim, o ministério comandado por Milton dá sinais trocados sobre a questão econômica: enquanto o governo vai ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a lei que garante conectividade às escolas – que teve o veto derrubado pelo Congresso Nacional -, a pasta negocia a criação de um novo canal de TV educacional, com bases conservadoras.
‘Bolha de classe média’
Presidente da Frente Parlamentar Mista da Educação, o deputado Professor Israel (PV-DF) entende que a gestão de Milton Ribeiro à frente da pasta é caracterizado pela falta de coordenação e pela instabilidade. “O ministério tem dificuldade de exercer sua função coordenadora com os municípios e os estados, e não há uma coordenação federativa. O Ministério não se relaciona bem com as universidades – e o ensino superior, que é responsabilidade exclusiva do MEC, não está bem costurado e está sempre em uma postura de ataque”, disse o parlamentar ao Congresso em Foco.PublicidadeAlém disso, a pasta tem promovido, em sua visão, verdadeiros “cavalos de pau” em cargos extremamente relevantes. “Só o Inep já trocou de presidente cinco vezes – e não há política pública que resista a esta instabilidade. Há trocas na Secretaria de Educação Básica o tempo inteiro. Há uma guerra entre ‘olavistas’, técnicos e militares…há uma instabilidade que prejudica a execução da política pública, com pouca entrega”, criticou Israel.
No Inep, responsável pelo Enem, já passaram pelo cargo Maria Inês Fini (25/05/2016 a 14/01/2019); Marcus Vinicius Rodrigues (22/01/2019 a 26/03/2019); Elmer Coelho Vicenzi (29/04/2019 a 16/05/2019); Alexandre Ribeiro Pereira Lopes (17/05/2019 a 26/02/2021); e Danilo Dupas Ribeiro (26/02/2021 até agora). No ano passado, o Enem teve uma abstenção de 51,5% e, apesar de já marcado, o Inep chegou a sinalizar em maio que não teria dinheiro para a edição deste ano.
Israel diz que o ministro tem tido uma postura acessível e aberta ao diálogo, não sendo grosseiro ou ditatorial com visões dissidentes. Mas, por outro lado, está fechado em uma “bolha de classe média”. “Ele tem uma dificuldade de compreender as prioridades da escola pública brasileira. Ele realmente acredita que o problema no Brasil é a doutrinação, e que o Enem é ideologizado”, ponderou o deputado.
O ministério – que na visão do deputado deveria ter uma postura técnica – cumpre durante o governo Bolsonaro uma função que não deveria: a de “animador de torcida das pautas bolsonaristas”.
Pandemia
Nessa quarta-feira (7), a Comissão Externa do Ministério da Educação na Câmara leu um relatório sobre a ação da pasta durante a pandemia do coronavírus. O relatório revela que, durante o ano de 2020, explodiu o número de alunos que perderam acesso à educação.
A evasão escolar chegou a 5,1 milhões, motivada por falta de recursos como a Internet e equipamentos, além de falta de preparo das autoridades em atender estes alunos. As regiões Norte e Nordeste do país foram as mais afetadas. “Isso nos traz uma situação onde naturalmente e infelizmente a desigualdade educacional de aprendizado ficou ainda maior do que já era no país”, indicou o coordenador da comissão, Felipe Rigoni (PSB-ES).A relatora da comissão, deputada Tabata Amaral (PDT-SP), apresentou um parecer de 60 páginas, nas quais indicou que a gestão da pasta está “aquém do esperado”.
A maior parte das salas de aula para a educação básica continha problemas como falta de área verde, tamanho inadequado ou falta de outros itens de infraestrutura; programas em todas as áreas estariam sofrendo cortes sistemáticos de orçamento, o que iria na contramão do aumento de investimento; e o governo propôs ações consideradas ineficazes no combate à evasão escolar na educação infantil.A verba destinada para a conectividade das escolas públicas, segundo o relatório, não chegou a ser nem executada pelo MEC durante a pandemia. Tabata disse estar “surpresa” com a resistência do governo em implementar esta política pública, mesmo depois de o Congresso regulamentar e dizer de onde virá o dinheiro.
“Tal quadro de debilidade generalizada e de grave inconsistência técnica e de insuficiência de recursos das políticas públicas na educação vão na contramão das necessidades da população brasileira de retornar imediatamente o ensino presencial”, indicou a relatora, que responsabilizou diretamente o ministro: “As ações tecnicamente precária e incipientes contradizem ainda, as manifestações públicas do ministro da Educação, sr. Milton Ribeiro, que alega prioridade máxima em sua gestão na produção de ações para o retorno presencial às aulas nos mais diversos níveis de ensino.”
O relatório conclui com a recomendação de que o MEC priorize o tema. “É com muita tristeza que a gente constata que a ração do Ministério da Educação ao longo desse semestre, em relação a pandemia e a volta às aulas, foi muito mas muito aquém do esperado”, concluiu Rigoni.
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