A Câmara dos Deputados recebeu, nos primeiros dias da nova legislatura, projetos de lei de inspirações antagônicas que devem retomar uma discussão interrompida em 2018. O antigo Escola Sem Partido (PL 7.180/14) foi arquivado no ano passado após não avançar na comissão especial que analisava a proposta, mas “reencarnou” na última segunda-feira (4) pelas mãos da deputada estreante Bia Kicis (PSL-DF).
A oposição, no entanto, já apresentou dois projetos sobre o tema. Os estreantes Talíria Petrone (Psol-RJ) e Alexandre Padilha (PT-SP), ex-ministro da Saúde, querem emplacar, respectivamente, o “Escola Sem Mordaça” e o “Escola Livre”.
Com os governistas em maioria na Casa e no comando das principais comissões – a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), por exemplo, já foi prometida ao PSL pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) –, a tendência que o Escola Sem Partido tramite com mais facilidade, mas os oposicionistas prometem fazer um confronto permanente.
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Em 2018, o projeto foi barrado porque a bancada contrária interditou oito sessões com ferramentas regimentais e impediu que o texto do relator, deputado Flavinho (PSC-SP), fosse votado.
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Cerceamento ou vigilância?
Há semelhanças entre as três propostas. Todas evocam o artigo 206 da Constituição, que prevê, no inciso II, “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber”.
Para os projetos do Psol e do PT, no entanto, seguir este artigo implica em proibir “o cerceamento de opiniões mediante violência ou ameaça”, trecho que aparece em ambos os projetos. Os partidos de oposição defendem que é preciso combater um crescente clima de perseguição aos professores em sala de aula.
“A gente tem, sistematicamente, denúncias de profissionais da educação perseguidos. Mesmo que não tenha sido aprovado o Escola Sem Partido, mesmo ele sendo inconstitucional, a gente tem essa perseguição”, afirmou Talíria ao Congresso em Foco. “O Escola Sem Partido é para nós, na verdade, um Escola Com Mordaça”, diz a parlamentar.
“Isso é uma falácia. O Escola Sem Parido não quer colocar mordaça no professor”, rebate Bia Kicis. “Ele tira a mordaça do professor que só quer falar uma parte da História Para que ele tenha que falar a História inteira”, defende a deputada do PSL. Ela nega que o Escola Sem Partido queira atacar liberdade “do professor que quer dar aula”, mas sim fiscalizar “os molestadores”.
“O professor tem que ensinar todos os aspectos. Ele pode até falar ‘olha, eu sou comunista. Eu acho o Marx o máximo, acho o comunismo sensacional’. Mas ele tem que falar que o comunismo matou 100 milhões de pessoas. Ele tem que falar que existe um outro sistema chamado capitalismo. Que ele acha que o capitalismo tem defeitos, mas o capitalismo põe a sociedade para crescer. Então ele tem que ensinar os dois lados da matéria, e no final pode dizer ‘eu prefiro este sistema’. O que não pode é perseguir o aluno por não concordar com ele”, explica a parlamentar.
Gravações em sala de aula
Os oposicionistas consideram que a gravação da atividade dos professores é um ataque à autonomia dos profissionais. Tanto a proposta do Psol quanto a do PT determinam expressamente que as aulas só poderão ser gravadas ou filmadas “mediante consentimento de quem que será filmado ou gravado”.
O texto de Padilha, do PT, considera que as filmagens servem para “exposição pública de professores a pretexto de uma ‘limpeza ideológica’, para atender aos fins políticos de grupos de poder autoritários”.
O entendimento de Bia Kicis é oposto. O direito de gravar as aulas é, inclusive, um dos instrumentos práticos do novo projeto de lei que não estavam explicitados no Escola Sem Partido arquivado no ano passado – outra aplicação material do projeto, também prevista nas propostas da oposição, é a afixação de cartazes nas escolas com os princípios da lei.
A inclusão da garantia de fazer registros audiovisuais fi motivada, segundo Kicis, pelo caso da professora e deputada estadual Ana Caroline Campagnolo (PSL-SC), que sugeriu que os alunos gravassem os professores “que estivessem fazendo doutrinação” e provocou reações, inclusive decretos proibindo as filmagens. O governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB-MA), foi um dos que baixou normas neste sentido.
“Se você faz parte da conversa, se está no ambiente, você tem o direito de gravar”, afirma Kicis. “A gravação serve até para que o aluno absorva o conteúdo, que possa usar depois, para estudar. Agora, se durante a gravação ocorre um ato infracional [por parte do professor], se alguma lei é violada, aquela gravação serve de prova. Eu mesma sou professora e nunca tive o menor problema em permitir que gravassem as aulas”, garante a parlamentar.
Inspirações
Talíria Petrone, que foi amiga e aliada política da ex-vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco (1979 – 2018) – executada no ano passado em um caso ainda não solucionado – conta que a base do Escola sem Mordaça já estava pronta. Segundo a congressista, o texto é uma reapresentação, com adaptações, de um antigo projeto (PL 6005/2016), do ex-deputado Jean Wyllys (Psol-RJ), que foi reeleito em outubro do ano passado mas abriu mão do mandato por ter sofrido ameaças.
O novo Escola Sem Partido também não é de autoria de Kicis. A parlamentar do PSL é representante, no Congresso, do movimento Escola Sem Partido, coordenado pelo jurista Miguel Nagib, que redigiu o projeto de lei. A deputada do PSL confia que o arquivamento do projeto, visto na legislatura passada, não se repetirá. “Dessa vez o Congresso está renovado e temos mais apoio. Eles [oposição] não vão conseguir fazer o mesmo jogo”, promete.
Já Talíria acredita que o apoio dos governistas ao Escola Sem Partido não é unânime. “A gente precisa entender as frações dessa base de apoio ao governo.O que a gente vai tentar é unificar um campo amplo, mais amplo que a esquerda, um campo democrático, que queira garantir a escola pela pluralidade, pela diversidade”, afirma a psolista.