Terminada as eleições, período de angústia e tensão para quem assistiu ao país escolher o caminho do senso comum, da bravata e da mentira como método, senti a necessidade de me afastar por um tempo das leituras e discussões políticas. Assim como o eleito deve, após o fechamento das urnas, descer do palanque e passar a preocupar-se em efetivamente governar, decidi recolher minhas bandeiras e voltar minhas atenções e esforços para algo que fosse mais útil e prazeroso ao espírito.
Veio-me, então, a disposição para, enfim, encarar a leitura da obra magna de Marcel Proust, projeto acalentado desde os tempos de faculdade e que, uma vez iniciado, acabou sendo interrompido no terceiro volume de Em busca do tempo perdido. A perspectiva de trocar pães com leite condensado por madeleines; bonés do Trump por chapéus da Belle Époque; berimbaus por pianos; era por demais tentadora: assim, peguei o caminho para Guermantes, no rumo oposto daquele que vai dar no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB).
Proust foi responsável por um feito inédito em meus hábitos de leitura: o de me fazer companhia no café da manhã, função tradicionalmente desempenhada pelos jornais desde a minha adolescência. Nesse sentido, sempre fui hegeliniano, realizando minha oração matinal realista com assiduidade e fervor.
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Mas, é preciso confessar que minha fé nos diários há tempos anda abalada e, na maioria dos dias, limito-me a ler meus colunistas favoritos, sem encontrar em suas edições minguadas uma só reportagem que me desperte o interesse ou matéria que eu já não tenha visto no dia anterior.
Nostalgia jornalística
Ando tão herege que nem mesmo tenho dado bola para as edições dominicais – o equivalente da bíblia para os hegelianos como eu. Mas já foi o tempo das gloriosas edições de final de semana, com suas reportagens especiais, seus cadernos de cultura e ideias, seus escândalos descobertos por jornalistas investigativos. Tempo no qual meu pai saía do Lago Norte até o Setor de Rádio e TV Sul só para pegar os jornais no trabalho e me entregar aquela pilha enorme cuja leitura me ocuparia por toda a manhã e a tarde de domingo, jornais que seriam lidos dentro do carro enquanto eu ouvia música no toca-fitas e esperava a transmissão dos jogos do Fluminense na voz de Luíz Penido.
PublicidadeEnquanto sonhava em ter os cabelos e a camisa de flanela do Mike Patton, batia um papo com Nelson Rodrigues pelos telefonemas do Jabor até chegar a hora de ouvir o Super-Ézio guardar mais um gol para o barato bom barato bom do Fluzão.
Gostava tanto dos jornais de domingo que começava a lê-los ainda no sábado! Quando morava em São Paulo, esperava chegar umas seis da tarde e já corria até à banca para pegar um Estadão. E na sua companhia vetusta eu passava horas, cafeteira italiana no fogo, disco do Fellini no 4×1, começo de noite que poderia só acabar no dia seguinte após uma balada no Love ou n’Alôca.
E o domingo ficava assim inteiramente reservado para a Folha e aquela página inteira do Gaspari, o Nassif esculhambando a política econômica do FHC em sua coluna e os quadrinhos de Angeli e companhia tocando o terror nas páginas do Mais!
Mas chega de divagações! Deixa-me voltar para o Proust, pois só agora comecei o segundo volume e o Narrador vai, enfim, realizar o tão acalentado sonho de ir ao teatro ver a atuação da Berma. Convenhamos: é mais interessante do que esperar para saber quem será o infeliz escolhido para o Ministério do Meio Ambiente.
“Deixa o país inteiro apagar, deixa o país inteiro, nega”, cantava Cadão Volpato com doçura e resignação no Samba das Luzes. Deixemos, então…
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