Confesso que tomei um susto: estava escutando uma entrevista no rádio do candidato ao governo do DF, deputado Alberto Fraga (DEM), quando ele resolveu dar uma “filosofada”: “A verdade tem sempre dois lados: a de um lado…”.
Ao ouvir isso, completei mentalmente a sentença e abri um sorriso, pensando em como aquela concepção de verdade flexível não combinava com a mentalidade conservadora do candidato direitista. Mas, daí, dando um cavalo de pau na aparente direção de seu raciocínio, ele completou: “… e a do lado da verdade real”.
Esse pequeno raciocínio (ou teria sido um ato falho?) nos revela algo sobre o modo de pensar e a visão de mundo de muitos políticos e de seus eleitores. Eles partem do pressuposto de que a verdade é algo existente e dado, de que ela é real, como diria Fraga. Nessa concepção, a verdade também nos é plenamente acessível: ela está aí, bem na nossa frente, e todos os cidadãos de bem conseguem enxergá-la.
Dada essa concepção de verdade, caberia a nós, enquanto sociedade, simplesmente fazer com que ela prevalecesse. Se há problemas no mundo de hoje, pensa esse grupo, é porque muitos se afastam dessa verdade, alguns por desconhecimento, mas a maioria por má-ftes passam a ser, então, os inimigos a serem combatidos, o obstáculo à restauração da ordem que a verdade já instaurou no mundo. A esses, não cabe o diálogo nem a tolerância, apenas os rigores da lei!
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Dogmatismo
Estamos diante daquilo que os manuais de filosofia denominam de dogmatismo do senso comum. Aceita-se aquilo que se aprende na vida como uma verdade absoluta, algo imune a questionamentos – vem daí o desconforto com o politicamente correto ou, na linguagem atual, do mimimi daqueles que de alguma forma apontam para as falhas e insuficiências daquilo que foi aprendido.
Levada ao campo político, esse modo de ver o mundo é marcado por discursos e posições intransigentes – afinal, se há somente uma verdade, também só existe um lado que está a seu serviço. Democracia, para esses, só se justifica quando torna-se um meio de imposição da vontade da maioria – que, naturalmente, partilha da mesma verdade. As minorias? Que se adequem ou desapareçam, como gosta de repetir o candidato à presidência Jair Bolsonaro (PSL) – não por acaso, apoiado informalmente por Fraga.
Como destaca o filósofo espanhol Fernando Savater, no livro As verdades da vida, uma sociedade democrática também busca a verdade, mas com uma diferença fundamental: a verdade não é vista como algo dado, e sim como o resultado de uma busca racional, que pressupõe a conversação entre iguais, o debate, a controvérsia, etc.
Chega-se a ela pelo melhor argumento e pelo constante pôr-se à prova das objeções, e não como nos acostumamos a fazer por aqui, pelo grito, pela intimidação ou por filosofadas de botequim.
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