Alvo de divergências desde o momento em que foi entregue ao Congresso, a reforma da Previdência dos militares – pacote com mudanças em cinco leis que tratam das regras de inatividade e da reestruturação das carreiras das Forças Armadas – ainda espera a formação de uma comissão especial na Câmara. Já escolhido como relator, o deputado Vinicius Carvalho (PRB-SP) disse ao Congresso em Foco que defenderá a aprovação integral da proposta enviada pelo governo. “O texto que veio deve ser aprovado, se possível, sem nenhuma alteração. Essa é a nossa percepção”, afirmou.
A postura diverge, por exemplo, da adotada pelo relator da reforma da Previdência, Samuel Moreira (PSDB-SP), que logo após ser designado para a função anunciou ser contrário a pontos da proposta do governo, como as novas regras para o Benefício de Prestação Continuada (BPC), garantido a idosos que vivem na extrema pobreza. A indicação de Vinicius Carvalho foi selada no último dia 10, em um almoço no Quartel General do Exército, em Brasília, quando o deputado se reuniu com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o ministro da Defesa, general Azevedo e Silva, e os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica.
> Como é a carreira dos militares e o que o governo quer mudar
Carvalho, que foi convidado pelas Forças Armadas para a relatoria, já havia se reunido no início de abril com o general Eduardo Castanheira Garrido Alves, assessor especial do ministro da Defesa que atua na linha de frente da articulação do projeto. Na semana em que teve a indicação confirmada para a função, o deputado havia feito na Câmara um discurso elogioso às Forças Armadas, o qual encerrou dizendo que “não importa a eles o fato de não possuírem os mesmos privilégios que os trabalhadores civis. Para os militares, o direito de fazer greve, por exemplo, é algo proibido e impensável, afinal eles têm plena consciência de que são guardiões nacionais”.
O parlamentar disse ao Congresso em Foco não ter ligações pessoais com a caserna. “Não tenho família militar, não sou ligado às Forças Armadas, nem mesmo às forças de segurança pública”, diz o congressista, que é advogado e pastor da Igreja Universal do Reino de Deus. Ele está em seu terceiro mandato na Câmara.
Em um pronunciamento em abril, sobre a reforma da Previdência – na qual Carvalho defende a posição majoritária na Casa, que é de apoio ao corpo do texto mas refratário a mudanças no BPC e na aposentadoria rural, principalmente –, o parlamentar vaticinou que “os debates [sobre a o projeto para as Forças Armadas] serão acalorados, pois os militares representam uma importante parcela no sistema previdenciário”.
Críticas
Condensada no Projeto de Lei 1.645/19, a reforma dos militares foi entregue pelo presidente Jair Bolsonaro ao Congresso no dia 20 de março, um mês após a PEC da Previdência. A proposta começou a sofrer críticas no Congresso no mesmo dia, enquanto os militares e técnicos da equipe econômica ainda detalhavam as mudanças em coletiva de imprensa.
Um dos ataques mais recorrentes é ao baixo impacto fiscal do texto: ao mesmo tempo em que projeta aumento de receita, com a elevação da alíquota de contribuição para a pensão militar, a reforma provocará custos devido ao aumento de soldos e da criação de “penduricalhos” na remuneração (veja a íntegra do texto). A estimativa é de que a economia girará em torno dos R$ 10 bilhões pelos próximos dez anos, apenas 1% do total de aproximadamente R$ 1 trilhão que o governo estima deixar de gastar com a Previdência no mesmo período.
O relator Vinícius Carvalho adota a linha de defesa do projeto que é usada pelo governo: que os militares acumularam defasagens, especialmente nos últimos 20 anos, e hoje oficiais de alta patente passam para a reserva com remuneração menor do que jovens na elite do funcionalismo público.
“Chega um determinado ponto de suas carreiras que eles não têm tido uma valorização, uma motivação, um incentivo para permanecerem nas Forças Armadas. Isso faz com que os recursos empregados para qualificá-los se perde no momento em que este militar, por estabilidade financeira, opta sair das Forças Armadas”, diz o relator. Essa justificativa está na raiz de parte dos benefícios concedidos aos militares na reforma – há adicionais e gratificações reservados a quem faz cursos de qualificação ou ocupa posições de comando.
A reforma dos militares começará a tramitar quando o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), formar uma comissão para analisar o texto, o que deve ocorrer nas próximas semanas.
ENTENDA AS PRINCIPAIS MUDANÇAS PROPOSTAS PELO GOVERNO AOS MILITARES
CONTRIBUIÇÃO
Ao contrário dos trabalhadores e dos servidores públicos, os militares não estão sujeitos a um sistema previdenciário. Ao longo da carreira, os membros das Forças Armadas recolhem, atualmente, o mesmo valor enquanto estão na ativa e depois de passarem à reserva remunerada: 11% do salário mensal: deste valor, 7,5% vão para a pensão que ele deixará aos dependentes e outros 3,5% para um fundo de Saúde. É nestas contribuições que o projeto do governo vai mexer.
Como é hoje – Apenas os militares ativos e inativos contribuem com estes 11%. Alunos de escolas de formação das Forças Armadas (11 mil pessoas atualmente, segundo o governo) estão isentos de qualquer alíquota, enquanto cabos e soldados sob o serviço militar obrigatório (157 mil pessoas) pagam apenas os 3,5% do plano de saúde, assim como os 145 mil pensionistas (familiares dos militares, que recebem o benefício).
O que o governo propõe – Todas as categorias (exceto os alunos em formação) passarão a contribuir com 14%. Serão 10,5% para a pensão e os mesmos 3,5% para o fundo de saúde. Apenas os alunos em formação estarão isentos de pagar o fundo, ou seja, contribuirão com 10,5%.
Como vai se chegar lá – O governo propõe uma transição de três anos para a contribuição dos militares para a pensão: 8,50% em 2020, 9,50% em 2021 e 10,50% a parti de 2022.
TEMPO DE SERVIÇO
Como é hoje – O militar precisa de 30 anos na ativa para passar à reserva
O que o governo propõe – Que o tempo de serviço requerido seja 35 anos
Como será a transição – Militares da ativa que já tiverem, na aprovação da lei, acumulado 30 anos de serviço, poderão passar à reserva. Os que ainda não chegaram lá terão que cumprir um pedágio de 17% (um militar que ainda tem 10 anos a cumprir, por exemplo, terá que servir por mais 1,7 ano, ou seja, terá que acumular 31,7 anos de serviço).
IDADE-LIMITE
Como é hoje – O militar tem, conforme o posto que ocupa, um limite máximo de idade, no qual é obrigado a passar para a reserva. Hoje estes “tetos” de idade vão de 44 anos (para soldados) até 66 (general de Exército).
O que o governo propõe – Haverá aumentos para todos os postos. Soldados passarão a ter o limite de 50 anos e generais de Exército poderão ficar na ativa até 70.
MENOS DEPENDENTES
Como é hoje – Militares podem colocar como dependentes (aptos a usar serviços como a assistência de saúde das Forças Armadas) um total de 18 categorias de familiares: oito que podem acessar os serviços independentemente de rendimentos e outras dez que têm permissão se não tiverem rendimento. São esposas, mães viúvas que não recebam remuneração, ex-esposas com direito a pensão alimentícia, entre outros.
O que o governo propõe – Que apenas cinco categorias serão dependentes: Só serão dependentes, independente de ter ou não outra fonte de renda, o cônjuge (ou companheiro que viva em união estável) e o filho ou enteado, desde que menor de 21 anos ou na condição de invalidez. Outro grupo só será dependente se não tiver renda: o pai ou a mãe, filhos de até 24 anos ou tutelados de até 18 anos que vivam sob a guarda do militar por ordem judicial. Vale lembrar que a regra só se aplica a partir da aprovação da reforma: quem já é dependente não perderá a condição.
REDUÇÃO DE EFETIVO
Como é hoje – O efetivo hoje é composto de 45% de militares de carreira e 55% temporários (que ficam nas Forças Armadas por oito anos e são dispensados)
O que o governo propõe – A ideia é enxugar cerca de 36 mil postos (somando temporários e de carreira), o que significará, segundo o governo, reduzir o efetivo em cerca de 10%.
ADICIONAL DE HABILITAÇÃO
Como é hoje – Militares têm direito a acumular “adicional de habilitação”, que é incluído no soldo para os que fazem cursos de especialização. Hoje, cursos de formação (para os postos mais baixos) dão um adicional de 12%, percentual que sobe até 30% para o Altos Estudos Categoria I. Este curso é considerado o “doutorado” da carreira militar e é disponível a generais, coronéis e subtenentes.
O que o governo propõe – Aumentar os adicionais para todos os cursos, exceto o de formação (que fica em 12%). Para o curso mais alto, o adicional passará a ser de 71%. O governo explica que a ideia é “valorizar a meritocracia: os militares que buscarem a especialização ganharão mais. Hoje apenas o Exército e Marinha têm o curso mais alto, e o da Marinha é recém-criado.
ADICIONAL DE DEDICAÇÃO EXCLUSIVA
Como é hoje – Este adicional não existe
O que o governo propõe – Será criado um “adicional de dedicação exclusiva”. Segundo o governo, é uma forma de premiar a dedicação exclusiva: “estarão prontos e em condições de serem deslocados para qualquer parte e atuarem, dia e noite, em defesa da Pátria, bem como garantir os poderes constitucionais, a lei e a ordem”. Para os escalões mais altos, o adicional chegará a 41% do soldo.
AJUDA DE CUSTO AO PASSAR PARA A RESERVA
Como é hoje – Ao passar para a reserva, o militar ganha uma indenização de quatro vezes o valor do soldo, para arcar com as despesas da mudança para a inatividade. Valor é pago uma só vez.
O que o governo propõe – Dobrar a ajuda de custo, que passará a ser de oito vezes o valor do soldo.
GRATIFICAÇÃO DE REPRESENTAÇÃO
Como é hoje – Oficiais generais recebem uma gratificação de 10% do valor do soldo enquanto estiverem no exercício de posições de comando
O que o governo quer – A ideia é manter a gratificação.
>> Veja a íntegra do projeto de reforma da Previdência dos militares