A advogada tributarista Vanessa Canado, secretária-executiva do grupo de trabalho que discute a reforma tributária no Ministério da Economia, detalhou em entrevista ao Congresso em Foco os principais pontos que o governo de Jair Bolsonaro defende na reforma.
Considerado o mais complexo, o item que diz respeito à isenção fiscal das empresas sobre a folha de pagamento dos funcionários ficará por último e só deve ser apresentado no final de 2020.
“A ideia é tentar fazer as coisas concomitantemente, mas a gente sabe que a reforma da folha é um pouco mais complexa porque é um projeto caro, a gente sabe que desonerar a folha precisa de dinheiro, é mais difícil de ser equacionado no curto prazo”, afirmou.
O ex-secretário da Receita Federal Marcos Cintra propôs que a compensação financeira se desse com um novo imposto sob transações financeiras, mas a criação de um novo tributo foi amplamente rejeitada pelo Congresso Nacional e pelo próprio presidente Bolsonaro. Por isso, uma desoneração total da folha de pagamento está em suspenso enquanto o governo não decide sobre novas formas de compensação. Uma nova CPMF não está em discussão, ressaltou Vanessa Canado.
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Segundo a tributarista, que é assessora especial do ministro Paulo Guedes, o governo finaliza os últimos ajustes da primeira fase da reforma tributária, que planeja entregar ao Congresso na semana que vem.
Em princípio, toda a reforma será tratada por projeto de lei para facilitar a tramitação e porque nenhuma das medidas estudadas depende de emenda constitucional. A ideia é formar uma comissão mista de deputados e senadores, ainda que informalmente, para envolver na discussão parlamentares que já debate as duas propostas de reforma tributária em andamento no Congresso.
PublicidadeSerão quatro etapas – as três últimas só serão enviadas ao Legislativo em 2020, de acordo com Vanessa:
1ª – criação do IVA [Imposto sob Valor Agregado] a partir da fusão do PIS/Cofins, com alíquota em torno de 11%
2ª – reforma do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI)
3ª – reforma do Imposto de Renda com a volta da tributação sobre lucros e dividendos
4ª – desoneração da folha de pagamento
Desoneração, o mais difícil
A desoneração das empresas será a longo prazo para evitar a criação de novo tributo e a consequente elevação da carga tributária. A recriação de um tributo nos moldes da CPMF não está em discussão “no momento”.
Vanessa Canado estuda como alternativas para compensar a perda da receita na arrecadação dos impostos sobre a folha de pagamento uma tributação sobre dividendos – que hoje não existe -e uma diminuição no tributo sobre pessoas jurídicas, além de uma retomada no crescimento da economia.
“Tributação da renda, pode fazer movimento parecido com IRPJ [Imposto de Renda de Pessoa Jurídica] de tentar ampliar a base, eliminar exceções e diminuir a alíquota. Pode considerar o crescimento econômico, o que muito provavelmente eleva a arrecadação. Aí você consegue reduzir a carga tributária. Isso está sendo desenhado ainda como movimento que pode trazer pelo menos simplificação e alguma redução. Mas é movimento de longo prazo. Não dá para desonerar a folha toda de uma vez. A gente vai continuar com alguma tributação em folha”, explicou.
Para a assessora do ministro da Economia, é preciso avaliar como será o desempenho das três primeiras fases da reforma, que dizem respeito ao consumo e ao imposto de renda, para poder saber qual economia deve ser aproveitada para conter a perda da arrecadação com a folha.
“Mas com certeza não é suficiente, vai ter que ser algum movimento de mais longo prazo que considere o crescimento da economia, da formalização do emprego, a contribuição voluntária maior. A gente vai montar um plano de longo prazo que seja factível e considere outros elementos além de uma base tributária anual que a gente não tem mais”, afirmou.
Mudança no lucro presumido
A tributação antecipada sobre as pessoas jurídicas, ou lucro presumido, ficará somente para a terceira fase da reforma, que deve ser apresentada em meados de 2020.
A ideia é que seja criada tributação sobre dividendos e reduzidos os impostos sobre o lucro presumido.
“Pode ser por uma alíquota única, todo mundo igual, alíquota única como antecipação [no imposto de pessoa jurídica] e depois faz o ajuste na declaração do imposto de renda [após conferir os dividendos]. Tudo isso está sendo estudado, quais vão ser os modelos”, disse Vanessa.
Tributação sobre dividendo para diminuir IRPJ
A auxiliar de Paulo Guedes diz que o governo pretende mudar a forma como são cobrados impostos das empresas. Na reforma será considerada a participação no recebimento dos lucros das pessoas jurídicas, em vez de unicamente ser cobrado um valor padronizado para todos os acionistas da empresa.
“Tributa melhor de acordo com a capacidade contributiva e depois você distribui, essa que é a ideia. Pegar um percentual mais baixo da empresa porque você não sabe quem está recebendo, se recebe tudo, um décimo, se está recebendo pouco ou muito. Tributa um pouquinho pessoa jurídica, porque, do ponto de vista da arrecadação e simplicidade, é mais fácil, todos os países tributam pouco na empresa e depois quando vai distribuir você olha quem está recebendo para entender quanto vai ser tributado”, declarou.
Impostos estaduais
A reforma tributária elaborada pelo governo federal não vai mexer em impostos estaduais e municipais como o ICMS e o ISS. Vanessa Canado diz que o assunto não é de competência do governo federal. “A União não pode mexer em impostos de estados e municípios, ela pode mexer em seus três, o PIS, Cofins e o IPI”, disse.
IVA da União deve ser modelo
Mesmo que não regule os impostos estaduais e municipais, o governo vai manter diálogos com governadores, prefeitos e congressistas sobre o tema. Também admite estimular a aprovação de alguns pontos já em discussão nas duas propostas de emenda constitucional sobre a reforma tributária em tramitação na Câmara e no Senado.
“Ainda que a gente tenha dois tributos, um federal e outro estadual e municipal, eles têm as mesmas regras porque o tributo federal da União é um modelo de IVA compatível com as PECs, ou seja, é um modelo de IVA com base ampla, crédito financeiro, princípio no destino, as principais características são iguais”, disse Vanessa.
Sudam e Sudene
A secretária-executiva do grupo de trabalho da reforma tributária no Ministério da Economia evitou falar sobre mudanças na regulamentação de benefícios fiscais da Superintendência para o Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) e da Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e disse que esse assunto não é o foco imediato da reforma tributária do governo.
“Benefícios da Sudam e da Sudene são de imposto de renda. A gente está deixando para revisar gastos tributários, os incentivos fiscais, junto com cada tributo. Agora estamos revisando os gastos de PIS e Cofins”, disse.
As superintendências só devem ser estudadas em meados de 2020, na terceira fase da reforma. A situação da Zona Franca de Manaus deverá ser discutida antes, na segunda etapa, quando será feita a reforma do IPI.
Simples Nacional
A reformulação do sistema do Simples Nacional está fora da reforma tributária do governo. “Isso é lei complementar, não pode ser tratado por projeto de lei ordinário. Está fora desse esforço”, disse uma das coordenadoras do grupo de trabalho da reforma do governo. PL complementar exige maioria dos votos em relação ao total de congressistas, enquanto o PL ordinário exige a maioria dos presentes.
Reforma tributária em pacote social
Vanessa Canado afirmou que debate com outros membros do governo uma forma de abrir espaço fiscal para o que o presidente Jair Bolsonaro apresente um pacote de medidas voltadas para o social.
A ideia é que a União aumente a arrecadação com a volta parcial de impostos que hoje estão isentos no valor da cesta básica. Com isso, o valor a mais seria destinado para benefícios sociais como o Bolsa Família. A medida será apresenta já na primeira fase da reforma.
“Substituir um benefício excessivamente democratizado, que pega as pessoas de alta renda, por benefício focalizado para quem precisa”, disse Vanessa Canado, de 38 anos, que é advogada tributarista, doutora em Direito e professora da Fundação Getúlio Vargas.
Veja a seguir outros temas abordados na entrevista:
Congresso em Foco – O governo tem algum percentual ideal para elevar a faixa de isenção do Imposto de Renda?
Vanessa Canado – A gente não fez nenhum cálculo, imposto de renda da pessoa física é também uma fase do imposto de renda, essa fase envolve tributação de dividendo, revisão da tributação corporativa e depois a gente tem que olhar a própria tabela para ver como ele deve ser recomposta, se vão se manter as faixas de alíquotas atuais, se vão diminuir para deixar mais simples, se vai aumentar distribuindo um pouco melhor, ampliando a faixa de isenção, tudo isso está sendo estudado, nada confluindo ainda.
Por que deixar o IPI para um segundo momento e PIS/Cofins no primeiro já que todos são impostos sob consumo?
Como há muitos incentivos de longo prazo [como a Zona Franca de Manaus], será necessário um período maior de transição.Incluí-lo no primeiro projeto aumentaria o grau de dificuldade de aprovação da proposta.
O secretário Rogério Marinho também tentou desonerar a folha de pagamento, mas de modo segmentado. A medida de compensação, taxar o seguro desemprego, não foi bem aceita.
Ali a principal iniciativa era muito mais focalizada no emprego, não necessariamente no redesenho do sistema. São objetivos distintos, o objetivo do governo era dar um estímulo de curto prazo para diminuir o desemprego e você diminui o custo de contratação como variável dessa medida. Nossa função é outra, é de redesenhar o sistema e montar um plano de longo prazo de desoneração. Elas são compatíveis, mas têm objetivos distintos.
Há alguma possibilidade de aumentar a alíquota do IVA para compensar a perda na arrecadação com a desoneração das empresas?
Por enquanto não. A ideia não é aumentar a alíquota do IVA para desonerar a folha. Vamos refazer o desenho do IVA mantendo a carga tributária. Na gestão de longo prazo não vale a pena simplesmente cobrar mais IVA sem plano concreto sobre como usar esse dinheiro.
Ano que vem terá calendário mais curto no Congresso em razão das eleições. Isso não prejudica essa meta?
São projetos de lei e, portanto, têm tramitação menos complexa, e envolvem só tributos da União. Embora tenha agenda paralela de campanha de candidatos a prefeito, a gente tem uma reforma fatiada, o que facilita muito a discussão. Não precisa de quórum qualificado. Mexe só com tributos da União. É um projeto que tramitaria de forma paralela com outras prioridades do Congresso.
O governo pode tratar algum ponto da reforma por medida provisória?
Se for urgente e relevante o assunto, dependendo das áreas jurídicas que analisarem o projeto, pode ser por medida provisória. Mas tem de ser convertido em lei. Em princípio será por projeto de lei. Do ponto de vista tributário, porém, não teria problema se fosse por medida provisória, desde que fosse convertida em lei.
Há alguma possibilidade de o governo tratar algum aspecto por emenda constitucional?
Não tem necessidade jurídica de ser uma PEC. Não precisaria enviar. Dependendo do movimento que o governo fará nessa comissão mista, talvez um instrumento jurídico mais formal como a PEC seja necessário para parte da reforma. Mas, do ponto de vista formal, não é necessária. Pode ser que, em razão da estratégia política alguma PEC também seja enviada. O objetivo do governo não é enviar uma PEC alternativa e paralela. Já tem duas no Congresso, o governo não quer embolar mais o assunto enviando uma terceira PEC.
Mas o presidente da comissão da reforma tributária na Câmara diz que não há instrumento formal para se criar uma comissão mista para analisar uma PEC. Como será essa discussão conjunta?
A ideia é, independentemente da formalização, criar consenso entre Câmara e Senado para encaminhar a reforma. Enquanto tem tramitação paralela nas duas casas, as discussões ficam muito difusas, fica mais difícil ter consenso. Quando você discute um ponto sensível na Câmara já poderia aproveitar no Senado. A intenção do governo é, formal ou ainda que simbolicamente, unir essas duas iniciativas para construir um projeto em comum.
Há possibilidade de o governo encampar algum ponto das PECs em tramitação na Câmara e no Senado?
Em princípio são essas áreas. Não que não possa mudar. Vai depender da reação das pessoas, da sociedade e do próprio Congresso. Podemos nos adaptar aos cenários que vão surgindo. Em princípio a gente tem de ter um cronograma de trabalho para se organizar internamente.
Guedes entregará pessoalmente ao Congresso a proposta na semana que vem?
Deve ser entregue o IVA federal. Acho que sim. Mas não está definido ainda, mas imagino que sim.