O entusiasmo do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), com a reforma administrativa não contagia os deputados. Parlamentares ouvidos pelo Congresso em Foco preveem que a oposição às mudanças nas regras para os servidores públicos deve ser maior do que a enfrentada pela reforma da Previdência, cuja tramitação se encerrou no Congresso na semana passada.
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A avaliação é de que os servidores se engajarão de forma organizada no enfrentamento às propostas que o governo pretende enviar ao Legislativo nos próximos dias. Interlocutores de Maia admitem, de maneira reservada, que ainda não há clima para a discussão. O assunto deve ganhar força apenas no próximo ano.
A dificuldade é admitida até mesmo por aliados do presidente Jair Bolsonaro, como o deputado Fábio Ramalho (MDB-MG). Para ele, o governo deveria ter discutido com os servidores públicos durante o processo de elaboração da reforma, o que, segundo ele, não aconteceu.
“Deveria ter sido mais discutido com o funcionalismo. Essa reforma pode criar um problema do tamanho do enfrentado pelo Chile. A reforma da Previdência já vinha sendo discutida há dois anos. Quantos servidores públicos há em Brasília? Eles enchem fácil a Esplanada”, adverte o ex-vice-presidente da Câmara, conhecido por oferecer jantares a presidentes da República e parlamentares de todos os partidos.
Vice-líder do governo na Câmara, o deputado Coronel Armando (SC) reconhece que haverá muita resistência à reforma, principalmente em relação ao fim da estabilidade para determinadas categorias. Ele acredita, no entanto, que essa oposição poderá ser superada na base do convencimento. Mas primeiro, reconhece, será preciso ganhar o apoio da sociedade. “Vai ter muita resistência. Não sei se mais que houve em relação à reforma da Previdência. Temos de mostrar para a sociedade que essas mudanças são necessárias para o país”, observa.
Armando entende que a reforma só deve ser concluída no Congresso no início do segundo semestre.
Frente de oposição
A maior resistência à reforma administrativa deve vir da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público, que reúne 235 dos 513 deputados e sete dos 81 senadores. Ou seja, mais da metade da Câmara. Participam da frente parlamentares de 23 partidos. Embora não haja garantia de que todos se alinharão contra a mudança nas regras para os servidores, o presidente do grupo, deputado Professor Israel (PV-DF), acredita que o governo enfrentará sérias dificuldades para aprovar suas propostas.
“A certeza que nos une é desmistificar os mitos com relação ao serviço público e evitar que os servidores sejam demonizados frente à opinião pública. Não vamos permitir justificativas fiscais para permitir a perda de direitos”, disse o Professor Israel ao Congresso em Foco.
Entre as principais mudanças indicadas pelo governo, estão o fim da estabilidade para determinados grupos, redução salarial e no número de carreiras, o endurecimento das regras para promoções e a flexibilização do processo de demissão de servidores. As alterações devem valer para os futuros funcionários públicos.
Professor Israel ressalta que a estabilidade já não é absoluta no serviço público. “Prova disso é que a União já expulsou mais de 7.500 servidores nos últimos 15 anos, inclusive por baixo desempenho. São os servidores que levam adiante as políticas públicas e guardam a memória do Estado, eles não podem estar suscetíveis a perseguições político-partidárias”, observa.
Mobilização
De acordo com o coordenador da frente parlamentar, antes de falar em redução de salários, o governo deveria levar em conta o alto grau de qualificação dos servidores, reconhecido, ressalta ele, inclusive no último relatório do Banco Mundial. “Eles que também têm um nível de formação, em média, cinco vezes maior do que na iniciativa privada”, diz o deputado do PV.
Segundo Professor Israel, a principal mobilização da frente será para conscientizar os demais deputados sobre a relevância da atuação dos servidores e desmistificar a falsa imagem de luxos e privilégios que está sendo construída pelo governo. “Também vamos buscar apoio nas lideranças e blocos para impedir qualquer retrocesso ou perda de direitos”, afirma.
“Somos contra qualquer reforma que tenha como princípio o corte de custos, que, por si só, já começa com a proposta errada. Devemos pensar em tornar o serviço público qualificado, eficiente e de excelência, a redução de custos será uma consequência”, explica o deputado.
As despesas com pessoal e encargos são a segunda maior do governo. Perdem apenas para os gastos com Previdência. O governo estima que serão desembolsados R$ 319 bilhões em 2019 somente para custear os salários do funcionalismo. Técnicos do Ministério da Economia ainda trabalham no fechamento das propostas. Os textos, então, passarão pelo ministro Paulo Guedes e pelo presidente Jair Bolsonaro. Só então seguirá para o Congresso. Maia pretende incluir algumas das sugestões em proposições que tratam do assunto já em tramitação na Câmara para acelerar as discussões.
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Dificuldade subestimada
Subchefe de Análise e Acompanhamento de Políticas Governamentais da Casa Civil entre 2003 e 2014, Luiz Alberto dos Santos avalia que o governo está subestimando as dificuldades que terá pela frente.
“Nada disso é fácil aprovar. A impressão que tenho é que, como o governo conseguiu aprovar a reforma da Previdência em tempo razoavelmente curto e sem grandes perdas, os burocratas estão se achando muito poderosos. Quem tocou a reforma foi o Rodrigo Maia e o Davi Alcolumbre. No caso de uma reforma administrativa, eles teriam de fazer o mesmo acerto, o mesmo protagonismo”, opina.
Para ele, o grau de organização dos servidores será decisivo. “Vai depender da forma como os servidores vão se organizar e reagir. No cenário atual, as condições da reforma da Previdência e administrativa não serão a mesma”, considera o professor da Fundação Getúlio Vargas e consultor legislativo do Senado.
Luiz Alberto também observa que não basta mudar a Constituição. O governo precisará do apoio do Congresso para fazer alterações complexas em leis para regulamentar as novas regras.
“São mudanças difíceis. Terá de alterar a lei do regime jurídico, designar novo regime de trabalho desses servidores, definir hipóteses de contratação e desligamento. São temas de elevada complexidade técnica que exigem cautela de qualquer governo. É uma revolução. Teremos dois tipos de servidores: estatutário, com estabilidade, que não estariam sujeitos a regras novas. Isso é muito difícil de fazer na prática. É uma ruptura do princípio de equidade, que vai tornar a gestão pública problemática e até inadministrável”, diz o ex-assessor da Casa Civil.