Apesar de o Presidente de um dos Poderes da República ter vetado o retorno da CPMF, com qualquer nome que seja, como disse o Presidente de outro Poder, é fato que a desoneração da folha de pagamento é desejável, e também é verdade que, em havendo a desoneração, há que se definir uma maneira de compensar a perda de arrecadação.
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Primeiro, era a CPMF, cuja defesa custou o cargo a um secretário; depois, veio o balão de ensaio da CPMF digital, justificada com base na necessidade de evitar que a “economia digital” atue sem contribuir aos cofres públicos. Também essa “opção” foi criticada, apesar de considerar, de alguma forma, importantes transformações que ocorrem neste século XXI.
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A conveniência de se desonerar a folha carece de maior justificação: dada a necessidade de se criar ocupação para mais de vinte milhões de brasileiros subocupados ou desocupados, não faz sentido cobrar imposto sobre a folha de pagamento.
Assim, fica a pergunta: como encontrar uma alternativa para compensar a perda de arrecadação decorrente da eventual desoneração da folha?
Sei que não serei ouvido pelos integrantes do atual governo mas, mesmo assim, apresento uma proposta. Claro, não se trata de uma proposta fechada, acaba, mas apenas uma ideia a ser debatida e mais bem trabalhada.
PublicidadeA revolução digital tem trazido inúmeras transformações às sociedades, razão pela qual o ministro tem certa razão ao considerar uma tributação sobre a “economia digital”. Transformações ainda maiores são necessárias para adaptar nossas sociedades à realidade cada vez mais evidente do esgotamento dos recursos ambientais.
Sobre esse ponto, basta lembrar que o dia da sobrecarga, ou seja, o dia em que consumimos e descartamos tudo o que a Terra pode oferecer e absorver durante um ano, tem acontecido mais cedo a cada ano: no início da década de 1970 ocorria em dezembro; já em 2019 foi em 29 de julho, significando que a partir de então passamos a acumular dívidas ambientais cujo crescimento será mais grave que o de dívidas financeiras. É necessário, pois, deixar de acumular essas dívidas ambientais, alterando profundamente a dinâmica da nossa sociedade; os primeiros países a fazê-lo tenderão a ser os ganhadores na segunda metade do presente século!
Assim, preocupar-se e preparar-se para essa nova realidade é essencial. Dessa maneira, é oportuno introduzir no debate da reforma tributária a conveniência da introdução de um imposto sobre o carbono, que poderia mais que compensar a desoneração da folha.
Diversos países estudam e alguns já experimentam com esse imposto. Assim como se justifica tributar mais pesadamente produtos como o cigarro, pelo mal que fazem às pessoas, também a queima de combustíveis fósseis deve ser tributada. Claro, isso vai alterar profundamente a dinâmica das nossas sociedades, e alterar tal dinâmica é essencial. E urgente!
Há, pois, que debater e analisar a conveniência de um imposto sobre o carbono. No Brasil, assusta observar o quase absoluto silêncio com relação a tal imposto, suas características, sua vantagens e desvantagens, seus impactos, quem seriam os ganhadores e os perdedores com sua eventual introdução.
Entre os perdedores se encontram, sem dúvida, aqueles que apostam na continuidade dos combustíveis fósseis como a energia fundamental da sociedade. Claro, também aqueles que dependem dessa indústria. Perderão, ainda, aqueles que nela investem, como o Brasil tem feito, a fim de “explorar” o Pré-sal, descoberta tardia que coloca, para nós brasileiros, o incrível e difícil dilema entre ajudar a criar a economia do século XXI ou apostar na manutenção da moribunda economia dos séculos XIX e XX. Os combustíveis fósseis, tal como as drogas, permitiram inicialmente um período de êxtase, em razão da elevada densidade de energia do carvão, do petróleo e do gás. Agora, seus efeitos deletérios parecem sobrepujar os positivos.
A analogia é imediata: a partir dos anos cinquenta do século XIX, e mesmo antes, já era claro que a economia escravocrata estava condenada, mas os governantes brasileiros fecharam os olhos a essa realidade e adotaram muitas medidas para dar-lhe sobrevida. O atraso resultante persiste até hoje, e a falta de um debate mais amplo, aqui no Brasil, acerca do imposto sobre o carbono, e sobre outras formas de se criar a economia do século XXI, parece repetir essa condenação ao atraso.
Se é difícil que os atuais dirigentes sequer discutam essa necessidade, quem sabe, neste ano eleitoral, escolheremos como governantes pessoas atentas aos desafios atuais e futuros?
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