As discussões sobre a reforma tributária dividiram o governo Bolsonaro e criaram um atrito com líderes na Câmara e no Senado. Há dois grandes conflitos a serem resolvidos: um é a queda de braço em torno da criação de uma nova CPMF, o outro é o impasse na condução da reforma.
A ideia da equipe econômica de criar um imposto sobre movimentações financeiras estremeceu a relação entre o ministro da Economia, Paulo Guedes, e lideranças no Congresso. Se insistir na proposta, o governo corre o risco de sofrer uma grande derrota e ver a popularidade do presidente Jair Bolsonaro, já em queda conforme as últimas pesquisas, despencar.
O alerta é feito por líderes governistas, descontentes com a forma com que a reforma tributária tem sido conduzida por Guedes e sua equipe. Não há clareza, na avaliação deles, sobre a estratégia adotada. Lideranças do Senado afirmam que Guedes assumiu o compromisso de priorizar a proposta em tramitação na Casa. A palavra inicial e final sobre o assunto seria dos senadores.
Pelo entendimento entre eles, o governo não enviaria uma proposta de emenda constitucional própria ao Congresso. Encaminharia diretrizes e sugestões que seriam encampadas por senadores governistas. Mas a equipe econômica, conforme apurou o Congresso em Foco, ainda não bateu o martelo em relação a isso. Há divisão entre os seus integrantes.
“Se o governo enviar uma proposta, estará descumprindo um acordo. Sem acordo, o caminho fica mais distante para o governo aprovar qualquer coisa”, disse o líder do PSL no Senado, Major Olimpio (SP), que também considera arriscada a tentativa de se propor uma nova CPMF.
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Publicidade> O futuro da reforma tributária no Congresso
Descontentamento na Câmara
Já líderes da Câmara alegam que não têm conhecimento desse acordo: não sabem da preferência de Guedes pela tramitação no Senado nem de que o governo desistiu de enviar uma proposta própria.
Eles alegam que não sabem se o governo enviará uma proposta de emenda constitucional própria com todas as mudanças pretendidas, se encaminhará projetos de lei ou medidas provisórias para complementar os textos em andamento no Congresso ou se mandará apenas diretrizes a serem convertidas em proposições por parlamentares aliados, conforme sustentam senadores.
Deputados também acusam Guedes de tentar esvaziar as discussões sobre a reforma na Câmara para diminuir o protagonismo do presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ) na condução da agenda econômica do país. Na avaliação de líderes ouvidos pelo Congresso em Foco, Guedes está incomodado com o papel assumido por Maia na interlocução com o mercado durante a tramitação da reforma da Previdência e não quer que isso se repita com a reforma tributária. Por isso, segundo eles, ele tem sinalizado que as discussões desta vez devem ser impulsionadas pelo Senado, presidido por Davi Alcolumbre (DEM-AP).
Por meio de sua assessoria de imprensa, Alcolumbre confirmou que defendeu, em reunião recente com Guedes, que a reforma comece pelo Senado. Mas evitou dar detalhes. “Sobre a intenção do governo de criar uma nova CPMF, o senador disse é contra qualquer aumento de impostos, pequeno ou grande”, acrescentou o gabinete em nota. Maia também já rechaçou publicamente a nova cobrança sobre transações financeiras. “Não vamos retomar CPMF na Câmara de jeito nenhum”, disse em um evento em São Paulo.
A reforma tributária é tratada no Congresso por duas propostas de emenda à Constituição (PECs): uma relatada no Senado por Roberto Rocha (PSDB-MA), concebida pelo ex-deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR); e outra sob a relatoria de Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), em comissão especial na Câmara, assinada pelo líder do MDB, Baleia Rossi (SP), mas elaborada pelo economista Bernard Appy. Ambas tratam da simplificação tributária com a fusão de vários impostos federais e alguns estaduais e municipais.
Perigo
Aguinaldo Ribeiro disse ao Congresso em Foco que o governo não lhe informou que prefere avançar com as discussões no Senado. O deputado, porém, admite insatisfação com a insistência do governo com a criação de uma nova CPMF. O relator já avisou o Planalto de que não vê chance de aprovação na Câmara. “Mesmo assim a equipe econômica não desistiu da ideia”, lamenta o deputado, que participou de encontro com o ministro da Economia na última terça-feira (27).
Aliado do governo, o líder do Republicanos (antigo PRB) na Câmara, Jhonatan de Jesus (RR), vê com irritação os movimentos da equipe econômica em torno da volta da CPMF. “Não existe isso. Não votaremos. Não tem esse perigo. Chega de imposto”, declarou.
Emedebistas ouvidos pela reportagem também rechaçaram a criação de um novo tributo e reclamaram do distanciamento do ministro da Economia em relação a Baleia Rossi. No primeiro semestre, ele chegou a gravar um vídeo ao lado do deputado paulista em que elogiava o texto apresentado por ele. De lá para cá, porém, contam interlocutores, Guedes não envolveu mais o parlamentar nas discussões.
A criação da nova contribuição decorre de uma decisão já tomada pelo ministro: a retirada da tributação da folha de pagamento das empresas. “Nesse ponto, o martelo está batido”, afirmou uma fonte do Ministério da Economia ao Congresso em Foco. Ou seja, o novo imposto viria para compensar as perdas na arrecadação com a desoneração da folha.
De acordo com projeções feitas pela Receita Federal, o governo poderá arrecadar R$ 1,175 trilhão em dez anos com a criação da nova CPMF. Ainda assim, um valor abaixo dos R$ 2 trilhões que deverão deixar de entrar nos cofres públicos com a desoneração da folha de pagamento. Inicialmente a equipe econômica estuda propor uma alíquota de 0,22%, que incidiria nas duas pontas da transação financeira: sobre quem paga e quem recebe. A antiga CPMF recaía apenas sobre quem realizava o pagamento.
Desgaste político
Para Major Olimpio, é grande a chance de o governo sair derrotado em uma eventual votação da CPMF no Congresso. “Esse imposto foi criado por uma causa nobre, o financiamento da saúde. Mas os recursos foram desviados para outras áreas. Ele ficou satanizado no imaginário da sociedade. Posso não conhecer profundamente de economia, mas tenho sensibilidade para saber que uma proposta como essa bate duro na população”, afirmou.
O líder do PSL vê na medida um embaraço para o próprio presidente Jair Bolsonaro, que já desautorizou publicamente o secretário da Receita, Marcos Cintra, por ter defendido a volta do imposto. “Como vai ficar o presidente com isso? Ele já havia dito que não recriaria a CPMF durante a campanha e o governo de transição, salvo engano. A resistência no Congresso será fortíssima. Se os deputados não quiseram incluir estados e municípios na reforma da Previdência por causa das eleições do ano que vem, imagina agora. O desgaste político seria ainda maior”, acredita Olimpio.
Mesmo a ala mais moderada da oposição já avisa que não aceitará esse tipo de proposta. “Tributar a movimentação financeira não equaliza a tributação do patrimônio. Seria uma medida muito impopular”, refutou o líder do PSB na Câmara, Tadeu Alencar (PE). “Queremos uma reforma que diminua os impostos sobre o consumo”, acrescentou.
Distorção
O ministro da Economia tem defendido o novo tributo como uma solução simples. “(Esse imposto) tem uma capacidade de tributação muito rápida e muito intensa. Ele põe dinheiro no caixa rápido, e se ele for baixinho ele não distorce tanto”, defendeu Paulo Guedes.
Além da desoneração da folha e da nova CPMF, chamada apenas de CP por integrantes da equipe econômica, o governo também estuda a criação de um imposto sobre valor agregado apenas em nível federal e uma reforma no sistema do Imposto de Renda. A ideia, segundo interlocutores ouvidos pela reportagem, é que essas mudanças sejam apresentadas todas de uma vez, em data ainda a ser definida, já que os estudos ainda não foram concluídos.
Pesquisa feita pelo Painel do Poder divulgada em julho já captava a resistência das principais lideranças do Congresso à criação de um imposto sobre movimentações financeiras para compensar a desoneração da folha. Só 16,4% dos entrevistados deram notas máximas à ideia (4 ou 5). A média ponderou ficou em 2,7. O mesmo levantamento, realizado em parceria com a In Press Oficina, revelou que a maioria das lideranças do Congresso acredita na aprovação da reforma tributária ainda este ano. Mostrou também grande aceitação entre os líderes em relação à mudança central promovida pela proposta de Baleia Rossi. Ou seja, a reunião em um só tributo de três impostos federais (PIS, Cofins e IPI), um estadual (ICMS) e um municipal (ISS), todos incidentes sobre o consumo.
A CPMF vigorou entre 1997 e 2007, entre os governos do PSDB e do PT. A proposta original era de que os recursos arrecadados fossem destinados ao financiamento da saúde e da Previdência Social, o que acabou não acontecendo. A alíquota começou em 0,25% e terminou em 0,38%. A contribuição foi derrubada pelo Senado depois de uma forte campanha liderada pelo setor empresarial, que alegava que o imposto pressionava a já elevada carga tributária brasileira. Patrocinada pelo PSDB e pelo DEM, foi a principal derrota do governo Lula no Congresso. Depois disso a gestão petista ainda tentou retomar a cobrança por meio da Contribuição Social para a Saúde, mas sem sucesso.
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