A proposta do Banco Central (BC) de autorizar o uso de recursos públicos no socorro de bancos privados que estão em crise deixou dúvidas sobre o impacto financeiro dessa medida. Afinal, o governo federal contraiu um prejuízo de R$ 28 bilhões da última vez que tentou fazer algo do tipo, através do Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (Proer) na década de 1990.
O deputado Gustavo Fruet (PDT-PR), que foi o presidente da CPI do Proer, diz que chegou até a pedir informações sobre esse programa quando soube que o assunto estava em estudo, mas não recebeu resposta da autoridade monetária, que nessa segunda-feira (23) enviou o projeto ao Congresso. Ele promete, então, colocar os mesmos consultores que identificaram o calote do Proer para analisar o novo projeto de lei do Banco Central. A consultoria deve começar já em janeiro, para apresentar os possíveis impactos dessa medida antes mesmo de ela começar a tramitar no Congresso.
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O projeto de lei complementar do Banco Central atualiza o marco legal de intervenção e liquidação de instituições financeiras em dificuldades para possibilitar o uso de recursos públicos no resgate de bancos privados que estão em crise. O texto destaca que esse socorro só será oferecido pelo governo em último caso, depois que os controladores e os acionistas do banco já tiverem empregado os próprios recursos na tentativa de tirar a instituição financeira da crise. Porém, precisa ser aprovada pela Câmara e pelo Senado antes de entrar em vigor.
A ideia, portanto, difere do método adotado pelo Proer para fazer a recuperação dos bancos que entraram em crise no início da década de 1990, durante o processo de controle inflacionário do Brasil. É que o Proer, instituído no governo Fernando Henrique Cardoso, previa que a “parte boa” dos bancos seria vendida e a “parte ruim” entrava em liquidação. O resultado, contudo, não foi positivo.
Como antecipou o Congresso em Foco, dois dos bancos socorridos pelo Proer ainda não devolveram todos os recursos públicos que receberam. A dívida se acumula há mais de 20 anos e já chega a R$ 28 bilhões. É quase o mesmo valor contingenciado pelo governo federal no início deste ano e sete vezes os R$ 3,8 bilhões que a Lava Jato conseguiu reaver para os cofres públicos.
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O calote do Proer foi confirmado pelo próprio Banco Central, através de um pedido de informação enviado pelo deputado Gustavo Fruet, há apenas dois meses. Presidente da CPI que investigou o impacto financeiro do Proer nos anos 2000, Fruet conta que ainda pediu outros dados sobre o problema, mas ainda não recebeu resposta do BC.
Ele também solicitou informações sobre o novo programa de socorro aos bancos assim que soube que o assunto estava em estudo, mas também não teve retorno do Banco Central. Só soube que o projeto foi para a frente com o anúncio dessa segunda-feira. E agora aguarda a autoridade monetária publicar a íntegra desse projeto para começar a analisá-la detalhadamente com os consultores da Câmara.
“Não tem lógica, porque já se mostrou que a recuperação [dos bancos] é lenta, tanto que ainda há um débito de R$ 28 bilhões do Proer”, reclamou Fruet, destacando que a proposta de usar recurso público no socorro de bancos privados também não combina com a visão liberal do governo de Jair Bolsonaro. “É contraditório, porque o atual governo, com um conceito liberal, sinaliza que o mercado tem que se virar, mas mostra que há razões que justificam uma visão paternalista sob pena de colocar em risco a economia brasileira”, avalia.
O ex-presidente da CPI do Proer diz, então, que é impossível não temer o risco de um novo calote e também o motivo que está por trás desse projeto, enviado ao Congresso no apagar das luzes deste ano, com os parlamentares já em recesso. “A impressão que dá, ao abrir a possibilidade de uso dos recursos públicos e neste momento de fim de ano, é que há alguma emergência a ser resolvida. Então, é um tema que merece uma análise econômica e vai exigir grande debate”, diz Fruet.
Apesar de admitir que o setor financeiro conta com grande apoio no Congresso e que o governo não tem tido muitas dificuldades para aprovar seus projetos, Gustavo Fruet acredita, então, que a proposta do Banco Central deve ser motivo de muita discussão na volta do recesso parlamentar. Ele mesmo deve incentivar esse debate, porque promete encomendar uma análise do programa junto aos mesmos consultores que o ajudaram a identificar os prejuízos do Proer.
“Vou formalizar um estudo na consultoria já no começo de janeiro, independente da tramitação desse projeto”, promete Fruet, que também vai acompanhar a tramitação da proposta do Banco Central na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e na Comissão de Finanças e Tributação (CFT) da Câmara dos Deputados. Um dos pontos que deve ser questionado por Fruet nesse processo são os métodos de fiscalização desse novo socorro a bancos, para que haja um sistema eficiente de fiscalização que evite novos calotes como o do Proer.
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