O dinheiro anunciado pelo governo para manter vivas micro e pequenas empresas durante a pandemia não está chegando à ponta. O diagnóstico é feito pelo ex-ministro da Micro e Pequena Empresa e ex-presidente do Sebrae Guilherme Afif Domingos. Hoje assessor especial do ministro da Economia, Paulo Guedes, Afif reconhece que só agora, três meses após o início da crise decorrente do coronavírus, o governo conseguiu fechar um diagnóstico para o problema.
“Nós pretendemos que [o recurso] chegue, mas não está chegando porque o pequeno empresário não tem reservas. Quando você manda parar a atividade indefinidamente, a empresa fecha, porque tem pouco dinheiro”, disse Afif ao Congresso em Foco. “O micro e o pequeno empresários ganham no almoço para comer no jantar”, acrescentou.
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Afif destaca que os pequenos negócios precisam de capital de giro para se sustentar nesse período de pandemia, já que muitos tiveram de paralisar suas atividades com o isolamento social. Para o assessor especial, os empresários têm enfrentado dificuldades para tomar empréstimo bancário devido à falta de garantias.
Garantia
Para ele, esse cenário deve mudar nas próximas semanas. “Nós detectamos e diagnosticamos que temos de atuar no risco para poder tentar desempossar o dinheiro que ficou empossado. Tem liquidez no mercado, mas ele não circulou, não chegou à ponta”, explica. “Percebemos que o problema era falta de garantia”, ressalta.
Desde a última quarta-feira, micro e pequenas empresas já podem solicitar o crédito oferecido por meio do Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe).
O Fundo Garantidor de Operações (FGO), no valor de R$ 15,9 bilhões do Tesouro Nacional, foi liberado para avalizar empréstimos tomados por pequenos empreendedores. Segundo as estimativas da equipe econômica, essas garantias devem gerar crédito de R$ 18 bilhões a micro e pequenas empresas. “O risco é do Tesouro praticamente 100%. Com isso, esperamos que o dinheiro possa fluir”, afirmou.
Empresários têm se queixado do aumento das exigências de garantias por parte dos bancos para o acesso a crédito, além das taxas de juros. De acordo com o programa, as instituições financeiras têm de assumir 15% do risco. Os outros 85% ficam na cota do Tesouro. Os bancos privados, no entanto, têm resistido à concessão desses empréstimos com receio de levar calote.
De autoria do senador Jorginho Mello (PL-SC), o Pronampe é voltado para microempresas, com faturamento anual de até R$ 360 mil, e empresas de pequeno porte, que faturam até R$ 4,8 milhões por ano. O acesso ao crédito só será liberado se a empresa estiver em dia com as declarações enviadas à Receita Federal.
“A Receita Federal se preparou para emitir quase 4 milhões de comunicados a partir desta semana [até o dia 15], avisando à microempresa que, por pagar em dia o imposto e pelo faturamento declarado, ela tem direito a até 30% desse valor, que o Tesouro vai garantir, que ela pode procurar o banco. Quem vai emprestar é o banco com garantia do Tesouro”, explica o ex-ministro.
A taxa de juros do programa é de 1,25% ao ano, mais a Selic (hoje em 3% ao ano). O prazo para pagamento é de 36 meses. O presidente Jair Bolsonaro vetou a carência de oito meses prevista no texto aprovado pelo Congresso. Esse ponto era considerado por parlamentares um dos principais atrativos da iniciativa. O veto, no entanto, ainda será apreciado pelos congressistas, que poderão derrubá-lo ou mantê-lo.
Afif Domingos afirmou que o governo tem uma carta na manga caso o Pronampe não se mostre eficiente. Segundo ele, o programa ficará sob observação por cerca de 40 dias. Se o dinheiro continuar a não chegar à ponta, a equipe econômica estuda doar recursos a fundo perdido, na forma de uma espécie de bônus, para as empresas que forem adimplentes no pagamento dos impostos depois da pandemia.
“Hoje isso não está na pauta. Mas precisamos esperar uns 40 dias para avaliar o plano B. Acho que nesse período teremos condições de avaliar a eficiência ou ineficiência do programa”, declarou o assessor especial de Paulo Guedes. A ideia inicial é que cada beneficiário receba até R$ 10 mil mensais da União por um período ainda não definido, conforme adiantou em maio o Congresso em Foco.
Renegociação de dívidas
O assessor especial de Paulo Guedes diz que um novo programa de repactuação de dívidas (Refis) não está na pauta do ministério no momento, mas não descarta a possibilidade de o assunto ser debatido no futuro. “Refis? Não tem isso. Já existe primeiro a postergação do pagamento de impostos. Temos de ver com a retomada como é que fica. Não sabemos o tamanho da encrenca, até quando vai essa pandemia. Se anunciarmos agora, o empresário pode deixar de pagar”, afirma Afif.
Por causa da crise, o Comitê Gestor do Simples Nacional prorrogou por seis meses o prazo para pagamento dos tributos apurados no regime. A resolução beneficia microempreendedores individuais, micro e pequenas empresas. Já o pagamento do ICMS e do ISS foi prolongado por mais três meses devido à pandemia.
Na última quarta-feira (10), um grupo de 18 deputados de vários partidos enviou sugestões ao presidente Jair Bolsonaro e ao ministro Paulo Guedes propondo aperfeiçoamento às medidas tomadas para enfrentamento dos problemas econômicos decorrentes da pandemia.
Entre elas, o restabelecimento dos oito meses de carência para o Pronampe, a concessão de garantia de 100%, com a exigência de que as instituições financeiras cobrem as dívidas como cobram empréstimos com recursos próprios e a possibilidade de se estabelecer um intervalo de carência, conforme o perfil do tomador e o volume de crédito contratado. O grupo, chamado de Câmara Viva, reúne deputados como Marcelo Ramos (PL-AM), Tabata Amaral (PDT-SP) e Pedro Paulo (DEM-RJ), entre outros.
Afif defende que o Congresso aprove ainda este ano uma reforma tributária. Mas, para ele, os textos em tramitação no Parlamento não são a melhor escolha. Desde o ano passado o governo ensaia mandar propostas sobre o assunto, mas, até agora, não encaminhou nada, nem mesmo sugestões.
“Acho que o que está no Congresso não se adapta à realidade. Em função dos próprios estados e municípios. Acredito que tenhamos a proposta federal com viabilidade de ser implementada. O ministério está partindo para concluir unificação do PIS e da Cofins e a substituição da contribuição previdenciária sobre folha para outra base de tributação”, diz o assessor especial de Paulo Guedes.
Reforma tributária
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), movimentam-se para autorizar a realização de reuniões virtuais da comissão mista da reforma tributária, suspensas desde o início da pandemia.
O ex-ministro da Micro e Pequena Empresa reconhece que ainda não há uma definição de que fonte poderia vir a compensação da desoneração da folha. O Congresso resiste à criação de um tributo sobre movimentações financeiras, a exemplo da extinta CPMF. “Isso tem de ser estudado e discutido. Não pode é ficar em cima da folha. Para gerar emprego, isso não dá certo”, observou.
Candidato a presidente em 1989, Afif ficou na sexta colocação em uma disputa que reunia cerca de 20 candidaturas. Ficou famoso pelo slogan “Juntos chegaremos lá”. O empresário participou dos governos Dilma e Michel Temer antes de virar assessor especial do ministro Paulo Guedes. Filiado ao PSD, licenciou-se do posto de vice-governador para ser ministro da Secretaria Especial da Micro e Pequena Empresa na gestão da petista. Com o emedebista, presidiu o Sebrae, cargo que já havia exercido anteriormente. Deixou o comando do órgão em 2018 com o desejo de voltar a disputar a corrida presidencial pelo PSD. O partido, no entanto, resolveu não ter candidatura própria.
Aos 77 anos, Afif diz que tem seguido o isolamento social de maneira rigorosa por ser do chamado grupo de risco. “Agora os que não são [do grupo de risco] dificilmente conseguiremos mantê-los indefinidamente longe do trabalho. Precisam dele para comer”, afirma. A retomada, no entanto, tem de seguir protocolos, ressalta: “Tem que liberar com regras claras e com planejamento por setor”.
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