Nesta quarta-feira (11), um tuíte do tarólogo Igor Reale abriu um debate sobre o valor da conta de luz paga no estado do Amapá. Igor, que tem 476 mil seguidores na rede social e mora no estado, revelou que paga uma média de R$ 900 – ou 86,6 % de um salário mínimo– por mês em uma casa com três pessoas e um ar condicionado.
Nossa casa tem apenas 3 pessoas e mal usamos o ar condicionado( aqui um item de sobrevivência)
— Igor Reale (@igorrealequatro) November 11, 2020
O valor causou algum choque entre seus seguidores, mas não aparentou ser um caso único: a maioria das pessoas que comentaram a publicação, e que são clientes da CEA (Companhia Energética do Amapá), a distribuidora local, mostraram valores igualmente altos, e crescentes mês a mês:
Moro sozinho, uso a central das 23:00 as 04:30 da manhã. Nada de chuveiro, tv muito as vezes, geladeira super econômica, a variância decorre dos periodos de férias e bandeira vermelha. Meus pais em SP gastam mais kw que eu e pagam 89,00 pic.twitter.com/nB2AmNb5Jg
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— Well Lima #SOSAMAPA (@drwell) November 11, 2020
A crítica ocorreu no momento em que o Amapá chegava ao 9º dia sem um abastecimento de energia confiável. Ao final desta quinta, a situação ainda parecia fora de controle – a ponto das eleições municipais para Macapá estarem suspensas por ordem do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O problema que causou o blecaute não foi da CEA – o transformador que explodiu e iniciou o desabastecimento pertencia à Isolux, uma empresa espanhola do ramo de transmissão de energia. Mas a situação inédita ajuda a mostrar as dificuldades de tornar o setor elétrico competitivo e viável em alguns estados na Amazônia.
Entre as 53 distribuidoras de energia do país, a CEA não tem uma tarifa média considerada cara – a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) aponta que a tarifa da empresa é a 39ª mais cara do Brasil. No final do mês, a agência reguladora deve reajustar a tarifa da companhia. Especialistas apontam, entretanto, que três capitais do norte possuem particularidades em relação ao seu setor elétrico que tornam a energia elétrica nesses lugares uma das mais caras do país.
Boa Vista, até hoje, é a única capital que não é ligada ao Sistema Interligado Nacional (SIN), conjunto de linhas de transmissão que escoa a energia produzida pelo Brasil a todas as regiões. Até 2019, o estado era atendido pela energia vinda da usina hidrelétrica de Guri, na Venezuela – mas a crise entre os dois países fez cessar a transmissão. Hoje, Roraima depende de usinas a óleo diesel para sua energia que custam R$ 3 milhões ao dia. Segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), a operação já causou prejuízos de R$ 1,5 bilhão a todos os consumidores brasileiros até junho deste ano.
Manaus, assim como todo o estado do Amazonas, é atendido pela Amazonas Energia, que fazia parte da Eletrobras até o ano passado e hoje tem a segunda tarifa mais cara do Brasil. A empresa tem uma longa lista de credores: em agosto, quando o governo autorizou mais de R$ 15 bilhões de crédito para que as distribuidoras de energia suportassem perdas causadas pela pandemia, a Amazonas energia não pode se valer da sua parte de R$ 315 milhões, justamente por ter dívidas dentro do setor. A empresa acabou utilizando o valor para pagar diretamente seus credores, como a Petrobras (que vendeu diesel para alimentar seus geradores) e as usinas que geraram a energia.
O mesmo aconteceu com a CEA, empresa de capital misto cujo controle majoritário é do governo do Amapá. A empresa teve um crédito menor para recompor perdas causadas pela pandemia, cerca de R$ 38 milhões, mas também não teve acesso ao valor por não conseguir honrar dividas com o setor.
Para o presidente da comissão de energia do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Gustavo de Marchi. “O modelo setorial é um modelo voltado para o Sistema Interligado Nacional”. “Então algumas particularidades no Norte, e em virtude de regiões remotas onde há geração térmica a diesel, vivem em um marco regulatório próprio, que muitas vezes o modelo do SIN não alcança. Isso gera estas distorções.”
Gustavo, que também integra a FGV Energia, aponta que Amapá, Roraima e Amazônia são as mais afetadas por estas distorções – e este é um cenário que dificilmente mudará. “Economicamente é impossível interligar estas regiões remotas, seja por extensão territorial, seja por questões ambientais”, reconheceu.
Isso gera problemas para as distribuidoras, segundo o advogado, como quando uma distribuidora precisa cuidar de assuntos que vão além do seu papel de distribuir a energia aos consumidores, como é o caso do Amapá e da CEA nesta semana.
Para o presidente da Associação Brasileira de Distribuidoras de Energia Elétrica (Abradee), Marcos Madureira, empresas de distribuição de energia na região norte acabam por assumir responsabilidades da geração de energia. “E isso torna mais complexo o problema de gestão”, comenta. “Todos esses fatores tornam mais complexas as operações das distribuidoras nessa região.”
Madureira aponta que, por mais que o problema tenha ocorrido no setor de transmissão, o ônus deve recair sobre a empresa de distribuição, que lida diretamente com o consumidor final. “Há um evento de tamanho muito grande, de espaço de tempo muito grande, e de impacto muito grande aos consumidores”, resumiu Madureira, “A distribuidora já fica com o ônus de exposição, porque as pessoas terminam cobrando dela a solução. Não dá para se cobrar da distribuidora este ônus.”
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