Desde que deixou de se reunir e passou a votar remotamente, ainda em março, o Congresso congelou a tramitação de importantes propostas da pauta econômica para priorizar a votação de projetos voltados para o combate à covid-19 e seus efeitos econômicos e sociais. Dois meses depois, os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), querem retomar a discussão sobre reformas estruturais, como a tributária e administrativa.
>Senado aprova projeto que inclui morte por covid-19 na cobertura de seguros
Maia e Davi vão discutir o assunto com o presidente Jair Bolsonaro em encontro previsto para esta quinta-feira (21). No início do distanciamento social, os presidentes da Câmara e do Senado fizeram um acordo com líderes para que apenas propostas relacionadas à pandemia ou que pudessem ser votadas sem grande polêmica fossem pautadas.
As principais informações deste texto foram enviadas antes para os assinantes dos serviços premium do Congresso em Foco. Cadastre-se e faça um test drive.
O entendimento agora é que as medidas mais emergenciais foram votadas e o momento é de pensar também no cenário pós-pandemia, que deverá ser marcado por dificuldades ainda maiores para o fechamento das contas públicas. Por isso, segundo eles, é preciso manter as reformas em discussão. “Até porque não se sabe até onde tudo isso vai”, disse, de maneira reservada ao Congresso em Foco, um interlocutor próximo a Davi.
Segundo ele, o senador considera que o governo perdeu o timing para as duas reformas, depois de aprovar o novo modelo previdenciário ano passado. As negociações têm sido feitas por Maia e Davi com o ministro da Economia, Paulo Guedes, e lideranças do setor produtivo.
A possibilidade de o Congresso discutir as reformas durante a pandemia enfrenta resistência. Parlamentares da oposição e mesmo aqueles que se autodeclaram independentes não veem condições para mexer na legislação do serviço público e do sistema tributário no momento em que o país conta milhares de mortos e sequer chegou ao pico da doença.
As discussões sobre a reforma tributária devem ser retomadas no Congresso semana que vem, com uma reunião da cúpula da comissão mista. O relator, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), está trabalhando no texto junto com sua assessoria técnica. Sua missão é consolidar as duas propostas sobre o assunto, a da Câmara, idealizada pelo economista Bernard Appy e encampada pelo deputado Baleia Rossi (MDB-SP), e a do Senado, elaborada pelo ex-deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR).
Um dos articuladores da reunião, o vice-presidente da comissão, deputado Hildo Rocha (MDB-MA), acredita que é possível retomar as discussões durante a pandemia. “Mas votar, sem chance”, afirmou ao Congresso em Foco. Baleia Rossi também defende que os debates sejam retomados agora para que a reforma seja votada no final do ano.
O governo ensaiou enviar a reforma tributária e administrativa várias vezes. Em relação à primeira, deve mandar apenas sugestões. A segunda, que envolve redução de direitos de servidores públicos, está em estágio ainda menos avançado. Mas já atrai defensores, como os deputados do Novo, e opositores ferrenhos, como os partidos de esquerda e centro-esquerda.
Lideranças governistas na Câmara tentam convencer Rodrigo Maia e líderes da oposição a reverem o acordo que previa a votação apenas de projetos relacionados à pandemia ou em que houvesse entendimento entre os parlamentares durante as sessões remotas. Vice-líder do governo, o deputado Ricardo Barros (PP-PR) adiantou ao Congresso em Foco que a intenção é abrir caminho para a votação das reformas tributária e administrativa. “Queremos votar a reforma tributária este ano, como estava previsto, independentemente do grande prejuízo da covid-19”, diz. “Falta refazer o acordo”, explica.
Líderes partidários e deputados próximos de Maia ouvidos pelo Congresso em Foco veem o presidente da Câmara aberto a retomar a discussão sobre as reformas. O deputado Pedro Paulo (DEM-RJ), que foi relator do projeto de socorro a estados e municípios, considera que o Legislativo já aprovou o “principal arcabouço legal e fiscal para o combate à pandemia”. “Falta apenas convalidar as principais medidas provisórias, evitar projetos que criem insegurança jurídica e gasto desnecessário e, talvez, renovar alguns dos instrumentos criados”, afirma.
Para ele, o debate precisa ser retomado imediatamente. “Até porque não podemos ficar de braços cruzados esperando o pós-crise. Precisamos criar as condições de uma retomada do crescimento e dos empregos de forma acelerada”, avalia.
A ideia é apoiada pelos líderes do DEM, Efraim Filho (PB), e do PSDB, Carlos Sampaio (SP). “A agenda pós-pandemia também será tratada por nós, e a reforma tributária faz parte dela. Pode avançar no debate da comissão mista que estava em andamento”, diz Efraim.
Para Carlos Sampaio, é possível conciliar a pauta de combate à covid-19 com a agenda econômica. “Não vejo qualquer problema em votar projetos de interesse do governo que sejam importantes para o país, particularmente essas duas reformas, que são estruturantes. Continuamos com o combate à covid-19, mas paralelamente podemos votar sim projetos de interesse do país, independentemente de ter uma pertinência temática com a covid, não vejo qualquer problema.”
O líder do PSB, Alessandro Molon (RJ), avisa que a oposição não concorda com a mudança no rumo da Câmara durante a pandemia e aceitará votar somente projetos contra a covid-19.
Para o vice-líder do PSD, Fábio Trad (MS), há espaço na pauta para votar temas que não estão diretamente ligados à pandemia, como demonstram alguns projetos aprovados nos últimos dias pelo Congresso. Ele considera remotas as chances de as reformas, que já despertavam muita polêmica antes da crise, serem votadas no meio do estado de calamidade pública.
“A não ser que haja acordo entre os partidos, as matérias mais extensas, complexas e polêmicas como reformas estruturantes vão encontrar muitas dificuldades para serem votadas enquanto continuar o sistema remoto”, diz o deputado. “Enquanto a pandemia continuar em estado agudo, não vejo espaço para votação de matérias que não estejam diretamente ligadas à saúde pública”, acrescenta Trad.
> Cadastre-se e acesse de graça, por 30 dias, o melhor conteúdo político premium do país