Após ameaçar entregar o cargo de ministro da Economia, como revelou ontem o Congresso em Foco, Paulo Guedes conseguiu do presidente Jair Bolsonaro o aval que mais pedia e que lhe foi negado nos últimos meses: autorização para enviar ao Congresso sua proposta de reforma administrativa.
Os detalhes da proposta não são inteiramente conhecidos, mas as sinalizações são no sentido de que as mudanças a serem sugeridas deverão envolver severas restrições à estabilidade do funcionalismo, sobretudo para novos servidores. O tema precisa ser tratado por proposta de emenda à Constituição (PEC). A ideia é tornar a estabilidade exclusiva das chamadas carreiras de Estado, como auditores fiscais, juízes, diplomatas e membros do Ministério Público. Mesmo nesse caso, contudo, ela seria plenamente alcançada – tornando o servidor indemissível, a não ser em caso de falta grave ou de outras situações extremas – apenas após um longo período, possivelmente de dez anos. Até lá o funcionário ficaria em estágio probatório.
Leia também
Também aumentaria o tempo para o servidor chegar ao topo da carreira (para a equipe econômica, esse prazo não pode ser menor do que 20 anos) e seriam revistas regras relativas a salário inicial (reduzindo-o), avaliação de desempenho, bonificações e diversos benefícios. Guedes quer implantar novas modalidades de contratação do trabalho, assemelhadas ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Este conteúdo foi publicado antes no Congresso em Foco Premium, serviço exclusivo de informações sobre política e economia do Congresso em Foco. Para assinar, entre em contato: comercial@congressoemfoco.com.br.
Ministro chegou a entregar o cargo
Guedes e equipe pretendiam divulgar a proposição, envolvendo PEC e projetos de lei, ainda nesta quarta-feira (19), o que não aconteceu, mas a definição sobre a data e a forma de apresentá-la caberá à Presidência da República. Bolsonaro e o grupo palaciano têm uma preocupação. Agiram para evitar a saída de Paulo Guedes, que chegou a colocar ontem (terça, 18) o cargo à disposição, incomodado com a crescente resistência do presidente a várias de suas propostas. Assumiram o compromisso de prestigiar Paulo Guedes. Não querem deixar passar a imagem, contudo, de que o ministro se fortaleceu ou, pior ainda, que venceu uma queda de braço com o presidente.
Após a tensão de terça-feira, uma análise corrente entre agentes do mercado é que com Guedes, o presidente não pode ceder à impetuosidade. Nas palavras de um analista, “Bolsonaro sabe que o último bastião que segura o mercado financeiro de virar a mão fortemente é o Paulo Guedes”.
PublicidadeFato é que o episódio não encerra, de um lado, a disposição de Bolsonaro de exercer os poderes que a Constituição lhe assegura. Do outro, o desconforto de Guedes com as dificuldades para engajar na defesa das suas ideias o governo e seu chefe maior. “O que estou fazendo aqui?”, costumam ouvir de Paulo Guedes assessores e interlocutores. O outrora “superministro”, o “Posto Ipiranga”, com poder de determinar todas as decisões governamentais no campo econômico, como havia prometido Jair Bolsonaro na campanha eleitoral, se vê impotente diante de uma lógica legislativa e institucional que conhece pouco e das motivações eleitorais de Bolsonaro e seu grupo.
“Eu podia estar caminhando agora no Leblon e em Ipanema, fazendo consultoria, ganhando dinheiro”, costuma repetir Guedes. Sua perspectiva é a de um homem rico, vitorioso no mercado financeiro e em atividades empresariais diversas, que só enxerga uma razão para permanecer em Brasília, cidade pela qual não tem grande apreço. A razão é promover mudanças profundas na estrutura do Estado, de conteúdo fortemente liberal. Em outras palavras, pode-se dizer que Paulo Roberto Nunes Guedes, 70 anos, carioca de nascimento e de espírito, quer fazer história. E não ser impedido de levar adiante sua agenda, ao mesmo tempo em que se acumulam frustrações com o desempenho da economia, o nível de emprego e a cotação do dólar.
Veto à privatização de bancos
Bolsonaro, em contrapartida, não abre mão de filtrar as pretensões de Paulo Guedes pela régua da política e, com frequência, do senso comum. Considera o ministro inábil, como mostraram episódios como os dos “parasitas” ou das empregadas domésticas. Do tratamento reverencial de antes passou a adotar um tratamento eventualmente ríspido em relação ao auxiliar, a quem já fez censuras públicas várias vezes.
Paulo Guedes nunca se importou em soar impopular por defender o que chama de “fim de privilégios”. Mas esbarrou em Bolsonaro. Candidato da maioria dos servidores públicos do país, principalmente daqueles vinculados às carreiras de Estado, o presidente sempre resistiu à ideia de patrocinar uma reforma que corta benefícios. Líder do processo que resultou na aprovação da reforma da Previdência, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, também não quis assumir essa batata quente, acusando o Executivo de “terceirizar sua responsabilidade”.
Nessa dança de bastidores vinham sendo enterradas as chances de sobrevivência da reforma administrativa pretendida e da gestão Guedes no Ministério da Economia. Após um encontro tenso com o presidente, encontrou-se a solução, mediada por ministros palacianos. O governo vai propor a reforma administrativa, mas se recusa a avançar em outra sugestão trazida pelo ministro – a privatização de bancos públicos.
Dados os fatos, que são os descritos acima, até onde o Congresso em Foco foi capaz de apurar, há um mundo de interpretações diferentes, que incendiaram o eixo Brasília/São Paulo principalmente na noite de terça-feira. Uns interpretam que Guedes botou pra quebrar e saiu mais forte do que nunca. Outros que Jair Bolsonaro lhe deu corda, para evitar uma demissão que naquele momento poderia ser fatal ao seu governo, mas que passará a avaliar com mais liberdade a possibilidade de uma substituição, já que não é homem de ter a autoridade desafiada por ninguém.
Improvisou-se até, nas conversas entre as pessoas mais bem informadas da capital, uma espécie de bolsa de apostas para determinar quem poderia suceder o explosivo Guedes. O nome do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, de fácil aceitação no mercado financeiro, era o mais lembrado, mas também chegaram aos ouvidos de nossos repórteres outros, todos já integrantes do governo Bolsonaro: o secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, o dono da chave do cofre, que se tornou próximo do presidente da República, sem perder as boas relações com Paulo Guedes; o presidente da Caixa Econômica Federal, Pedro Guimarães, que tem canal direto com Jair Bolsonaro; e o presidente do BNDES, Gustavo Montezano, o mais ligado aos filhos do presidente.
Tudo, tudo, tudo, especulação, boa parte dela provavelmente interesseira, dos inevitáveis lobbies que fazem de Brasília um vulcão permanente de emoções e de surpresas. Se a leitora ou leitor permite a este site uma dica, aqui vai ela: Guedes continua, como informamos ontem, e terá o que falar e anunciar nos próximos dias, mas a tensão persiste. O que a move é o conflito entre um economista liberal, sem papas na língua, e um político populista, originário da defesa dos interesses corporativistas dos militares.
Aguarde mais informações