Em sessão tumultuada, a Câmara dos Deputados aprovou na noite dessa segunda-feira (7) o texto-base do PL 4199/2020, que institui o programa de estímulo ao transporte por cabotagem, conhecido como PL da BR do Mar. O ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, defende que as mudanças vão incentivar o transporte de mercadorias internamente, reduzir custos e aumentar a competitividade industrial do Brasil.
Por volta das 21h dessa segunda os deputados aprovaram o texto-base do relator, Sargento Gurgel (PSL-RJ), com placar de 324 votos favoráveis, 114 contrários e uma abstenção. A sessão foi encerrada às 02h10 desta terça-feira (8), com a aprovação de apenas dois dos sete destaques analisados. Um do MDB e outro do PSC, que resgatou o texto original da matéria. Na sessão de hoje, os deputados voltam a analisar os destaques pendentes.
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Acusando o Executivo e o relator de descumprirem acordo, o deputado Fausto Pinato (PP-SP) colocou seu cargo de vice-líder do governo à disposição.
No parecer inicial, Sargento Gurgel alterou a versão do Executivo em 11 tópicos, incorporando 21 das 112 emendas apresentadas. Entre outras medidas, aumentou de três para quatro anos o tempo de transição para que o afretamento de navios estrangeiros seja liberado.
Os partidos de oposição, contrários à proposta, tentaram obstruir a votação com requerimentos de retirada de pauta e adiamento da discussão. A principal preocupação entre os críticos do projeto é com a entrada de empresas estrangeiras no setor. Embora seja da base governista, o PP, principal bancada do Centrão, também se posicionou contra a proposta.
Publicidade“Podemos estar aqui votando a formação de um monopólio internacional que pode acabar com a cabotagem e o frete nacional”, alertou o deputado Mário Negromonte Jr. (PP-BA).
Já o deputado Paulão (PT-AL) lembrou que os Estados Unidos e a União Europeia proíbem a cabotagem de empresas estrangeiras. “O projeto facilita e barateia as embarcações estrangeiras em detrimento das empresas nacionais, que terão elevação de custos”, comparou.
O deputado Marcelo Ramos (PL-AM) pediu “bom senso” ao governo solicitando a retirada do pedido de urgência da matéria para que os parlamentares pudessem seguir com a análise de outros projetos. Ele reclamou da falta de cumprimento de acordo para incorporação de destaques acertados por ele, em nome das bancadas do Norte e Nordeste, com a liderança do governo.
“Foi incluído um jabuti na matéria, que não trata de cabotagem e prejudica a economia das regiões Norte e Nordeste. Pela primeira vez voto contrario a orientação do meu partido”, disse o deputado com relação ao mérito da matéria.
Desacordos
Na semana passada o líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PL), disse ao Congresso em Foco que a matéria tinha maioria para ser aprovada na Casa e que o governo havia concordado em fazer alterações no texto.
Na ocasião, Marcelo Ramos disse ao site que o governo aceitou dois de seus destaques, retirando o adicional de frete do granel líquido para as regiões Norte e Nordeste e criando um adicional de frete de 10% para o transporte de grãos.
Hoje, no entanto, Ricardo Barros disse em plenário que não houve acordo entre o governo e demais deputados. “Fizemos muitas reuniões, com Vitor Lippi (PSDB-SP), com a Casa Civil, Planalto e lideranças, discutimos longamente. Trata-se de dar a oportunidade de reduzirmos o custo Brasil. Houve debate, mas o governo está certo dessa matéria”, disse.
Diante da falta de consenso, Republicanos, Solidariedade, MDB e DEM liberaram o voto das bancadas no destaque 31, de autoria de Marcelo Ramos, que acabou sendo rejeitado pelo plenário.
Um dos vice-líderes do governo, Fausto Pinato (PP-SP), que mais cedo celebrou pelas redes sociais um acordo com o relator para incluir dois destaques ao texto, protestou contra a votação. “O relator, a todo momento, falou que estaria falando com o governo. […] A emenda 35 tinha sido acatada pelo relator, isso é uma grande vergonha”, disse. “A emenda 35 foi ardilosamente retirada. Estamos formando a maior quadrilha de cabotagem da história desse país. É uma trairagem, falta de palavra”, bradou.
VITÓRIA!
Conseguimos incluir as emendas 23 e 35 ao texto do relator do PL 4199/2020, o ‘BR do Mar’, deputado federal Gurgel, do RJ.
Vamos garantir proteção à atividade dos caminhoneiros autônomos do Brasil. Confira!#FaustoPinato #TrabalhoQueGeraResultados pic.twitter.com/0FnMtaVTBk
— DepFaustoPinato (@DepFaustoPinato) December 7, 2020
“Nós estamos formando um grande cartel e quem está ajudando a regularizar o cartel é o governo. Estamos legalizando apenas três empresas de cabotagem e isso é questão de cadeia. Vamos encaminhar todas essas denúncias, inclusive de deputados que tiveram em grandes empresas para o Ministério Público Federal. Peço ao relator se ele estiver ouvindo, por favor voltar aqui”, disse.
A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) saiu em defesa de Pinato. “Pelo que eu entendi, o relator não está no Plenário, o que é estranho porque o relator deveria estar ai. O deputado Fausto a todo momento acusa o relatório de cartel e de questões a serem judicializadas, o líder do governo diz que não tem compromisso com o relatório e a base do governo o tempo todo vota com o relatório mesmo não havendo compromisso com o líder do governo. De fato está muito estranho esse processo. É um texto complexo e complicado de grande prejuízo à nação brasileira e aos empregos e estou vendo essa grande confusão no plenário. É muito triste para o Brasil ver o Congresso votar dessa forma”, lamentou.
Em outra oportunidade, Fausto Pinato disse que “o governo não tem palavra”.
“O circo está armado e fizemos papel de palhaço aqui, Marcelo [Ramos]. Peço desculpas aos caminhoneiros e pequenos e médios da cabotagem. Peço desculpas aos brasileiros da cabotagem, mas vocês foram traídos. Que falta faz o governo Temer, com coerência e debate. Hoje saio dessa casa envergonhado, coloco meu cargo de vice-líder à disposição porque não vou participar de traição ao povo brasileiro. Tem duas coisas que não prescrevem comigo: gratidão e traição. Ministro Tarcísio, o senhor é mentiroso. É caso de chamar uma CPI, qual relatório é verdadeiro? Com a pandemia perdemos poder de articulação.”